ࡱ>   @_bjbjPP.::_jjjjjjj~NNNN2R~X"S8S8S8S8S-T-T-TgXiXiXiXiXiXiX$YR[Xj-T-T-T-T-TXjj8S8SXVVV-T.j8Sj8SgXV-TgXVVjjV 8SS dN[TVgXX0XV\qTh\V~~jjjj\jVx-T-TV-T-T-T-T-TXX~~$LMV ~~M HYPERLINK "www.autoresespiritasclassicos.com" www.autoresespiritasclassicos.com Camille Flammarion Como Acabar o Mundo  Cometa Hale-Bopp Introduo Pode desde j se anunciar o fim do mundo com tanta segurana como se este acontecimento se realizasse na atualidade, perante os nossos olhos. E no falamos somente do fim do mundo que ns habitamos, da runa da humanidade terrestre com todas as suas obras, mas tambm do fim de todos os mundos do nosso sistema celeste e do prprio Sol, fonte da luz e da vida, do movimento e do calor. Um dia vir em que esse Sol brilhante se ha de apagar; em que a vida terrestre dormira o sono eterno; em que o nosso globo, escuro e gelado, cemitrio silencioso e solitrio, girar na noite estrelada em torno do seu antigo Sol, convertido em astro invisvel; em que todos os planetas daro voltas como se fossem imensas esferas negras em redor de outra esfera tambm negra. Ento, todas as grandezas humanas, tudo o que faz agora palpitar os coraes e excitar o entusiasmo dos mortais, o amor, a gloria, a investigao da verdade, o sentimento religioso, o culto da ptria, a fortuna, todas as vaidades, tudo, enfim, ter desaparecido da terra, fria e escura. A sensao de viver agradvel, e basta, s vezes, para nos permitir dominar as provas mais cruis do infortnio. Deixar de viver parece-nos a mais sombria das perspectivas, e nenhum ser que pense pode encar-lo de frente sem sentir um vcuo profundo, experimentando a vertigem do abismo e do nada. E, no entanto, todos os dias, quando dormimos, deixamos de viver. Perdemos a noo do mundo exterior e a conscincia de ns mesmos, e essa deliciosa sensao de viver, to doce e querida para ns, desaparece com o sono, mas, quando a ele nos entregamos, contando com o despertar... Quando o nosso planeta adormea, quando a humanidade feche os olhos, ser para sempre essa noite no ser seguida de uma aurora. Como e quando chegar o fim do nosso mundo?? Tal e a questo. I A Terra, semelhantemente a todos ns, pode morrer de acidente, de enfermidade ou de velhice. Tudo sucede no infinito sideral. O dever do pensador estudar as causas, tentar um diagnostico baseado na anlise completa das condies da vida terrestre e concluir segundo o clculo das probabilidades. Ponhamos, pois, os conhecimentos cientficos atuais ao servio da nossa imaginao, para passar em revista os diversos destinos que a natureza pode reservar ao planeta que habitamos. Pode, sem duvida, suceder que, depois de termos julgados comparar todas as causas de morte e de nos havermos decidido pela mais provvel, tenhamos pensado em tudo, menos no que realmente suceder o caso idntico ao do medico que vai pedir noticias de um doente em convalescena, e que, ao saber da sua morte, declara que ele morreu curado. Mas no podemos proceder de outro modo? Teremos a pretenso de adivinhar tudo? Isso seria incorrer em notria necessidade. Por outro lado, o estarmos certos da insuficincia do nosso saber, uma razo para que renunciemos a procurar e para que apoiemos tranqilamente a cabea na almofada da indiferena? Esta , contudo, a opinio de muitos homens srios da nossa poca, que se julgam excessivamente inteligentes. Restam, no entanto, curiosos, e no poucos. Ns somos desse numero, e por isso propomos o problema, ainda que mais no seja pelo prazer de discutir. Sim: como morrer a Terra? E, antes de tudo, morrer ela? A Terra nova, muito nova. A sua humanidade no tem ainda a idade da razo. Esta raa, que se sente destinada a converter-se um dia em raciocinada, no ainda mais do que raciocinadora, e apenas isso. A primeira educao que d a seus filhos que se fuzilem mutuamente, entre musicas. O emprego que d aos seus recursos distra-los de todo o trabalho positivo para os aplicar destruio da prpria humanidade. Os princpios mais avanados do progresso social consistem em afirmar que os homens so iguais e que Ravachol e Caserio valem tanto como Newton e Vicente de Paula. E para provar que tem razo, os que tal afirmam, nada encontraram ainda melhor nem mais eloqente do que um sco. Os habitantes de Marte no tem, sem duvida, semelhantes idias. Oh! sim, a nossa humanidade muito nova ainda: um garoto de quatro anos, mal educado, de um arrabalde de sistema solar. E que arrabalde! Mas, enfim, a humanidade, por causa da sua extrema juventude, no pede mais que viver, sabe que crescer, e, adornada com a sua espessa e inculta cabeleira encaracolada, no pensa em que um dia ter os seus cabelos brancos e esquecer os entretenimentos ferozes e uma idade irresponsvel e impiedosa, depois de haver vivido sculos e sculos na gloria das obras intelectuais, e que depois de ter percorrido o longo ciclo dos seus destinos, descer lentamente os degraus do seu tumulo. No tem cem mil anos e pode viver muito milhes deles, como vamos ver. Mas poder tambm morrer de acidente . . . Sob o ponto de vista astronmico, apenas, o nosso planeta est exposto a mais de um perigo. A crena que nasce neste mundo para se transformar em homem ou mulher, pode ser comparada com um individuo colocado entrada de uma rua estreita, uma dessas ruas pitoresca do sculo XVI, flanqueadas de casas, em cada uma de cuja janela estivesse um bom caador armado de uma magnfica espingarda do ultimo modelo. Trata-se de que esse individuo percorra a rua em todo o seu comprimento, sem que lhe toquem os tiros disparados contra ele quase queima-roupa. Todas as doenas nos esto ameaando e assediando: a dentio, as convulses, o garrotilho, a meningite, o sarampo, a varola, a febre tifide, o aneurisma, a pneumonia, a enterite, a febre cerebral, o clera, a tsica, etc., etc. E omitimos ainda mais de uma, que os nossos leitores e leitoras acrescentariam sem trabalho a esta lista das que primeiro nos ocorreram. Chegar so e salvo o nosso homem ao fim da rua? Se chega, ser para morrer, depois, de qualquer modo. O nosso planeta percorre assim a rua solitria com uma velocidade de mais de cem mil quilmetros por hora, e o sol arrasta ao mesmo tempo, com todos os planetas, para a constelao de Hrcules. A Terra pode encontrar no seu caminho um globo invisvel, muito maior do que ela e cujo choque bastaria para a reduzir a vapor. Pode encontrar um sol que a consumiria instantaneamente, como se fosse uma maa metida em um forno de fundio. Pode encontrar um enxame de aerlitos, que lhe produziriam o efeito de uma carga de chumbo em uma perdiz ou em uma cotovia. Pode encontrar um planeta vinte vezes maior do que ela, carregado de gases deletrios, que envenenariam a nossa atmosfera respirvel. Pode ser colhida por um sistema de foras eltrica que exerceriam a ao de um freio sobre os seus doze movimentos e a fundiriam ou a fariam arder como se fosse um fio de platina sujeito ao de uma dupla corrente. Pode perder o oxignio que nos faz viver. Pode estalar coma se fora um grande vulco. Pode desmoronar-se em um imenso terremoto. Pode submergir a sua superfcie nas guas e sofrer um novo dilvio mais universal do que o j conhecido. Pode ser atrada pela passagem de um corpo celeste que a subtraia ao sol e a arraste para os abismos gelados do espao. Pode perder, no s o resto do calor interno, que j no tem ao sobre a sua superfcie, mas tambm o invlucro protetor que mamem a sua temperatura vital. Pode, quando menos se pense, deixar de ser alumiada, aquecida e fecundada pelo Sol, obscurecido e frio. Pode, pelo contrrio, ser carbonizada por se haver duplicado repentinamente o calor solar, como se observou nas estrelas temporais; sem contar muitas outras causas de acidentes ou de enfermidade mortal, cuja fcil enumerao deixamos aos gelogos, paleontlogos, meteorogistas, fsicos, qumicos, bilogos, mdicos, botnicos, e at aos veterinrios, pois que uma epidemia bem propagada, ou a chegada invisvel e um novo exercito de micrbios convenientemente e mrbidos, seriam o bastante para destruir humanidade as principais espcies de animais ou vegetais, sem produzir a menor alterao astronmica ao planeta propriamente dito. Mas qual , entre todas as causas de acidentes possveis, conhecidas ou concebveis, a que mais se pode recear? Qual a que pode preocupar-nos, como sendo uma ameaa suspensa sobre o curso regular da Terra, to tranqila e to imperturbvel na sua aparecia? O globo terrestre to pequeno na imensidade, o seu curso to rpido, a sua marcha to segura, a organizao da sua vida astral to completa, que sem duvida no sucedera nenhuma das catstrofes que deixamos enumeradas. Contudo impe-se nossa ateno uma primeira possibilidade a do encontro com os cometas. Observemos, desde j, que o espao sulcado por cometas que voam em todas as direes em redor do Sol, como se fossem borboletas em torno da luz, e que a terra, ao girar em volta do astro central, est exposta a encontrar mais de um. E' verdade que, em geral, esses eflvios vagabundos e vaporosos no oferecem perigo algum, e que o globo terrestre pode atravessa-os como se fosse uma bala de canho atravessando uma nuvem de mosquitos. E isto o que tem sucedido. O cometa de Biela, por exemplo, um dos que cruzam a rbita terrestre, e a sua proximidade, em 1832, chegou a causar certo pnico. O calculo anunciava que este cometa devia atravessar a rbita terrestre no dia 19 de outubro desse ano, um pouco antes da meia noite. Anunciou-se o calculo nos jornais, sem o compreender bem, naturalmente, e falou-se dos perigos de tal encontro, capaz de ocasionar o fim do mundo. Mas o que a rbita da Terra? O caminho que ela percorre em roda do Sol. Se disparar um tiro atravessando um caminho, no de recear um choque, salvo o caso de passarmos justamente no momento em que bala o atravessa. Ora, bem; o nosso planeta no devia chegar a ponto da sua rbita atravessado pelo cometa, seno em 30 de novembro seguinte, ou seja mais de um ms depois, e ha um momento ainda recordamos que a Terra percorre o espao com uma velocidade de mais de cem mil quilmetros por hora. No havia, pois, motivo para ter a menor sombra de receio. Os jornalistas tinham confundido a trajetria de uma bala com a prpria bala. Que teria sucedido, se o encontro se houvesse verificado? Ento, era difcil prever; hoje, comeamos a adivinhar-o, pois que esse mesmo cometa de Biela, cujo giro em volta do Sol no , ou antes, no era de mais que seis anos e sete meses, encontrou verdadeiramente a Terra em 27 de novembro de 1872. Mas este cometa, se alguma vez foi perigoso, j o no , porque est meio morto, partido em pedaos e desagregado em milhes de pequenas estrelas errantes. Primeiro, em 1846, viu-se que ele se partiu em dois, e estas duas nebulosas continuaram caminhando pelo espao, como se fossem duas irms gmeas, mas afastando-se lentamente uma da outra. Depois, desapareceram pouco a pouco e no se tornou a vlas. Que foi feito delias ? E' provvel que o cometa se tenha desagregado em fragmentos diminutos, em p csmico, porque, em 27 de novembro de 1872, data em que devia encontrar a Terra, observou-se uma verdadeira chuva de estrelas cadentes, cujo numero se calculou em cento e sessenta mil. . Esse enxame prodigioso sabia de um ponto do espao, que correspondia ao que deveria ocupar, no a cabea do cometa, que, se existisse, teria passado por esse ponto da rbita terrestre doze semanas antes, mas a sua cauda, ou melhor, uma frao das suas partes desagregadas, as quais se dispersaram ao longo da sua rbita depois da segmentao de 1846. No pode existir duvida alguma sobre a identidade desse enxame de estrelas cadentes com o cometa de Biela, pois se verificou um novo encontro anlogo ao primeiro, mas menos numeroso, em 27 de novembro de 1855. Como se v, no foi o foco do cometa que encontrou a Terra, mas somente os restos da sua desagregao. Em 30 de junho de 1861 parece que ocorreu um fenmeno da mesma natureza, ainda que sensivelmente distinto. Segundo os clculos, estivemos submersos, na manh desse dia, no extremo vaporoso do grande cometa. O fenmeno passou quase despercebido, sem se notar.mais do que um resplendor estranho, parecido com o de uma aurora boreal, e que se observou em diversos pontos da Inglaterra. Nestes dois casos trata-se, no do foco do cometa, mas de apndices afastados e inofensivos. Outro cometa, o de Lexell, encontrou no seu caminho, em 1770, o sistema de Jpiter. Ignoramos que efeito pode produzir esse encontro na vida que esses satlites possuam, mas no causou perturbao alguma no seu movimento, e, pelo contrrio, foi o cometa que variou de curso, pela influencia perturbadora de Jpiter, cuja massa colossal lanou o intruso em uma rbita diferente da primeira. Assim, pois, os cometas podem encontrar a Terra e os outros planetas. As harmonias do sistema do mundo no se opem a isso, assim como no se opem s inundaes, erupes vulcnicas, terremotos e epidemias. E devemos at admirar-nos de que esses encontros no sejam mais freqentes, pois o numero dos cometas no insignificante. Kepler dizia que ha tantos cometas no universo como peixes ha no mar. Descobrem-se, termo mdio, uns trinta por ano, simples vista, bastante grandes e bastante prximos da Terra, para reinarem, durante algum tempo, como soberanos no cu estrelado. Alem destes, descobrem-se mais, com o auxilio do telescpio, cinco ou seis por armo. Desde ha dois mil anos tem passado uns cem mil cometas pela vizinhana da rbita terrestre. Se tivermos em conta a extenso do sistema solar, mesmo limitando-se rbita de Netuno, concluiremos que devem circular nesse espao mais de vinte milhes de cometas. Os cometas diferem entre si pelo tamanho, pela forma, pela massa e pela constituio fsica e qumica. Uns so completamente transparentes, at no seu ncleo, e a luz dos astros no demente quando eles lhes passam pela frente. Outros apresentam focos que parecem mesclados de concrees macias como se fossem enxames de uranolithos de diversos volumes. Estes focos brilham em parte com luz prpria, e, em parte, com luz reflexa do Sol. A anlise da sua luz descobriu neles a presena dos compostos de carbono, hidrognio carbonato, oxido de carbono e acido carbnico. Estes corpos celestes defiram uns dos outros. As conseqncias de um encontro com a Terra, defeririam igualmente, segundo a natureza do cometa, segundo a velocidade e segundo a direo do choque. E certo que a velocidade sempre a mesma no espao entre a Terra e o Sol, e igual do nosso planeta multiplicada por 1414, isto , 41.660 metros por segundo. Mas, v-se facilmente que, se o cometa nos alcanasse por traz, quer dizer, na direo do nosso movimento principal, velocidade do choque seria mnima, enquanto que se o encontrssemos de frente, essa velocidade seria mxima, ou seja 72.000 metros por segundo. Semelhante choque seria terrvel se o centro do cometa fosse macio ou mesmo simplesmente composto de corpos slidos, de volumes diversos e mais ou menos considerveis. Descreveu-o Laplace em termos dramticos, pois, segundo ele, o choque de um cometa podia e devia produzir o seguinte: O eixo da Terra e o seu movimento de rotao trocarem os mares, abandonando a sua posio, precipitarem para o novo equador; grande parte dos homens e ds animais ficariam afogados nesse dilvio universal outros seriam destrudos por esse abalo violento imprimido ao globo terrestre; espcies inteiras ficariam aniquiladas; todos os monumentos da industria humana seriam derrubados. Tais so os desastres que o ilustre geometra considera como possveis, se chocarmos com um planeta cujo foco tenha uma considervel massa. Trata-se, pois, de alguma coisa mais grave do que os fogos artificiais de estrelas, de que ha pouco falamos; mas devemos apressar-nos . a dizer que muito menos provvel, porque, segundo todas as observaes feitas at hoje, as massas dos cometas parecem, em geral, muito pouco importantes. Contudo, no menos certo que um foco slido de alguns quilmetros apenas, ou uma poro de focos desse gnero, que nos chocassem, com uma velocidade cem vezes superior de uma bala de canho, estariam longe de ser inofensivos, e poderiam fundir um continente, deslocar um pedao de globo, esmagar alguns milhes de homens e modificar mais ou menos a geografia das regies atingidas. Mas, o maior perigo que poderia oferecer o encontro de um cometa, sob o ponto de vista que nos ocupa, seria, sem duvida, a transformao do movimento em calor e a mistura dos seus gases com a nossa atmosfera. No ha duvida de que os cometas so essencialmente gasosos e os seus gases so compostos de carbono. Alm disso, aparecem, com freqncia, incandescentes. semelhante encontro constituiria certamente um perigo, que poderia ser muito grave e que, at em casos em que nos impossvel prever produziria fatalmente o fim do mundo. II Acabamos de deixar entrever que o encontro de um cometa com a Terra um acidente possvel na organizao conhecida dos movimentos celestes, e que nesse encontro no seria o mais terrvel o choque em si mesmo; sob o ponto de vista da massa do cometa, mas as conseqncias do encontro pela transformao do movimento em calor e pela mistura dos gases que compem o cometa com a atmosfera que respiramos. Desde que em 1864 se aplicaram os maravilhosos processos da anlise espectral ao exame dos cometas, sabe-se que o carbono e os seus compostos formam a base essencial da sua substancia. Todos os cometas um pouco brilhantes tem sido examinados ao espectroscpio, e todos tem mostrado trs fachas luminosas, uma azul, outra verde e outra amarela arroxeada, separada por lacunas ou projetadas em fraco espectro continuo. Umas vezes, a facha mais brilhante a verde; outras, a azul. Estas fachas correspondem s do espectro do carbono, cujas combinaes com o oxignio ou com o hidrognio produzem as diferenas de brilho de que falamos. Essas combinaes do carbono manifestam-se nos cometas, no estado de vapores. Tambm se encontra algumas vezes, como sucedeu no cometa de 1882, uma lista amarela caracterstica do rdio. Os cometas parecem formados de uma multido de partculas slidas, que flutuam em uma atmosfera gasosa. Resultam daqui que a anlise da sua luz produz dois espectros : um, continuo, produzido pela refrao da luz solar em partculas slidas, e outro formado de fachas, devido aos gases que, desenvolvidos pela luz solar, se tornam luminosos e do luz prpria sua natureza. A sua matria, gs ou p csmico, muito pouco densa. Sofrem facilmente a ao do calor solar, desenvolvesse muito, medida que se aproximam dele, e os seus movimentos continuam obedecendo a s leis da gravitao, o que prova que a sua massa no nula, mas experimentam certamente o efeito das foras eltricas que emanam tambm do Sol, visto que as partculas que lhes formam a cabea e a cabeleira so arremessadas com a violncia para formar as caudas. Sempre oposta ao Sol, a cauda desenvolve-se na razo direta da proximidade do astro central, e toma, s vezes, propores prodigiosas, estendendo, em certos casos, a mais de cem milhes de quilmetro de longitude. Os cometas voam, aos milhares, s mirades, em todos os sentidos, em todas as direes, seguindo todas as curvas elpticas possveis, mas sempre muito excntricas, precipitando-se para a gloria solar, na qual podem, s vezes, desvanecer-se, contornando, ordinariamente, o astro radiante, a uma distancia maior ou menor, e voltando aos desertos do espao, depois de terem sido caldeados, eletrizados, desenvolvidos e transformados na irradiao do seu ardente esplendor. Depois, desaparecem arrefecidos, contrados, reduzidos nada, como se fossem bolas de ar na escurido gelada da imensidade. Na precipitao do seu vo, em redor do Sol, um desses astros pode encontrar o nosso globo. Acrescentaremos que muitos cometas tm um volume extraordinrio. O famoso cometa de 1811 media 180,800 quilmetro de dimetro na cabea, ou seja, 150 vezes o dimetro da Terra, e a sua cauda tinha uma extenso de 176.000,000 de quilmetro, isto , muito mais do que a distancia que separa o nosso planeta do Sol. A velocidade desses corpos de 41,660 metros por segundo, na vizinhana da Terra, ou seja, 2.509 quilmetro por minuto, 150,000 por hora. Por outro lado, a Terra fende o espao com uma velocidade de 29,430 metros por segundo, 1,767 quilmetro por minuto e 160,000 quilmetro por hora. Tais so as condies mecnicas do problema do choque. Supnhamos que um cometa das mesmas dimenses do de 1811 nos atingia, precisamente de frente, no nosso caminho em volta do Sol. A grandeza do choque seria igual soma das velocidades reunidas do cometa e da Terra, ou seja 72,000 metros por segundo; um pouco menos, pois que, como a rbita do cometa vai dar a volta ao Sol no perilio, estaria sempre um pouco inclinada sobre a nossa. O globo terrestre penetraria na nebulosidade do cometa, sem experimentar, certamente, resistncia muito sensvel. Mesmo admitido que essa resistncia fosse muito fraca e que a densidade do foco do cometa fosse mnima, para atravessar essa cabea de 188 mil quilmetro de dimetro, o nosso globo no empregaria menos de 250.000 segundos, ou seja, 417 minutos, isto , 6 horas e 57 minutos, ou ainda, em nmeros redondos, 7 horas... com uma velocidade 120 vezes maior que a da bala de um canho e seguindo ao mesmo tempo o seu movimento rotativo. O encontro comearia s seis horas da manh pelo meridiano anterior. O oxignio do ar alimentaria facilmente o incndio. Mas ha outro gs em que os fsicos no pensam com freqncia, pela simples razo de que no o tem encontrado nas suas anlises: o hidrognio. Que feito de todas as quantidades de hidrognio, emanadas do solo, ha milhes de anos, desde os tempos pr-histricos? Sendo a densidade desse gs dezesseis vezes menor que a do ar, todo esse hidrognio tem subido e forma, sem duvida, em roda da nossa atmosfera, um invlucro atmosfrico hidrogenado muito rarefeito. Em virtude da lei da difuso dos gases, uma grande parte do hidrognio tem-se misturado intimamente com o ar, mas as camadas mais elevadas devem conter em grande proporo. E' l que se inflamam as estrelas cadentes e, Lambem, as auroras boreais, a mais de 100 quilmetro de altura. Eis como se produziria um belo fogo celeste. O fim do mundo seria, pois, desta maneira, pelo incndio atmosfrico. Durante sete horas, ou ainda por mais longo tempo, visto que a resistncia do cometa no pode ser nula, haveria uma transformao continua de movimento em calor. Hidrognio e oxignio arderiam combinados com o carbono do cometa. A temperatura do ar elevava-se a muitas centenas de graus. Os bosques, os jardins, as plantas, as selvas, as habitaes humanas, os monumentos, as cidades e as aldeias, seriam rapidamente consumidas. O mar, os golos e os rios, ferveriam. Os homens e os animais, respirando o hlito ardente do cometa, morreriam asfixiado, antes de terem tempo para ser queimado. Em seguida, todos os cadveres seriam carbonizados, e, no imenso incndio celeste, s o anjo incombustvel do Apocalipse faria ouvir o som atroador da sua trombeta, o antigo canto funerrio que cairia lentamente do cu, semelhante ao estertor horrvel de uma imensa agonia: Solvet soelum in favilla - o mundo ser reduzido a cinzas. Todo o lado da Terra ferido pela enorme massa do cometa, teria sofrido esse fim, antes que, os habitantes do outro hemisfrio dessem pelo cataclismo. O ar mal condutor do calor e este no se transmitiria imediatamente ao ponto oposto. Se o nosso lado estivesse precisamente voltado para o cometa nos primeiros minutos de encontro, que suponho ocorreria no vero, seria o trpico de Cncer, e os habitantes de Marrocos, da Arglia, de Tunis, da Grcia e do Egito, que se encontrariam nas primeiras filas da batalha celeste, enquanto que os cidados da Austrlia, da Nova Calednia e das ilhas da Oceania seriam os mais favorecidos. Mas, haveria tal atrao de ar, por causa da fogueira europia, que comearia a soprar dos antpodas um vento de tempestade mais violento do que os espantosos furaces conhecidos, e mais formidvel ainda do que a corrente de quatrocentos quilmetro por hora que reina permanentemente no equador de Jpiter. A Terra, ao girar sobre si mesma, conduziria necessariamente ao eixo do choque os paises situados oeste do meridiano primeiramente atingindo. Uma hora depois da ustria e da Alemanha, pereceria a Frana; depois, o Oceano Atlntico e a Amrica do Norte, que s chegaria ao mesmo eixo, um pouco obliquo em conseqncia da marcha do cometa para o seu perilio, cinco ou seis horas depois da Frana, e que seria assim quem finalizava o sucesso. Apesar da extraordinria velocidade do cometa e da Terra, a presso que ele exerceria no seria muito grande, atenta extrema rarefao da substancia atravessada pela Terra; mas como essa substancia, que encerra principalmente carbono, combustvel, nota-se com freqncia que estes astros, alm da luz que recebem do Sol, aparecem com luz prpria, resultado da sua incandescncia nas proximidades do seu perilio. Que sucederia no choque com a Terra? A inflamao dos aerlitos e blides, a fuso superficial dos uranolithos que cabem ardendo no solo, tudo nos leva a concluir que o calor mais intenso sria o primeiro e o mais considervel efeito do encontro, o que no impediria que os elementos macios do foco do cometa esmagassem os pontos que tocassem, e deslocassem at um continente inteiro. Ficando, assim, o globo terrestre completamente envolvido pela massa do cometa durante sete horas, girando a Terra nesse gs incandescente, soprando violentamente o ar contra o incndio, o mar fervendo e enchendo a atmosfera de vapores, uma chuva quente caindo das cataratas do cu, reinando por toda parte desencadeada a tempestade, as deflagraes eltricas do raio lanando relmpagos fantsticos, o estrondo dos troves juntando-se aos rugidos do furaco e a antiga luz dos formosos dias terrestres substituda pelo fulgor lgubre e sinistro da atmosfera vermelha : todo o globo no tardaria a ser invadido pelo toque da agonia, e o cataclismo seria universal, apesar de, indubitavelmente, a morte dos antpodas ser diferente da dos primeiros. Em vez de serem consumidos diretamente pelo fogo, aqueles habitantes da terra morreriam asfixiados pelo vapor ou pelo predomnio do nitrognio, conseqncia da diminuio rpida do oxignio, ou envenenados pelo xido de carbono. O incndio no faria mais do que queimar cadveres, enquanto que os europeus e os africanos teriam sido j queimados vivos. A tendncia muito conhecida do xido de carbono para obsorver o oxignio, teria sido, sem duvida, uma sentena de morte imediata para os homens e animais, afastados do ponto da partida do cataclismo. Seriam estes os efeitos do encontro de um grande cometa com a Terra. Poderamos tambm imaginar o caso de um cometa constitudo de outro modo, que absorvesse, por exemplo, o nitrognio, em vez de absorver o oxignio, e esta extrao gradual e total do nitrognio produziria nos habitantes da Terra, homens, mulheres, crianas e velhos, a alegria, o prazer, a expanso febril, a exaltao, o delrio, a loucura, a dana universal ... e a morte repentina de todos os seres, na apoteose de uma dana macabra. Mas, no conhecemos ainda cometas nem corpos celestes, desta ordem qumica, e queremos permanecer exclusivamente dentro das hipteses cientificas. Pode o nosso planeta estar ameaado por outros acidentes ? III Os cometas no so os nicos perigos que nos ameaam, e a causa de acidentes siderais poderia ser mais terrvel do que os encontros com os cometas, pois que estes encontros seriam, em geral bastante inofensivos. O caso especial que vimos de examinar e o mais raro de todos. O sol vai caindo na incomensurvel imensidade e arrasta com ele a Terra e todos os demias planetas. Desde que o nosso mundo errante existe, no passou duas vezes pelo mesmo caminho. Em vez de descrever em roda do sol uma curva fechada, descreve uma serie espirais, separadas umas das outras por todo o caminho percorrido em cada ano pelo sol na sua marcha para constelao de Hercules. Nessa rpida carreira pelo espao, podemos encontrar um sol incendiado, um sol apagado e invisvel, uma poro de massa csmica uma nebulosa ou ainda qualquer outro mistrio inconcebido... Os leitores, que seguem o movimento scientifico, conhecem a historia da estrela temporria da constelao do Cocheiro em 1892. Viu-se que este astro se elevava dcima quarta grandeza e at quinta, e que, em seguida, no menos rapidamente, cabia na dcima quarta ordem de brilho, para subir novamente; depois de outras fluctuaes secundarias. A durao do maximum do brilho, simples vista, foi apenas de trs meses, de 7 de dezembro de 1891 a 6 de maro de 1892. Depois, observou-se que o astro cahira na dcima sexta grandeza. Conclua-se daqui que esse astro foi cinqenta mil vezes mais luminoso durante o seu maximum do que era antes e do que foi depois, o que no pequena revoluo, Depois, sofreu novas recrudescencias: Segundo a anlise que da sua luz fizeram Huggins, Vogel, Pickering e Deslandres, predominavam no espectro os raios brilhantes do hidrognio, e o mesmo exatamente sucedeu com as estrelas temporais do Cysne; em 1876, e da Coroa, em 1866. Esses astros foram subitamente envolvidos nas chamas do hidrognio em combusto. Daqui, temos ns assistido a esses imensos incndios celestes. Varias hipteses se apresentam para explicar o fenmeno. Pode admitir-se Seeliger, que a estrela temporal um meteoro que se inflama ao penetrar em uma nebulosidade csmica, como sucede com os blides, ao atravessarem a atmosfera terrestre. Uma espcie de blide gigantesca, um planeta igual Terra, por exemplo, penetra em uma nebulosidade csmica, cujas partculas violentamente atradas, se precipitam ao seu encontro com velocidades crescentes. As variaes dessas velocidades podem ser a causa do desenvolvimento dos raios espectrais que chamaram a ateno dos observadores. Os fenmenos de conflagrao duram mais ou menos tempo segundo a grandeza da nebulosidade atravessada, e pode renovar-se, se o corpo celeste encontrar outra no seu caminho, circunstancia que se deveria ter dado certamente na estrela do Cocheiro, a qual, para mais, foi vista envolta em uma nebulosidade. Os espectros sobrepostos estabelecem que a nebulosidade csmica e o blide, ou, em qualquer caso, os dois corpos cujo choque tenha causado a apario, se encontram com uma velocidade de 900.000 metros por segundo. Pode tambm se admitir com Huggins que o fenmenos tenha tido por causa a aproximao, sem encontro, de dois sois fracos, mas, em todo o caso, telescpicos para ns, e que, girando um em torno do outro, tenham chegado a aproximar-se o bastante para exercer uma prodigiosa atrao mutua, anloga que produz as mars, mas incomparavelmente mais poderosa. Daqui resultariam erupes gigantescas do gnero das solares, acompanhadas de violentas perturbaes eltricas e de enormes chamas que envolvessem os dois sois em um extraordinrio incndio. O corpo, que se afastava de ns, emitia raios brilhantes, enquanto que o outro, o que caminhava para o nosso lado, apresentava um espectro continuo de largas fachas de absoro, anlogo ao das estrelas brancas. Os dois corpos podiam estar em fases de evoluo diferentes, como, por exemplo, o formoso sistema duplo, topzio e safira, de Albireo. A durao do aumento de brilho tem sido demasiadamente curta para admitir que dois corpos slidos se tenham encontrado realmente e que a sua energia de movimentos' se tenha transformado em calor. Isto so dois exemplos do que sucede no poucas vezes no universo e do que pode suceder ao nosso planeta. Desde os tempos de Hyparco, isto , desde ha dois mil anos, tem-se observado vinte e cinco aparies dessas, a primeira das quais, a do ano 134! antes da nossa era, levou precisamente Hyparco a compor o primeiro catalogo de estrelas. Muitas, e entre elas essa, tem sido de primeira grandeza. A mais celebre de todas a famosa estrela de 1572, que excedia em brilho Jpiter e at Vnus, e que durou dezoito meses. A maior parte dessas aparies, inclusive a primeira, tem-se manifestado na Via Lctea No , pois, impossvel que na sua viagem intersideral, o nosso Sol passe pela vizinhanas de um dos seus iguais, ou atravs de uma nebulosidade csmica, ou se choque com outro sol. Qualquer destes fatos ocasionaria, segundo todas as probabilidades, a morte da Terra, tambm pelo fogo. Imagine-se o que seria dos habitantes do nosso globo, homens, animais e vegetais, se o Sol elevasse de repente a sua temperatura a um calor cinquenta mil vezes mais intenso. Se j, por alguns mseros graus a mais, que fazem, s vezes, subir o termmetro a 45 ou a 50 graus durante a cancula, no faltam s insolaes a fazer cair as suas vitimas sobre o solo ardente, que sucederia com uma elevao de temperatura a 200, a 500, a 1000 ou mais graus? Nenhum organismo resistiria, e os prprios peixes seriam imediatamente cosidos. O mesmo sucederia nos demais planetas do nosso sistema, e, quando trs meses depois, o Sol voltasse ao seu estado normal, no alumiaria seno cemitrios sem sepulturas. Ainda mesmo que a Terra no tivesse sido tocada, nem por isso deixaria de ser vitima. Os vinte e cinco exemplos de que temos sido testemunha, desde h dois mil anos atestam que tal acontecimento nada teria de extraordinrio. Estes casos no os observamos, sem duvida, seno muito tempo depois da poca em que eles realmente ocorrem, pois tem de se levar em conta as distancias das estrelas e o tempo que a luz gasta em chegar at ns, desde as profundidades celestes, apesar da sua velocidade de 30.000 quilmetro por segundo. Talvez a conflagrao recentemente observada na constelao do Cocheiro date do tempo de Nero e do incndio de Roma, e possvel que a estrela dos Magos, que brilhou alguns dias sobre o bero de Jesus, marcasse o fim de um mundo sucedido no universo no tempo do dilvio. Assim, se o nosso sol, visto distancia suficiente para estar reduzido estrela de dcima sexta grandeza, sofresse algum dia semelhante apoteose, os astrnomos desconhecidos, que habitam naquelas regies celestes e consagram a sua vida observao do cu, s dois ou trs mil anos depois observariam o fenmeno., O que nos parece acontecido no presente sucedeu muito tempo antes; quando assistimos morte de um mundo, somos talvez contemporneos da sua ressurreio. Quando os astrnomos dos outros mundos assinalarem a morte da Terra, quem sabe se ela j ter ressuscitado? Vivemos na eternidade e ningum d conta disso neste sculo de cheques, to apertado no circulo de ferro dos interesses matrias. E uma poca muito estranha, esta em que vivemos e em que parece que a sociedade europia se empenha em cair numa decadncia sem remdio possvel. E o mais curioso ver grande numero de espritos distintos sorrir com serenidade a este estado de coisas e assegurar, em termos escolhidos, com Renan, que o Sol possuem a sua alma radiante e que tudo vai o melhor possvel no melhor de todos os mundos. Na realidade, se tudo morre, porque ha de a Europa ser eterna? No viveu j bastante a Frana e as suas irms, as outras naes? No tem vivido muito bem desde ha doze sculos e no tem ganho j o direito de abandonar a sena? No estar j cumprida a sua misso? Mas, no tratamos aqui do fim das naes, assunto muito pequeno para astrnomos. As naes, Egito, Grcia, Itlia, Frana, Inglaterra, Portugal, Alemanha, vivem uma dezena de sculos pouco mais ou menos. E que so dez, quinze, vinte sculos nos fastos astronmicos? O sonho de um instante. Se a Terra no morrer de acidente, tem diante dela milhes de anos. Os encontros, que temos descrito, so os menos improvveis. Pode acrescentar-se, certo, o encontro direto de um globo csmico, que nos reduza a fumo, e o de um sol apagado ou luminoso, que choque em cheio com o astro que nos alumia. Estes dois choques diretos so possveis, mas muito menos provveis do que os encontros precedentes, porque o espao incomensurvel e os astros relativamente pequenos. E depois, como no ha movimentos em linha reta e as velocidades so considerveis, os choques s podem produzir-se em condies dinmicas verdadeiramente excepcionais. Imaginemos, por um momento, que a Terra est s, e lanada em linha reta pelo espao com a sua velocidade de 106.000 quilmetro por hora... - Mas - replica um pequeno argumentador, oculto em uma celula do meu crebro, - isso geometricamente absurdo. - Porqu? - Porque a Terra, lanada desse modo e com essa velocidade... D vontade de rir... - Evidentemente. No s impossvel supor correndo em linha reta, mas d-se mais a circunstancia de que no correria nada e permanecia em repouso, qualquer que fosse a velocidade imaginada. - Com efeito - acrescenta o meu interlocutor mental - desde que a supes s no espao, no tens ponto de referencia para traar uma linha reta nem para medir a velocidade. Lanado desse modo no podemos dizer que o teu globo vai em linha reta, pois que, sem ponto de referencia, linha curva, sinuosa, angulosa ou reta, vertical ou horizontal, qualquer direo, at retrgrada, tudo o mesmo. No pode correr porque no caminha para nada nem se afasta de nada. Logo est imvel. Mas o astrnomo no escuta o pequeno argumentador sado do colgio, e continua. IV Dizamos, pois, que se o globo terrestre, lanado com a sua velocidade atual de 106.000 quilmetro por hora; existisse, s, no espao, no haveria ponto de referencia para avaliar esse movimento, e, por conseqncia, o globo estaria como que imvel, pois no se afastaria de nada nem caminharia para nada. Uma escola metafsica afirma que estaria absolutamente em repouso, assim como assegura que, se suprimissem os corpos, no haveria espao. Ns no pensamos assim. Para ns, a Terra estaria verdadeiramente em movimento, ainda que se no afastasse nem se aproximasse de nada, visto que levava em si a mesma energia de movimento. A realidade do movimento subsiste, mesmo suprimindo todo o resto do universo, e, com esta realidade, a possibilidade terica de uma paragem, de uma transformao dessa energia em outra energia diferente. Certamente, se esse globo terrestre estivesse, s, no espao, no correria risco algum de se encontrar com outro. Mas, no est s. O espao est povoado de globos anlogos, que correm em todos os sentidos e direes, com velocidades que variam desde alguns quilmetros por segundo at vinte, trinta, cinqenta e ainda mais. Estrelas ha que se precipitam no espao com uma velocidade de mais de cem quilmetro por segundo. Imagina uma esfera das dimenses da Terra e at muito maior - o Sol tem um volume mais de um milho de vezes superior ao da Terra, e devem circular muitos sois apagados pelo espao, o que nos indiferente, pois, visveis ou no, no poderamos apartar do caminho fatal, - Imagina, dizamos, uma esfera desse tamanho, que nos viesse atingir com uma velocidade de cinqenta, sessenta ou cem quilmetro por segundo. De um choque em cheio nada ficaria de ns, nem da Terra inteira, que se transformaria em uma nebulosa de gases. Imaginemos, tambm, por exemplo, que ha no espao dois globos slidos como a Terra, da mesma densidade que ela, mas muito maiores, cada um de um dimetro igual metade do dimetro do Sol, ambos em repouso e afastados um do outro duas vezes a distancia da Terra ao Sol. Em virtude da atrao, cairiam um em cima do outro, em linha reta, encontrando-se depois de meio armo de caminho. A coliso duraria meia hora, durante a qual os dois corpos seriam transformados em qualquer massa fluida incandescente, agitada violentamente, aumentada at tomar dimenses muitas vezes maiores do que a soma dos volumes primitivos dos dois corpos e oscilando para um e outro lado do ponto do choque. Ao fim de alguns anos, essa massa fluida acabaria por formar um sol esfrico, que teria, aproximadamente, o mesmo volume, o mesmo calor e o mesmo brilho que o nosso Sol atual. Seria este um fim brilhante, e tambm pelo fogo..: Per ignerre, segundo a antiga tradio psalmodiana nas missas de defuntos. Mas, como ha pouco vimos, este fim pouco provvel, porque, mesmo sofrendo uma atrao mutua, os corpos no partem do repouso para se abandonar a essa atrao, mas esto todos lanados no espao e animados de movimento prprio. Qual a origem do sistema solar at constelao de Hercules ? Qualquer ilustre matemtico responder que no sabe mais sobre este ponto do que um botnico, do que um veterinrio ou do que um poltico. Mas, essas velocidades que nos ameaam, defendem-nos ao mesmo tempo, pois so precisamente elas que evitam os choques que a atrao poderia ocasionar. Exemplifiquemos. Examinamos, ha alguns anos, como a atrao de Jpiter capturou os cometas peridicos, cujo aflio est prximo zona da ao desse planeta gigante, e como o enxame de estrelas cadentes, de 10 de agosto e a rbita do cometa III, de 1862, nos revelam a existncia de um planeta transneptuniano, colocado a quarenta e trs vezes a distancia da Terra ao Sol, e que d uma volta em roda deste num espao de 330 anos. Todo o cometa que chega ao nosso sistema, seguindo uma rbita parablica, retardar ou acelerar a sua marcha ao aproximar-se de um planeta. Se acelera a marcha, a sua rbita torna-se hiperblica, e o cometa segue o seu curso, sem tornar a passar, como se no tivesse sido desviado, mas por outro caminho. Se, pelo contrario, retarda a marcha, a rbita torna-se elptica e fecha-se no ponto de perturbao. Quanto ao cometa, torna a passar, depois de ter realizado uma revoluo em roda do Sol, pelo sitio em que a sua rbita se transformou de parbola em elipse. Mas, para que este fato se d, preciso que o cometa passe muito perto de Jpiter, e mesmo assim, essa perturbao no poder nunca transformar de uma vez uma rbita parablica em uma elipse to pequena como a do cometa de Biel, por exemplo. Para chegar a esse resultado, a perturbao deve exercer-se em varias passagens do cometa pelo seu afelio, em pocas em que o planeta passe tambm por essa regio; passagens nas quais diminua a sua velocidade e por isso mesmo se torne menor a sua rbita. Depois de bastante tempo, que os cometas peridicos, capturados por Jpiter, chegaram a ser o que so. Um cometa que passasse prximo da Terra, poderia ser capturado por esta do mesmo modo que o foram os de Jpiter, mas muito mais dificilmente, porque, por um lado, a Terra no tem a fora de Jpiter, e por outro, a distancia da rbita terrestre atrao solar vinte vezes mais considervel que a distancia da rbita de Jpiter. Seria preciso, pois, que o cometa roasse quase o nosso globo. Podem existir cometas cujo aflio esteja prximo da Terra, mas no se conhecem ainda. No se poderiam ver, seno dificilmente, os cometas cujo aflio fosse inferior rbita terrestre. Mas poderamos divisar durante os eclipses totais do Sol. E bom fazer observar que Jpiter pode desfazer o que fez. Sim, depois de certo numero de revolues, o cometa torna a passar perto da esfera de atividades de Jpiter com uma velocidade menor do que a do planeta; esta velocidade ser aumentada pela atrao de Jpiter e a rbita voltar a tomar a forma de parablica. Isto j sucedeu. O cometa Lexell passou em 1769 muito perto de Jpiter. Estava 580 vezes mais perto d'ele que do Sol; foi capturado e seguiu uma rbita elptica de 5 anos 2/3. Era novo no sistema, porque no se tinha visto ainda e no se tornou a ver depois. Porqu? Porque a sua volta aflica regio de Jpiter, em 1779, aproximou-se mais do planeta do que em 1769, at ao ponto que devia passar entre Jpiter e os seus satelites; a sua rbita devia abrir de novo e o cometa foi outra vez lanado para o infinito. Algum cometa tem-se precipitado sobre o Sol sem, contudo, cairem nele. Assim, viu-se o cometa de 1882 chegar at ao astro do dia, em 17 de setembro, com uma velocidade de 480.000 metros por segundo, atravessar-lhe as chamas nas alturas da sua ardente atmosfera, dar a volta ao globo solar em algumas horas e sair so e salvo para continuar o seu vo. O mesmo sucesso ocorreu em 27 de fevereiro de 1843, em 27 de janeiro de 1880 e no mesmo dia e ms de 1887. A velocidade prpria dos astros impede-os de cairem uns sobre os outros. Sem duvida, se uma esfera celeste nos atingisse de frente, no a evitaramos; mas, preciso tal combinao de movimentos, para produzir semelhante encontro, que o calculo das probabilidades no nos convida a contar com ele. O acidente sempre possvel. No momento em que escrevo estas linhas, os jornais, que esto algumas vezes bem informados, contamos que o homem mesmo, em Paris, onde tudo sucede, um transeunte chamado Paul Marcel, que passava tranqilamente pela rua Saint Dervis, foi morto em frente do numero 200, por um vaso de flores que caiu de uma janela precisamente sobre a sua cabea. Ha nisto, indubitavelmente, uma estpida combinao de movimentos, que pode suceder tambm Terra. Pode cair do cu algum vaso. Resulta, pois, de todo este exame, que os acidentes que nos ameaam do exterior no so realmente muito para temer. Todas as causas de acidente reunidas; os cometas de todas as ordens, de direes diversas, de constituies qumicas variadas, de densidades mais ou menos fracas e focos mais ou menos complexos; outros astros errantes desconhecidos; sois apagados ou radiantes; nebulosas, ajuntamentos estelares, nuvens csmicas, cemitrios de mundos mortos, no impediro que a Terra envelhea, segundo todas as probabilidades. Seria prefervel que a Terra morresse nova? Isso outra questo. Os antigos tinham o costume de dizer que os deuses chamam mais depressa aqueles a quem amam; mas, em geral, a eleio no possvel, e como o envelhecer ainda o nico meio que se conhece para no morrer, no temos mais do que resignarmos-nos. Sim, esta jovem Terra, banhada na luz solar, embalada nas douras da atrao, vogando to elegantemente pelo ter infinito, com a sua primavera, com as suas flores, as suas guas, os seus cus azuis, as suas nuvens de oiro e as suas harmonias, e j povoada de uma vida imensas, por cima da qual reina, s vezes, a inteligncia e a beleza; seria talvez prefervel que naufragasse antes da decrepitude inevitvel dos seres e das coisas. Mas, o destino nem sempre um grande artista. Morrer de acidente, de enfermidade ou de velhice ? Acidentes? No, sem duvida, como acabamos de ver. De enfermidades? E quais? Uma alterao qualquer, na composio qumica do ar respirvel, poderia certamente produzir o fim da humanidade, apesar da facilidade dos rgos em se adaptarem, de gerao em gerao, s transformaes dos meios. Se o oxignio diminusse em quantidade sensvel ou o acido carbnico aumentasse em proporo alarmante, os pulmes deixariam de funcionar normalmente, e, decadncia dos rgos, viriam juntar-se exercites inteiros de novos micrbios, semelhantes s inumerveis legies de phyloxeras, que no ha muito tempo caram sobre as vinhas, matando-as. Enfermidades crnicas, universais da respirao e da circulao, fariam cair todos os homens no sono eterno, depois de um tempo mais ou menos longo. As funes vitais dos pulmes e do corao, a transformao de sangue venoso em arterial, esto intimamente ligadas ao estado da atmosfera e variam com ela. Esta pode, alm disso, converter-se em um foco de germens deletrios, que espalhem por todo o globo epidemias desconhecidas. Podem abrir-se vulces que vomitem no ar miasmas funestos. Podem envenenar-se as guas. Mas, estas causas no so mais provveis do que es acidentes de que falamos, e o nosso planeta continuar girando em redor do Sol, destinado a morrer de boa morte. Pelo exame desta morte natural, , pois, que devemos terminar este estudo. Qual parece que deve ser a morte natural da terra? O Sol vai responder-nos. E ele que conserva o estado liquido das guas e o estado gasoso do ar. Sem ele, a gua seria um mineral slido, e o prprio ar, ao zero absoluto, seria solidificado. Sem o Sol no haveria, na superfcie do nosso planeta, nem luz, nem calor, nem dias, nem manhs, nem tardes, nem primaveras, nem veres, nem outonos. No haveria mais do que uma noite fnebre, um eterno inverno negro e gelado. A temperatura seria de uns 273 graus abaixo de zero. Seria aniquilada a vegetao, a vida animal, bosques, prados, flores, plantas, aves, insetos e animais de todas as espcies da terra, das guas e dos ares. O prprio ar estaria morto, pois no haveria nenhuma agitao na atmosfera gelada, ainda que pudesse permanecer no estado gasoso, porque o calor que faz soprar a brisa e a tempestade, ele que murmura no arroio, ele que desliza no rio, ele que brame no mar agitado, ele que canta com as aves, que floresce na rosa, que vive em todos os filhos da Terra, gerados pelo seu poder. Apague-se o astro, e tudo morrer. O foco solar pode aquecer-nos e alumiarmos ainda muito tempo? Qual a temperatura do Sol ? Donde procede ao seu calor e quanto tempo durar ? O conjunto dos acontecimentos astronmicos leva a pensar que o Sol e o seu sistema so o produto da condensao de uma imensa nebulosa, cujos limites excediam os limites da rbita do ultimo planeta do sistema. Esta origem explica, no s o estado geomtrico atual do sistema solar e os seus movimentos, mas tambm o prprio calor do Sol e dos planetas. Os clculos de Helmoltz estabeleceram que a condensao gradual desta massa deve ter produzido, pela transformao do movimento em calor, uma temperatura de vinte e oito milhes de graus. A atividade trmica que este astro possui atualmente no mais do que um fraco resduo da enorme quantidade de calor que resulta da gravitao. William Thompson considera que este calor solar, devido condensao, representa dezoito milhes de vezes o dispndio anual, de modo que, se o Sol tivesse sempre irradiado exatamente como hoje, estaria inflamado ha dezoito milhes de anos. Esse calor deve representar uma durao mais longa, pois nada prova que a nebulosa, da qual o Sol deve ser uma condensao, no tenha estado, ela prpria, a certo grau de temperatura. A esta condensao gradual da massa solar ha a acrescentar a queda inevitvel dos meteoros csmicos, blides e estrelas cadentes, que vo parar ao Sol em numero incomparavelmente maior do que ao nosso pequeno globo, e que do assim origem a uma quantidade aprecivel de calor. Se todos os planetas cassem no Sol, a transformao do movimento da sua queda em calor alimentaria a irradiao solar durante 45.589 anos. S a Terra daria para 95 anos, mas Jpiter daria para 32.000 anos. No entanto, a queda da matria no pode ser muito considervel, porque a massa do Sol no aumenta sensivelmente. Se aumentasse, a Terra giraria mais depressa em redor dele, e os anos encurtar-se-iam. Ha ainda a acrescentar certas operaes qumicas, semelhantes s combustes que observamos nos nossos laboratrios. Mas, esta fonte de calor quase insignificante, pois que, se todo o globo solar ardesse como arde um pedao de hulha, consumia-se em cinco mil anos. A condensao atual do globo solar , sem duvida, a causa principal da alimentao do seu calor. A sua densidade ainda muito fraca menos da quarta parte da terra. Pois bem: para suprir as perdas anuais de irradiao, bastaria que o astro se condensasse 39 metros por ano. Nestas condies, seriam precisos 18.000 anos para que o dimetro solar diminusse um segundo de arco, e esta diminuio lenta seria absolutamente inobservvel com os nossos instrumentos pticos. O problema bastante complicado, pois ignoramos o estado das substancias gasosas, liquidas, pulverulentas ou slidas que constituem o Sol, assim como o seu calor especifico, ou seja a quantidade de calor que uma unidade da sua substancia necessita adquirir ou perder para subir ou baixar um grau. No calculo precedente, adotou-se, para o calor especifico do Sol, o da gua, que o maior de todos. Na hiptese de uma condensao puramente gasosa, medida que o Sol se condense, a sua fora de gravidade aumenta na sua superfcie, e a quantidade da condensao necessria para gerar uma dada quantidade de calor torna-se menor. Quando o dimetro do astro tenha diminudo metade da sua grandeza, a sua densidade ser oito vezes maior do que em nossos dias. O dimetro solar deve ter sido, ha talvez dez milhes de anos, duplo do que atualmente, e a densidade do astro a oitava parte da atual. Se o Sol continuasse a condensar-se at chegar densidade da Terra, esta condensao produziria uma nova quantidade de calor suficiente para manter ainda, durante 17 milhes de anos, a mesma intensidade calorfica que alimenta atualmente a vida terrestre. E esse terno pode prolongar-se, admitido uma reduo na taxa de irradiao, uma queda de meteoros no astro devorador ou uma condensao que continuasse para alm da densidade terrestre. Mas, por mais que afastemos esse fim, ele ha de chegar fatalmente. Os sois, que se apagam no universo, so outros tantos exemplos, antecipados, da sorte reservada ao que nos ilumina. V Assim, segundo todas as probabilidades, e apesar de todos os perigos que o cercam, o nosso planeta no morrer de acidente, mas de morte natural. Esta morte deve ser, como acabamos de ver, conseqncia da extino do Sol, dentro de vinte milhes de anos talvez mais, talvez trinta, pois a condensao, a uma taxa moderada, lhe d 17 milhes de anos ; e, por outro lado, a queda inevitvel dos meteoros pode aumentar essa durao em outro tanto. Mas, ainda prolongando a durao do Sol a quarenta milhes de anos, indubitvel que a irradiao desse astro o esfria e que a temperatura de todos os corpos tende para o equilbrio Um dia chegar em que o sol estar apagado. Ento, a Terra e os demais planetas do sistema deixaro de ser a morada da vida, sero riscados do grande livro e rodaro em torno de um Sol extinto, semelhantes a negros cemitrios. Mas, duraro at a esse tempo? Jpiter, e talvez Saturno, sim, provavelmente. Mas, os corpos pequenos, tais como a Terra, Vnus, Marte, Mercrio e a Lua, certamente que no. A Lua parece que j nos precedeu no deserto final. Marte est muito mais adiantado do que a Terra na sua derrota para, o mesmo destino. Vnus, mais nova do que ns, ha de, sem duvida, sobreviver-nos. Sim, estes pequenos mundos perdem os seus elementos de vitalidade mais depressa do que o Sol perde o seu calor. De sculo para sculo, de ano pra, ano de dia para dia, de hora para hora, transforma-se a superfcie da Terra. Por uma parte, os continentes nivelam-se e descem para o mar, que tende insensivelmente a invadir o globo inteiro e a submergir ; e, por outra parte, a gua diminui na superfcie da Terra. Examinemos, antes de tudo, o primeiro fato, e sigamos a exposio, autorizada recentemente feita por Lapparent, o sbio autor do clssico Trait de gologie. Se for dramtico imaginar o nosso globo vitima de uma catstrofe universal, j no o tanto, certamente, ver a simples ao ds foras, que hoje funcionam, ameaar tambm o planeta de uma destruio certa. No parecem os nossos continentes de uma estabilidade indefinida? Como pr em duvida a permanncia dessa terra que tem suportado tantas geraes antes da nossa, e sobre a qual os monumentos da mais remota antiguidade demonstram que, se nos tem chegado j em runas, no foi porque o solo se tenha negado a sustei-os, mas porque sofreram as injurias do tempo sobre tudo as dos homens? Por muito longe que remontem as tradies histricas, apresentam-nos os rios correndo no mesmo leito de hoje e as montanhas erguendo-se mesma altura; e to pequena a importncia das convulses que ocorrem num ou noutro sitio, que parece suprfluo procurar nelas o prognostico de uma destruio final. Assim pode raciocinar que apenas lana para o mundo exterior um olhar superficial e indiferente. Mas, sero muito diversas as concluses de um observador habituado a investigar atentamente as modificaes, ainda de aparncia insignificante, que se realizam em volta de si. Por pouco que saiba ver, perceber a cada passo os vestgios de uma luta incessante, travada pelas potencias exteriores da natureza contra tudo o que sobressa desse inaltervel nvel do Oceano, debaixo do qual reinam o silencio e o repouso. Por um lado, o mar fustiga furiosamente as suas margens e obriga-as a retroceder de sculo para sculo. Por outro, derrubam-se pedaos de montanhas, que enterram em poucos minutos varias aldeias e semeiam a desolao nos vale mais risonho. As chuvas tropicais encarniam-se contra os cones vulcnicos e produzem barrancos profundos, cujas paredes se vo derrubando e transformam em runas aqueles gigantes. Mais silenciosa, mas no menos eficaz, a ao dos grandes rios, como o Ganges e o Mississipi, cujas guas so to fortemente carregadas de partculas em decomposio. Cada um desses pequenos corpos, que turvam a limpidez do seu veiculo liquido, um fragmento arrancado terra firme. Lentamente, as guas conduzem para o grande deposito do mar tudo o que a superfcie do solo vai perdendo, e os resduos, que se vem no Delta, no so nada, comparados com os que o mar recebe para os dispersar nos seus abismos. Como , pois, que o pensador, testemunha de semelhante obra, e sabendo que ela se est realizando ha um numero considervel de sculos, poder iludir a idia de que, na realidade, os rios e as ondas do Oceano preparam inexoravelmente a runa da terra firme? A geologia confirma em todos os seus pontos esta concluso, e faz-nos ver que, em toda a extenso dos continentes, a superfcie do solo constantemente atacada, j pelas variaes da temperatura, j pelas alternativas da seca e da humildade, do gelo e do degelo, j pela constante ao dos vermes e dos vegetais. Daqui, um processo de desagregao, que ha de acabar por mobilizar as rochas mais compactas, at que os seus fragmentos sejam bastante pequenos para obedecer grvida, de, sobre tudo quando as chuvas lhes fcil tem a queda. Assim caminham esses fragmentos, ao principio pelas encostas at ao leito das torrentes, onde se gastam e se transformam pouco a pouco em calhaus e areia, e depois nos rios, que tem, pelo menos nas cheias, fora bastante para mover esses fragmentos e para os levar para as suas embocaduras no mar. E' fcil prever o resultado de tal ao. A gravidade, que atua sempre, no se satisfaz enquanto a matria submetida sua ao no tenha adotado a posio mais estvel, o que s sucede quando essa matria no pode descer mais. E pois, necessrio que se chegue a suprimir toda a vertente para o Oceano, deposito comum, ao qual vai parar toda a potencia de transporte, e que as parcelas arrebatadas aos continentes se disseminem no fundo do mar, o que , em resumo, a nivelamento completo da terra firme, ou, para melhor dizer, a destruio de todo o relevo continental: Desta forma, vemos facilmente que, na proximidade das embocaduras, umas plancies quase horizontes devero marcar o relevo final da terra firme. O resultado da eroso do solo pelas guas correntes, ser fazer nascer, nas linhas divisrias das regies, umas arestas agudas, que rapidamente passam a extenses quase planas, entre as quais se no manter, em ultima anlise, nenhum relevo superior a uns cinqenta metros. Mas essas arestas agudas, que esta concepo deixa subsistir na separao das bacias hidrogrficas, no poderiam manter-se muito tempo, porque a gravidade, a ao do tempo, as infiltraes e as variaes da temperatura bastariam para provocar o seu desabamento. E', pois, legitimo dizer que o final a que deve fatalmente conduzir a eroso continental o aplanamento completo da terra firme, que tomaria assim um nvel pouco diferente do das embocaduras das correntes de gua. Quanto tempo ser necessrio para que esse fenmeno se realize? A terra firme, se arrasassem uniformemente todas as montanhas, ficaria com o aspecto de uma meseta que dominaria, em todo o permetro, o mar, em socalcos de setecentos metros de altura. Se admitirmos que a superfcie total dos continentes seja de 145 milhes de quilmetro quadrados, resultar que o volume da massa continental, que sobressa, pode ser avaliado em cem milhes de quilmetro cbicos. Esta a proviso, ainda respeitvel, contra a qual se exercem as foras exteriores da destruio. Pode avaliar-se que todos os rios juntos levam cada armo para o mar 23.000 quilmetro cbicos de gua. Este gasto, pela proporo estabelecida de 38 partes por 100.000, daria um volume de matrias slidas de 10 quilmetro cbicos e 43 centesimal. Esta cifra est para a do volume total dos continentes como 1 est para 9.730.000. Se a terra firme fosse uma meseta uniforme de cem metros de altura, perderia por este conceito uma parte, de umas sete centsimas de milmetro por anuo, ou seja um milmetro em quatorze anos, ou sete milmetros por sculo. Eis aqui uma cifra positiva, que expressa o atual valor da eroso continental. aplicando ao conjunto dos continentes, temos, como resultado, que esta eroso, por si s, destruiria, em menos de dez milhes de anos, a massa inteira da terra firme. Mas nem s a chuva e as correntes de gua atuam sobre o globo; ha outros fatores que contribuem para a destruio progressiva dos continentes. O primeiro a eroso martima. E' difcil escolher melhor tipo de eroso que o das costas britnicas, expostas pela sua situao ao assalto das ondas atlnticas, impelidas pelos ventos dominantes de Sudoeste, cuja violncia no amortecida por nenhum obstculo. Ora, o retrocesso. mdio do conjunto das costas inglesas , certamente, inferior a trs metros por sculo. Entendamos esta cifra a todas as ribas martimas e vejamos o que resulta. Pode proceder-se a este calculo de duas maneiras. A primeira consiste em avaliar a perda que representa para a totalidade das costas um retrocesso de trs centmetros por armo. Para isso necessrio conhecer o seu desenvolvimento, bem como a sua altura mdia. Esse desenvolvimento , em todo o globo, de uns 200.000 quilmetro. Enquanto altura das costas atuais, sobre o nvel do mar, exagero o fixar em uns 100 metros, termo mdio. Sendo assim, um retrocesso de trs centmetros anuais corresponde a uma perda anual de trs metros cbicos, ou seja, para 200.000 quilmetro de costa, 600 milhes de metros cbicos, o que alcana somente seis dcimas de quilometro cbico. Em outros termos, a eroso martima no representa mais do que a dcima stima parte do trabalho das guas correntes. Talvez se objete, a este modo de proceder, que, como a altura vai crescendo desde a margem at ao centro dos continentes, o mesmo retrocesso deveria, com o tempo, corresponder a maior perda de volume. Seria fundada esta objeo? No, porque o trabalho das chuvas e das correntes de gua, que tende planificao completa das superfcies, continuaria avanando ao mesmo tempo em que a ao das ondas. Por outra parte, sendo a superfcie da terra firme de 145.000.000 de quilmetro quadrados, um circulo de igual superfcie deveria ter 6.800 quilmetro de raio. Mas a circunferncia desse circulo no teria mais que 40.000 quilmetro; quer dizer: o mar teria no contorno cinco vezes menos ao do que tem atualmente, graas s desigualdades que fazem elevar-se a 200.000 quilmetro a extenso das costas. Pode, pois, admitir-se que na terra o trabalho da eroso martima atua cinco vezes mais depressa do que em um circulo equivalente. Esta avaliao representa, seguramente, o mximo, pois lgico supor que, uma vez corrodas pelo mar as pennsulas estreitas, a relao do permetro para a superfcie diminuiria mais e mais, o que tornaria menos eficaz a ao das ondas. Em todo o caso, ainda mesmo razo de trs centmetros por armo, um raio de 6.800 quilmetros est condenado a desaparecer em 226.600.000 anos; a quinta parte desta cifra, ou sejam uns 45 milhes de anos, representaria o mnimo do tempo necessrio para a destruio da terra firme pelas ondas martimas, o que seria apenas superior, como intensidade, quinta parte da ao continental. O conjunto das aes mecnicas parece, puis, que faz perder cada ano terra firme um volume de 12 quilmetros cbico, o que, tratando-se de um total de 100 milhes, produziria a destruio completa em pouco mais de oito milhes de anos. Mas, estamos longe de ter esgotado a anlise dos fenmenos destruidores da massa continental. A gua no somente um agente mecnico, mas tambm um instrumento de dissoluo muito mais eficaz do que pode julgar-se, em razo da quantidade notvel de acido carbnico que contem todas as guas, quer porque o tomem da atmosfera, quer porque lhe proporcione a decomposio das substancias orgnicas do solo. Essas guas circulam atravs de todos os terrenos e carregam-se das substancias que arrebatam aos minerais atravessados. A gua dos rios contm por cada quilometro cbico 182 toneladas de substancias dissolvidas. O conjunto dos rios leva, pois, para o mar, todos os anos, cinco quilmetro cbicas dessas substancias. No seriam, por conseqncia, 12, mas sim 17 quilmetros cbicas que a terra perderia cada anual pelas diversas influencias que procuram a sua destruio. Deste modo, o total dos 100 milhes desapareceria, no j em oito, mas em pouco mais de seis milhes de anos. Ainda esta cifra vai sofrer uma considervel atenuao. Com efeito, no deve esquecer-se que os sedimentos cabidos no mar desalojam certa quantidade de gua, e que, por esse fato, o nvel do Oceano deve elevar-se e sair ao encontro da plataforma continental, que vai descendo e cuja desapario total se acelera em proporo. A medida desse movimento fcil de precisar. De fato: para uma dada extenso que perde a meseta, que suporemos uniforme, preciso que o mar se eleve de tal modo que o volume da camada martima correspondente seja exatamente igual ao volume dos sedimentos introduzidos, isto , ao da extenso destruda, O calculo demonstra que a perda do volume se eleva, em numeras redondos, a 24 quilmetro cbicas. Apesar desta cifra estar contida 4.166.666 vezes na de cem milhes, que representa o volume continental, estamos autorizados a Concluir que a ao das foras atualmente em jogo, s por si, prosseguindo sem quaisquer outros movimentos acidentais do solo, bastaria para produzir, em uns quatro milhes de anos, a desapario total da terra firme. Quer dizer : dentro de quatro milhes de anos o globo terrestre estaria inteiramente submergido. Mas, pode opor-se a esta maneira de ver uma teoria diametralmente contraria e apoiada em fatos de observao no menos precisos e em um mtodo de raciocnio no menos rigoroso. Em lugar de ver a terra continental destinada a desaparecer sob a invaso gradual das guas e acabar por se submergir inteiramente, podemos v-la, pelo contrario, destinada morrer pela seca visto que a quantidade de gua, que existe no globo, diminuo de sculo para sculo. VI Em outros tempos, no comeo do perodo quaternrio, o lugar que Paris atualmente ocupa, estava quase por completo ocupado pelas guas, pois que a coluna de Passy a Montmartre e a Pre Lachaise, a meseta de Montrouge ao Pantheon e a Villejuif eram os nicos pontos salientes sobre os imensos lenis liquido. As alturas desses pontos no aumentaram, mas o leito do Sena tem descido gradualmente e a gua tem diminudo. O mesmo sucede em todos os paises do mundo, e compreende-se que assim seja. Uma quantidade de gua, pequena relativamente ao conjunto, mas aprecivel, penetra atravs das profundidades do solo, j no fundo dos mares pelas fendas e pelas aberturas devidas s deslocaes e aos vulces submarinos, j em plena terra firme, pois que nem toda a gua das chuvas encontra, ao embeber-se no solo, Uma Camada de argila impermevel. Em geral, toda a gua da chuva, que se no evapora, volta para o mar pelos mananciais, pelos regatos e pelos rios, mas para isso preciso que encontre um leito de argila e que por ele corra seguindo as vertentes. Quando no encontra uma camada impermevel, continua descendo por infiltrao e vai saturar as rochas profundas. Esta gua perdida para a circulao, e combina-se quimicamente para formar os hidratos. Se o descenso bastante profundo, a gua adquire uma temperatura suficientemente elevada para se transformar em vapor, e essa a origem mais freqente dos vulces e dos tremores de terra. Mas, no interior do solo, como tambm ao ar livre, uma parte aprecivel das guas, em movimento na circulao atmosfrica, transforma-se em hidrato e at em oxido. Nada ha como a umidade para produzir rapidamente a oxidao. Fixados assim os elementos da gua, o hidrognio e o oxigeno deixam de estar combinados no estado liquido. Por seu lado, as guas termais constituem uma completa circulao fluvial interior, que provm da superfcie e que no volta para ela, nem para o mar. Seja porque se fixe, seja porque se combine, seja porque penetre at s profundas camadas do globo, a gua diminui na superfcie da terra, e descer mais e mais, medida que se for dissipando o calor terrestre. Demais, parece que essa a morte dos corpos celestes do nosso sistema solar. A nossa vizinha Lua, cujo volume e cuja massa so inferiores aos da Terra, esfriou mais rapidamente e percorreu mais depressa as fases da sua vida astral. Os seus antigos mares, nos quais se vem ainda os vestgios irrecusveis da ao das guas, esto completamente secos. No se observa na Lua nenhuma evaporao, nenhuma nuvem, e o espectroscpio no descobre vestgio algum do vapor de gua. O planeta Marte, tambm menor do que a Terra, est, incontestavelmente, mais avanado na sua carreira, e observamos que no pospe nem um nico oceano digno desse nome, mas apenas mediterrneos de extenso mdia, pouco profundos e unidos entre si por canais. E' um fato comprovado pila observao: ha menos gua em Marte do que na Terra. As nuvens so l muito mais raras e a atmosfera mais seca. Os fenmenos de evaporao e condensao efetuar-se mais rapidamente do que aqui, e as neves polares mostram uma variao nas estaes muito mais extensa do que as da Terra. Por outra parte, o planeta Vnus, mais novo do que a Terra, est rodeado de uma atmosfera imensa, constantemente carregada de nuvens. Na atmosfera do grande planeta Jpiter, no vemos mais do que uma acumulao de vapores. Assim, os quatro mundos, que melhor conhecemos, servem-nos para provar o fato da diminuio secular das guas. E', pois, certo que, ao mesmo tempo em que sofre uma nivelao fatal, a Terra sofre tambm de sculo para sculo uma diminuio gradual da quantidade de gua que possua. Segundo todas as aparncias, essa diminuio caminha paralelamente com o nivelamento. medida que o globo perca o seu calor interno, ir esfriando, como sucedeu Lua. A extino absoluta do calor terrestre ter como resultado a produo de vacuns no interior, nos quais se precipitar gua dos mares, sem se transformar em vapor, e que ser absorvida ou combinada com as rochas metlicas no estado de hidrato ou de oxido de ferro. A quantidade de gua diminuir indefinidamente at sua desapario, talvez total. Faltos os vegetais do seu elemento essencial, transformam-se e acabam por perecer. As espcies animais transformam-se tambm, mas continuar a haver herbvoros e carnvoros, os primeiros dos quais desaparecero gradualmente produzindo a morte dos segundos, at que, por fim, a prpria espcie humana, apesar das suas transformaes, morrer de fome e de sede na terra rida e seca. Podemos concluir por conseqncia, que o fim do mundo no ser por um novo dilvio, mas pela diminuio da gua sem a qual a vida terrestre impossvel. A gua constitua a parte essencial de todos os corpos viventes, O prprio corpo humano formado por gua na enorme proporo de 70 por cento. Sem gua no podem existir as plantas nem os animais. Seja no estado liquido, seja no de vapor, ela rege a vida terrestre. A sua supresso equivale a uma sentena de morte, que a natureza nos prepara. Mas no ser sem duvida a falta de gua, por si prpria, que produzir o fim das coisas, mas antes a sua conseqncia climatolgica diminuio do vapor de gua, na atmosfera produzir o arrefecimento geral, e a humanidade perecer elo frio. Todos sabem que a atmosfera terrestre respirvel composta de 79 por cento de nitrognio e de 20 por cento de oxignio, e que a centsima parte restante formada pela quarta parte de vapor de gua, por trs dcimas milsimas de acido carbnico, pelo oznio ou oxignio eletrizado, pelo amonaco, pelo hidrognio e outros gases em quantidades infinitamente pequenas. O nitrognio e o oxignio formam, pois, as 99 centsimas partes, e o vapor de gua a quarta parte da centsima restante. Este quarto de centsima de vapor de gua da mais alta importncia sob o ponto de vista animal e vegetal, e pode afirmar-se quem pelo que respeita temperatura e ao clima, essa pequena quantidade de vapor de gua mais essencial do que todo o resto da atmosfera As ondas de calor, que chegam do Sol Terra, que aquecem o solo e em seguida o abandonam para se dividir pelo espao, atravessando a atmosfera, chocam-se, ao passar, com os tomos de oxignio e de nitrognio e com as molculas de vapor de gua disseminadas no ar. Estas molculas so to escassas, visto que no representam em volume a centsima parte dos espaos ocupados pelas outras, que se poderia julgar que o oxignio e o nitrognio que conservam o calor. Se considerarmos os tomos em particular, vemos que por cada 200 de oxignio e nitrognio, ha apenas um de vapor aquoso. Pois bem : s esse tomo tem 80 vezes mais energia, mais valor efetivo para conservar o calor irradiante do que os 200 de oxignio e de nitrognio. Por conseqncia, uma molcula de vapor de gua 16:000 vezes mais eficazes do que uma molcula de ar seco para conservar o calor, ou para o irradiar, pois que os dois poderes so recprocos e proporcionais. Diminua-se em grande proporo essas molculas invisveis de vapor aquoso, e a Terra tornar-se- imediatamente inabitvel, apesar do oxignio todas as regies, at o equador e os trpicos, perdero de repente o calor que as faz viver, ficando condenadas ao clima das altas montanhas coroadas de neves perpetuas. Em lugar das plantas frondosas, das flores e dos frutos, das aves e dos ninhos, da vida que pulula na terra e nas guas; em Lugar dos regatos murmurantes, dos rios transparentes, dos lagos e dos mares, no teremos, em volta de ns, mais do que gelos imveis no seio de um deserto imenso... E digo de ns, apesar de que no teramos muito tempo para o ver, porque o nosso prprio sangue se nos gelaria nas veias e todos os coraes humanos deixariam em breve de bater. Estas seriam as conseqncias da supresso desse vapor aquoso que, dividido pela atmosfera, atua como se fosse uma estufa protetora para toda a vida terrestre. Os princpios da termodinamica demonstram que a temperatura do espao proximamente de 273 graus abaixo de zero. Nesse frio, mais do que glacial, adormecer o nosso planeta, quando estiver privado do invlucro areo que hoje o reveste com o seu calor protetor. E esta a sorte reservada a Terra pela diminuio gradual da gua que existe na superfcie. Esta morte pelo frio e inevitvel se a nossa existncia durar o bastante para esperar. E esse fim tanto mais certo, quanto verdade que no s o vapor de gua diminui, mas tambm os outros elementos do ar, o oxignio o nitrognio, e, em uma palavra, a atmosfera inteira. O oxignio se fixa insensivelmente em todos os xidos que continuamente se formam na superfcie do globo; o nitrognio se fixa nas plantas e nas terras e no volta integralmente ao estado gasoso; a atmosfera penetra pela sua presso nos oceanos e nos continentes e desce tambm s regies subterrneas. Pouco a pouco, de sculo para sculo a atmosfera diminui. Em outros tempos, durante o perodo primrio, por exemplo, a atmosfera era imensa, as guas cobriam quase inteiramente o globo, as primeiras formaes granticas emergiam isoladas do oceano universal.e a atmosfera estava impregnada de uma quantidade de vapor de gua incomparavelmente superior dos tempos modernos. Assim se explica a alta temperatura dessas pocas desaparecidas, quando as plantas tropicais dos nossos dias, os fetos arborescentes, as calamitas, as eqissetceas, as rigilarias e os lepidonderas cresciam em selvas opulentas, desde os golos ao equador. Hoje, a atmosfera e o vapor de gua tem diminudo consideravelmente. No futuro, esto destinados a desaparecer. Em Jpiter, que ainda est na poca primaria, a atmosfera imensa e carregada de vapores. Na Lua parece que no existe atmosfera alguma, e, assim, a sua temperatura constantemente inferior ao gelo, mesmo em pleno sol. Em Marte, a atmosfera est sensivelmente mais Rarefeita do que a nossa. O tempo necessrio para instaurar o reinado do frio, causado pela diminuio da atmosfera aquosa que envolve o globo, no seria, sem duvida, inferior a dez milhes de anos. Ser esse o nosso fim. Segundo todas as probabilidades, o nosso pequeno planeta morrer de frio, pela ausncia do vapor aquoso da atmosfera, antes que o Sol tenha perdido a fecunda irradiao da sua luz e do seu calor, e, na ordem dos destinos planetrios, Jpiter e Saturno sucedero ao nosso mundo extinto, pois tero nessa altura adquirido, pela continua condensao, a dureza, a solidez, a estabilidade que no parece que tenham nos nossos dias, se lhes no for detido o seu ciclo pela extino prematura do Sol. Muito tempo depois, dentro de 25 ou 30 milhes de anos, ou talvez mais, o Sol, por sua vez, chegar ao seu outono e ao seu inverno. A sua irradiao luminosa e calorfica ter sido sustada pela sua condensao secular e pela queda incessante de meteoros. Muito clculo se tem feito nesse sentido e todos conduzem proximamente ao mesmo resultado. Na magnfica obra sobre L'origine riu Monde diz Mr. Faye: No que o sistema solar deva dissolver-se, deslocar-se ou acabar por se englobar todo na massa central. Laplace demonstrou que esse admirvel mecanismo estava feito para durar indefinidamente. Todas as condies de estabilidade mecanica se encontram nele reunidas, e de passagem recordaremos, que essas condies so devidas s particularidades prprias da massa catica de que ele saiu. Mas o universo no dispende energia para durar, enquanto que o Sol dispende-a enormemente para brilhar, e como a sua proviso limitada e no pode renovar-se, devemos esperar, no como prxima, certamente, mas como inevitvel, a morte desse Sol como sol. Depois de ter brilhado durante muitos milhares de anos ainda, acabar por enfraquecer e se extinguir, como se fosse uma lmpada qual faltasse o azeite. Numerosos fenmenos celestes nos advertem deste fato: as estrelas cuja luz vacila, as que se apagam periodicamente, para a simples vista pelo menos, como sucedeu com a da Baleia, e as que desaparecem definitivamente. Considerando principalmente essa fase final, compreendermos o importante papel que o Sol desempenha neste sistema, alem dos efeitos mecnicos da sua poderosa atrao. O Sol perde constantemente calor; a sua massa condensa-se e contrair-se; a sua fluidez diminui; e um momento chegar em que a circulao que alimenta a fotosferas e que regula a sua irradiao, fazendo com que nela tome parte a enorme massa quase inteira, ser embaraada e comear a tornar-se mais lenta. Ento, diminuir a irradiao da luz e do calor, e a vida vegetal e animal ha de ir-se concentrando mais e mais no equador terrestre. Quando essa circulao cessar, a brilhante fotosferas ser substituiria por uma crosta opaca e escura que suprimida toda a irradiao luminosa. Talvez se produzam tambm no Sol as alternativas, que se observam nas estrelas ao comear a sua fase de extino; talvez um desenvolvimento acidental de calor, devido a algum desmoronamento da crosta solar, devolva, por um instante, a esse astro o seu primeiro esplendor; mas no tardar a enfraquecer e a extinguir-se novamente, como sucedeu s famosas estrelas do Cysne, do Serpentrio, e, ultimamente, da Coroa Boreal. Os planetas, que constituem o sistema, continuaro girando em redor do Sol apagado, escuros e frios. Tal ser, sem duvida, o aspecto final do sistema solar. Mas... E depois? E depois da morte da Terra e da morte do Sol? Ficar tudo morto? A mais de um leitor ocorrera agora essa pergunta. Tratar, no de resolver, certamente, mas de lhe responder, caso que demanda muita audcia. Mas, apesar disso, a curiosidade tenta-nos. Autorizar-nos, verdadeiramente, o estado atual das cincias, a ter como provvel no futuro esse equilbrio final e definitivo?... FIM Uma viagem prodigiosa Encontrava-me eu, ento, em Veneza. O antigo palcio ducal dos Speranzi conservava abertas as suas grandes janelas; o astro da noite refletia no mar os sulcos prateados das embarcaes e a imensidade do cu desenvolvia-se majestosamente por sobre as torres e as cpulas. Quando os msicos, baloiando-se nas gondolas, deram a volta pelo canal, para deslizar sob a ponte dos Suspiros, os seus ltimos coros desvaneciam-se no silencio da noite e Veneza pareceu adormecer nesse sono profundo que nenhuma outra cidade conhece como a rainha do Adritico. Esse silencio era apenas interrompido pela pendula do velho relgio, e eu talvez no tivesse apreciado toda a profundidade daquele mutismo universal, se a isso me no tivesse convidado a oscilao do aparelho destinado a medir o tempo. Aquele rudo montono marcava o silencio, e, coisa estranha, parecia argumentar. Sentado junto da ampla galeria, contemplava eu o disco brilhante da Lua deslocando-se no espao azul e radiante de luz, e pensava em que o astro da noite, to tranqilo na aparncia, avanava um quilometro no espao a cada movimento do pendido. Isto me impressionou um tanto, talvez pela prpria solido de que estava rodeado. Olhei para o globo lunar, no qual, simples vista, se distinguem os seus antigos mares e a sua configurao geogrfica, e pensei que talvez hoje mesmo esteja habitado por seres com um organismo diferente do nosso, podendo viver nele com uma atmosfera extraordinariamente rarefeita. Mas, o que mais me preocupava era a sua revoluo em torno do nosso globo, razo de cerca de um quilometro -1.017 metros - por segundo, de 61 quilmetro por minuto, de 7.660 quilmetro por hora, de 87.863 por dia e de 2.400:000 por cada revoluo mensal. Eu via com os olhos do esprito a Lua girando em volta de ns, de oeste para o leste, e completando a sua revoluo em menos de trinta dias. Ao mesmo tempo, eu sentia, por assim dizer, o movimento da Terra em volta do seu eixo, movimento que se realiza tambm de oeste para leste e que faz girar aparentemente o cu em redor de ns e em sentido oposto aquela direo. Enquanto eu meditava, a Lua tinha percorrido um grande trajeto e descia na direo do Ocidente por sobre o campanrio da igreja. Movimentos terrestres e celestes mais suaves ainda do que os das gndolas desusando sobre o lmpido espelho das guas, arrastemos na realidade, como se fora em um sonho, medis os nossos dias e os nossos anos; vamos passando sem deixar rasto algum, enquanto que vs durareis sempre. J tu, oh! Lua! astro silencioso, esquife celeste, prateavas com os teus raios argnteos as guas da Terra, quando ha milhes de anos a humanidade terrestre aguardava, nos limites da possibilidade futura, a sua apario no mundo, que to lenta foi. Animais estranhos povoavam as selvas; peixes fantsticos perseguiam-se uns aos outros no seio das ondas; vampiros cruzavam os ares ; crocodilos de dois ps, avos dos que nos pinta a mitologia egpcia, corriam pelas margens dos rios e dos lagos. Mais tarde, oh ! Lua! brilhaste sobre as flores primitivas, sobre os ninhos das primeiras aves. Mas quantas noites no rebrilhaste, com a tua luz plida, at que pela primeira vez te fixou um olhar humano e o pensamento do homem se ergueu para ti ! Hoje lanas os teus raios sobre uma humanidade populosa e ativa, sobre cidades florescentes e palcios de mrmore, erguidos em meio das ondas. No ha muito que um par enamorado te tomava como testemunha dos seus juramentos, esquecendo que as tuas fases rpidas so a imagem da nossa inconstncia e da brevidade da nossa vida. Sim; tu s a confidente de muitos mistrios, e por muito tempo ainda juventude te dirigir os seus cnticos de amor. Mas um dia chegar em que tu, rainha silenciosa da noite, voltaras apenas em torno de um cemitrio gelado; em que j no recebers a luz do Sol prximo a extinguir-se e em que j no haver no mundo relgios nem seres humanos que possam medir o tempo. Assim meditava eu, ao luar, que parecia aumentar todas as sombras e tornar mais profundos todos os abismos, em um palcio cujos alicerces nasciam da gua. Aquele mundo vizinho gira a 96.000 lguas de ns; o pensamento, com um golpe das suas azas, pode transpor essa distancia em um segundo. Eu voei com o meu at Lua e esqueci-me de Veneza, do Adritico e da Terra; senti-me arrastar muito para alm da nossa atmosfera. I A Noventa e seis mil lguas da Terra Pareceu-me, com efeito, que me acercava da plida Phebe e que me aproximava, rapidamente, da cadeia dos Apeninos lunares, que separa o Mar dos Vapores do Mar das Chuvas, no longe do meridiano central. Reconheci, tal como os tinha observado com o telescpio, os crculos e crateras de Archimdes, de Antolyco e de Aristilo, e quedei-me durante alguns instantes sobre as margens escarpadas do Mar Sereno. Pareceu-me encontrar os vestgios das guas evaporadas e notar os de profundas crateras enterradas em um dilvio de lodo. Habituei-me tanto mais rapidamente a esta contemplao, quanto certo que os instrumentos astronmicos nos tem familiarizado, desde ha tempo, com este mundo vizinho, e quanto certos detalhes da geografia lunar nos so mais conhecidos que outros da geografia terrestre. Aqueles crculos imensos, aquelas crateras ainda abertas, aqueles montes de speras vertentes, aquelas cristas nuas e selvagens, aqueles vales profundos, aquelas mltiplas ravinas, tem sido j objeto de estudo e so perfeitamente conhecidos. V-se em tudo aquilo o resultado geolgico de uma atividade vulcnica extraordinria: crateras de trs quilmetro de profundidade, de cem, de cento e cinqenta e duzentos quilmetro de largura; plancies e ribeiras onde ainda se v a ao das guas. Nunca ha.nuvens; no se percebem os efeitos de uma evaporao atmosfrica, pois ali a atmosfera, se realmente existe, extraordinariamente rarefeita, e, contudo, ao estudar os aspectos deste globo reconhecem-se, no s provas de atuais desabamentos, de mudanas geolgicas na sua superfcie, mas tambm certas variaes bastante rpidas no solo das regies baixas, onde a atmosfera pode estar relativamente condensada. As condies orgnicas deste mundo so completamente diferentes das nossas, mas no se demonstrou ainda que ali no exista a vida. Apenas, segundo se julga, o perodo vital desse pequeno planeta est mais adiantado que o do nosso. O meu pensamento detinha-se, com os meus olhares, no plido satlite da Terra, e eu perguntava a mim prprio se no havia nele alguma cidade lunar, em uma ravina ou no fundo de algum vale, um ser pensante que elevasse os seus olhos para o cu, contemplando nele a Terra onde vivemos, e perguntando, pela sua parte, se existiam seres inteligentes na superfcie deste globo que gira perpetuamente por cima das suas cabeas e formula sua curiosidade o mesmo enigmtico problema que a sua ptria nos faz formular a ns. Enquanto eu viajava por este mundo vizinho, o astro da noite tinha sensivelmente descido para o ocidente, e observei, a alguma distancia dele, para a esquerda, uma estrela que brilhava com uma claridade avermelhada, lanando raios de fogo nas alturas do cu. No tardei a reconhecer nela o planeta Marte, e esquecendo a Lua por essa outra ilha celeste, irm da nossa e que oferece com ela tanta analogia: - Eis - disse para mim - o planeta que mais nos interessa e que mais conhecemos. Gravita em redor do Sol em uma rbita traada a uma distancia mdia de 56 milhes de lguas do astro central. A Terra, em que vivem, faz a sua revoluo anual a uma distancia de 37 milhes de lguas. Medeiam, pois, uns vinte milhes de lguas entre uma e outra rbita. Justamente o planeta Marte passa neste momento na seco da sua trajetria mais vizinha do nosso mundo. Uma feliz circunstancia faz com que, no sendo circulares nem paralelos os dois mundos, s distem um do outro quinze milhes de lguas. A luz, que precisa de um segundo ou de um terceiro para atravessar o espao que medeia entre a Lua e a Terra, gastam duzentos segundos para transpor o abismo que separa a Terra do planeta Marte. Pareceu-me que eu no gastaria tanto tempo para chegar at l e esqueci a ampla janela do meu palcio veneziano para admirar o grande mundo a que se transportou o vo do pensamento. II A quinze milhes de lguas da Terra No uma distancia muito grande, astronomicamente falando. E' como se o planeta fosse nosso vizinho. Como se estivesse a dois passos de ns, Marte a primeira estao do sistema solar, o primeiro planeta que se encontra quando nos afastamos da Terra para visitar as longnquas regies do cu. medida que nos afastamos do nosso mundo, este perde a sua grandeza aparente. Visto da Lua, desenha-se no espao como se fosse uma lua enorme, de um dimetro quatro vezes maior do que o do astro das noites terrestres e quatro vezes mais luminoso, pois se encontra isolado no espao e reflete a luz que recebe do Sol, como o faz a Lua e os diversos planetas do sistema solar. A uma distancia, pois, de cem mil lguas, a Terra aparece ainda bastante grande, visto que quatro vezes maior de que a Lua cheia. A uma distancia de um milho de lguas, parece dez vezes menor, mas oferece ainda um disco considervel. A distancia da rbita de Marte, na poca em que os dois mundos esto mais prximos, ou seja a quinze milhes de lguas, no oferece um disco sensvel, mas ainda 'o astro mais brilhante do cu. Os habitantes de Marte contemplam-nos no seu cu como a uma estrela resplandecente que lhes oferece aspectos semelhantes aos que a ns nos oferece Vnus; somos para eles a estrela da . tarde e da manh, e talvez a sua mitologia nos levante altares. Quando cheguei a este mundo, era meio-dia no meridiano central do planeta. Vi duas pequenas luas, que giravam rapidamente no seu cu, e detive-me na ladeira de um monte, donde se descobria o mar. As ondas aoitavam as ribas a meus ps, e aquele panorama fez-me lembrar o que se contemplava do alto do observatrio de Niza. Era efetivamente um mediterrneo, cujas guas tranqilas eram coloridas de um azul esverdeado e um tanto sombrio. Ao primeiro relance pareceu que via bosques de laranjeiras, cujo fruto doirado brilhava aos resplendores do Sol, mas aqueles vegetais so desconhecidos da Terra e apenas se parecem com as nossas laranjeiras. Via ao longe e sobre o mar navios movidos por propulsores invisveis, e cuja fora motriz era, sem duvida alguma, a eletricidade. Vagueavam na atmosfera bales que tinham a forma de aves-peixe, e no tardei a saber que os moradores daquele planeta tinham recebido, pela lei da evoluo natural o invejvel privilegio de voar no espao. A densidade dos seres e dos objetos , em Marte, muito menor do que no nosso mundo. A engenharia chegou, ha sculos, a uma grande estado de perfeio. Tem-se realizado trabalhos gigantescos, incomparavelmente superiores a quanto se tem feito durante o nosso sculo, no nosso planeta - trabalhos imensos, de que os astrnomos da Terra comeam a dar conta com as suas observaes telescpicas. Alem disso, explica-se muito facilmente que este mundo esteja mais adiantado do que o nosso, visto que muito mais antigo, e, no sendo maior do que a Terra, tem arrefecido mais depressa e percorrido com maior atividade as fases do seu desenvolvimento orgnico. Os seus anos so maiores do que os nossos, o que uma vantagem. As suas condies de habitabilidade, as suas estaes, os seus climas, a sua meteorologia, os seus dias e as suas noites so iguais aos que ha entre ns. Disto se originam os seus continentes, os seus mares, as suas praias, a sua geografia, os seus belos polares que se fundem na primavera, as suas nuvens em geral muito ligeiras, ainda que densas nas regies polares, as suas brumas da manh, e, principalmente, as da tarde, e at as modificaes ocasionadas pelas estaes, as inundaes s vezes muito extensas, as linhas de gua continentais largas e compridas em forma de canais, que, sob certas condies meteorolgicas, verdadeiramente estranha, parecem desdobrar-se; de tudo isto se originam, dizamos, em uma palavra, todas as manifestaes de uma atividade mais considervel do que a oferecida pela nossa vida terrestre. No me detive em Marte seno o tempo suficiente para formar uma idia geral da vida que anima aquele mundo, e, uns instantes depois, vi-me transportado para Saturno. III A trezentos milhes de lguas A concepo do tempo, a apreciao da sua passagem, so essencialmente relativas situao do nosso esprito. Se nos entregamos a um sono intenso, por espao de sete ou oito horas, esse tempo ter intercalado na nossa vida uma lacuna cuja impresso no deixar no nosso pensamento vestgios muito perceptveis. Os mineiros que, por um desmoronamento interior vivem encerrados cinco ou seis dias, julgam sempre que tm estado separados do mundo umas vinte horas apenas. Sepultados na tera-feira, julgam ter sido salvo na quarta. Em um sonho de alguns segundos pode viver-se muito tempo. Um dia atravessando uma floresta, o cavalo caiu-me em um barranco. A queda no durou trs segundos; mas, durante esse breve espao vi, pelo menos, e em todos os pormenores, dez anos da minha vida. No notamos, quando se espera, que longos so os minutos? Estando a rbita anual da Terra em redor do Sol a uma distancia de 37 milhes de lguas e a de Saturno a uma distancia de 355, medeiam 318 milhes de lguas entre as duas rbitas. A luz gasta 70 minutos para transpor este espao. Eu identifiquei-me com essa distancia, e, com a rapidez da transmisso da luz, vi passar de um modo bem distinto no meu pensamento os 4:240 segundos necessrios para percorrer esse caminho razo de 75:000 lguas por segundo. Apesar disto, estou certo de que no gastei realmente todo esse tempo na minha viagem a Saturno, pois que, tinha soado a primeira badalada das dez no velho relgio, quando esqueci Marte para fixar os meus olhos em Saturno, e j tinha chegado a este planeta quando acabaram de dar as dez. Parei no oitavo satlite, do qual se pode apreciar facilmente a grandeza do sistema saturniano. O enorme planeta, cujo dimetro excede em nove vezes e meia a do nosso globo, cuja superfcie igual de 80 Terras reunidas, cujo volume equivale a 675 vezes o do nosso planeta, est rodeado por gigantescos armeis cujo dimetro total mede 71.000 lguas. Gira cingido por esse mltiplo anel, no centro de um cortejo de oito mundos, que circulam em volta dele e em um sistema cujo raio alcana 991.000 lguas. Este sistema constitui, por si s, um universo maior do que o dos antigos. At era da verdade, nascida pelas conquistas da astronomia, nenhum homem da Terra, nenhum poeta, nenhum sbio, nenhum pensador havia conjeturado a grandeza real das propores com que est construdo o universo. Que pequena nos parece a Terra, vista do sistema de Saturno ! Apenas se v brilhar, de quando em quando, de seis em seis meses, ao anoitecer, quando o Sol se oculta j, ou de manh, antes do astro radioso brilhar. Produz incomparavelmente muito menos efeito do que os menores satlites daquele mundo. Um destes satlites, chamado Titan, superior em volume aos planetas Marte e Mercrio, e o seu dimetro maior do que metade do da Terra. Vistos de perto, da oitava lua, sobre a qual fui transportado, oferecem o aspecto de luas enormes girando no cu com diferentes velocidades e com fases diversas, segundo o angulo que formam com o Sol, o que d origem aos mais pitorescos efeitos. Durante a noite, Saturno est iluminado pelo resplendor dos armeis, ao qual se junta o das varias luas, visto que algumas delas esto sempre acima do seu horizonte. Ao contemplar este extraordinrio sistema, que abrange dois milhes de lguas de dimetro, ao admirar esta surpreendente reunio de nove mundos, dos quais muitos so habitados, pensei na iluso em que geralmente vivem os habitantes da Terra, ao imaginarem que esta representa toda a obra da criao. Julgam compreender a origem e o fim de todas as coisas, no conhecendo mais do que a sua prpria casa, e sem sequer lanarem a vista em redor, para ver que no esto ss no universo. Nisto parecem-se com um pardal, que pretendesse contar a historia de Paris pelos acontecimentos passados durante uma estao em volta do seu ninho, ou a um doutor que, arrancando uma folha de um grande livro, assegurasse que ficava perfeitamente inteirado da obra com a leitura de um fragmento mnimo. Quando tive de fazer os maiores esforos para distinguir a Terra aquela distancia, e a descobri perdida como se fora um tomo, compreendi facilmente a razo por que nenhuma concepo religiosa ou filosfica, ainda entre as mais avanadas e mais puras, tem dado aos moradores deste globo a soluo do problema acerca dos nossos destinos, e porque devemos pedir esta soluo astronomia, a umes cincia que nos faz conhecer o lugar que ocupamos na Terra e nesse Universo que desenvolve diante dos nossos olhos os horizontes do infinito e as perspectivas da eternidade. Mas pensei ao mesmo tempo em que por grande e maravilhoso que fosse o mundo de Saturno, no estava ainda suficientemente afastado da Terra para nos emanciparmos de um certo patriotismo local, e que ainda, sem sair das fronteiras do nosso sistema solar, podamos encontrar outras estaes celestes, mais independentes ainda daquele em que vivemos. Fixei a minha ateno no planeta Netuno, que gravita a uma distancia de mil milhes de lguas do Sol, e gira em uma rbita imensa para cujo percurso necessita de 164 anos e rapidamente me vi transportado a esse mundo. IV A mil milhes de lguas da Terra Nas profundidades do espao, a uma distancia do Sol trinta vezes maior do que a que nos separa do astro central, sob um raio de calor e de luz solar 900 vezes mais fraco do que aquele por onde vagueia o nosso mundo, encontra-se o neptuniano em condies de vida bem diferentes das que regem a nossa esfera. Os naturalistas mopes, que ainda dizem com frase ridcula que os abismos do Oceano esto condenados a uma esterilidade perpetua, porque as suas condies de luz e de presso diferem absolutamente das da sua superfcie, receberam da natureza o mais rude desmentido que pode infligir-se cincia pedante dos que pretendem ser infalvel. Esse desmentido to formal e absoluto to os corrigiu ainda, pois no falta quem diga que a vida no pode existir seno em mundos idnticos ao que ns habitamos. Este o mesmo raciocnio do peixe, que afirma que no pode viver fora da gua. Deixemos esses doutores com as suas iluses e prossigamos na nossa viagem. A astronomia deve ser a grande mestra da filosofia. O longnquo mundo de Netuno, no qual um ano quase igual a 165 dos nossos, e em que dez anos representam o espao que nos separa da dominao romana ( preciso notar que ha 1650 anos os romanos imperavam na Lutecia e na Glia e que ningum ento podia divisar a Frana de hoje nem as atuais naes o longnquo mundo de Netuno parece criado para nos obrigar a engrandecer as nossas concepes, to pessoais e to terrestres, principalmente no que se refere medio do tempo. O calendrio deste planeta to exato e preciso como o nosso, e um ano netuniano no maior para os seres reflexivos e vagarosos que habitam aquele mundo, do que o anuo terrestre vivido pelos que formigam ativos e pressurosos nas nossas cidades agitadas. Isto : um mancebo de vinte anos, morador em Netuno, tem vivido 3.300 dos nossos anos, sem pensar que este tempo seja classificado de muito longo entre ns e que este ciclo nos traslada poca de Homero ou aos fastos da Grcia antiga. Seria impossvel descobrir na mais hbil anlise um ponto de comparao entre os seres que vivem no mundo de Netuno e os que conhecemos na Terra. Nenhuma das nossas espcies, seja do reino animal, apesar de muito vasto e variado, seja do reino vegetal, lhe pode ser aplicada. E outro mundo absolutamente diferente do nosso. Os organismos, que vivem na superfcie dos diferentes mundos que vagueiam no espao, so a resultante das foras em atividade sobre cada um desses mundos. A forma humana terrestre encontra a sua origem nas formas antigas da extensa serie animal, donde saiu gradualmente e da qual uma elevada emancipao, e essas formas amimais aproximam-se por laos ininterruptos at nos organismos rudimentares, desprovidos desses sentidos que hoje so a gloria do homem e pelos quais a vida inaugurou as suas manifestaes; organismos certamente bem rudimentares, aos quais se vacina em adjudicar o titulam de seres viventes, que no se lhes pode chamar amimais nem vegetais, que no so ainda nem uma coisa nem outra e que se nos apresentam no estado de substancias orgnicas, j diferentes do reino inorgnico, mas que, apesar disso, no so mais do que simples combinaes qumicas, trazendo em si mesmas certa vitalidade confusa, protoplasma elementar, grmen de todos os desenvolvimentos futuros da vida terrestre, animal e vegetal. Os primeiros seres organizados formaram-se no seio das guas, que cobriam completamente a superfcie do globo na origem dos perodos geolgicos. A sua natureza qumica, as suas propriedades, os seus atributos, eram j a resultante da composio qumica dessas guas, da densidade, da Temperatura do meio ambiente; as variaes desse meio ambiente e as condies de existncia trouxeram variaes correlativas nos desenvolvimentos desta arvore genealgica, e segundo os organismos habitavam as regies profundas, mdias ou superficiais das guas, as praias, as plancies fundas e baixas, as encostas banhadas pelo Sol, a arvore genealgica desenvolveu-se dando luz a numerosos e variados organismos. A humanidade terrestre atual a ultima flor, o ultimo fruto desta arvore. Mas, toda esta vida terrestre, desde a raiz at coma e em cada mundo a arvore diferente. A vida neptuniana em Netuno, uraniana em Urano, saturniana em Saturno, siriana no sistema de Srio, arthuriana no de Arthur; isto , cada uma apropriada regio em que se desenvolve, ou, para melhor dizer, cada mundo a produz e desenvolve conforme o seu estado fsico e segundo uma lei primordial a que obedece o Universo inteiro: a lei do progresso. Esta imensa sinfonia da vida, apropriada a cada mundo, segundo as condies de espao e de tempo, desenvolve-se como se fosse um coro universal em mundos separados uns dos outros por desertos de espaos e eternidades de tempo. Parece-nos interrompida, porque s podemos ouvir delia uma nota; mas, na realidade, e falando em absoluto, nem o tempo nem o espao existem. Jpiter no ser habitado por seres pensantes, seno milhes de anos depois da Terra. Sob este ponto de vista do absoluto, esta diferena na poca no maior do que a jornada que entre ns separa o hoje do amanh. Tudo isto passa, realiza-se, cumpre-se, naturalmente e como se Deus no existisse. E com efeito: o ser, a quem os habitantes da Terra terem chamado Deus, no existe. O Buda dos chineses, o Osris dos egpcios, o Jeov dos hebreus, o Jpiter dos gregos, o Deus Pai e o Deus Filho dos cristos, so concepes humanas, personificaes criadas pelo homem e nas quais tem encarnado as suas mais altas aspiraes, as suas mais sublimes virtudes e tambm as suas prevaricaes e os seus vcios mais perversos. Em nome desse suposto Deus, os reis e os papas tm, em todos os sculos e em todas as regies, embrutecido a humanidade, em uma escravido, da qual est longe de estar emancipada. Em nome desse Deus, ha quem proteja a Inglaterra, quem proteja a Alemanha, quem proteja a Itlia, quem proteja a Frana, quem proteja a diviso e todas as barbaridades; em nome desse Deus, e, nos nossos dias, os povos que se dizem civilizados esto perpetuamente armados uns contra os outros e excita-se, como se fossem ces raivosos, a que se precipitem em uma luta em que a hipocrisia e a mentira, sentadas nos degraus do trono, fazem reinar o Deus dos exrcitos, que abenoa as baionetas e mergulha as mos no sangue fumegante das vitimas, para marcar com ele a fronte coroada dos potentados. Em nome desse Deus, os papas atiraram para a fogueira Joana d'Arc, Giordano Bruno, Estevarn Dolet, Joo Huss e tantas outras vitimas hericas; em seu nome condenaram Galileu e abenoaram a matana de Saint Bartolomeu com ele, os estandartes de reforma cobriram toda a Europa; os reis do povo de Deus no cessaram de verter sangue humano. Gengiscan e Tamerlan assinalaram o caminho das suas conquistas com pirmides de cabeas. E a este Deus que ainda se erguem altares e se canta Te-Deum. Symbolo da opresso dos povos, do assassnio e da pilhagem, este ser infame no existe nem existiu nunca. Surpreende, certamente, que o homem, ser grosseiro e selvagem, vivendo na barbrie, envolto ainda na concha da ignorncia primitiva, incapaz de conhecer at o seu prprio corpo, tendo apenas comeado a folhear o grande livro do Universo, ousasse, com a maior boa f, inventar Deus. No conhece o formigueiro em que vive e tem a preenso de descobrir o inconcebvel ! Em uma poca, em que no se sabia absolutamente nada, em que a astronomia, a fsica, a qumica, a historia natural, e a antropologia, no tinham ainda nascido; em que o esprito dbil, soltando apenas o primeiro vagido, estava cercado do erro e da iluso - a audcia humana concebeu religies pretendidamente reveladas e colocou deuses sobre as suas cabeas. Que Confcio, Buda, Moiss, Jesus ou Maom, tenham sonhado em dar aos homens um cdigo moral destinado a emancip-los da barbrie e a elevar at ao ideal do bem, isso deve merecer o agradecimento e a admirao de quantos se interessam pelo progresso moral e intelectual da humanidade. Que os fundadores e organizadores de cultos religiosos tenham colocado sua frente um ser ideal invulnervel, em nome do qual pretendam governar, isto, debaixo do ponto de vista social, pode constituir uma boa obra, mas cujo trabalho no passa alem dos limites da ordem social e no tem outro fim seno o interesse geral dos homens e das sociedades. Mas que os deuses, inventados pelos homens, tenham sido considerados como existindo realmente em um cu absolutamente imaginrio e destrudo com as primeiras conquistas astronmicas, e que tenham sido e sejam adorados por uma parte do gnero humano, e que, mesmo na nossa poca os chefes de Estado faam poltica em nome do direito divino, mostrem o dedo de Deus impresso nas chagas mais repugnantes e monstruosas do corpo social ou adornem com a imagem de uma providencia local os seus pendes guerreiros, como no tempo de Joana d'Arc, de Constantino ou de David, - um anacronismo chocante, um misto de credulidade e impostura, de hipocrisia e de torpeza, indigno da poca de estudo leal e positivo que atravessamos e que far com que o homem independente despreze os funcionrios que vivem a expensas de tal sistema. As indagaes sobre a natureza - no digo sobre Deus, o que seria uma pretenso absurda e apenas digna de um telogo - sobre o Ser absoluto, sobre a origem da energia que sustenta, anima e rege o Universo, sobre a fora que atua geral e perpetuamente atravs do infinito e da eternidade, e que origina as aparncias que nos ferem os olhos e so estudadas pelas cincias; estas indagaes no podiam empreender-se nem ser legitimamente concebidas antes das descobertas da astronomia e da fsica modernas, ou seja, antes das investigaes de Galileu, de Kleper e de Newton. No ha mais de dois sculos que a idia religiosa pura, emancipada das idolatrias de todas as ordens, dos erros e das supersties ocasionados pela ignorncia primitiva; no ha mais de dois sculos, repetimos, que essa idia surgiu da evoluo cientifica moderna. Todas as religies de hoje foram fundadas em pocas de ignorncia quando nada se sabia nem do cu nem da Terra. A verdadeira religio, isto , a unio dos espritos livres na indagao da verdade, no poder ser seno obra de uma poca tal como a nossa, na qual alguns espritos fortes e desinteressados terem repelido a hipocrisia das falsas doutrinas, sem por esse fato carem no atesmos pueril da gente ignorante, que s v as coisas superficialmente. Esses homens aplicaram sincera e livremente os diversos ramos das cincias, em busca da constituio intima do Universo e do ser humano. O futuro nos ir instruindo. Atualmente, sabemos pouco; apenas comeamos a apreender. O que tiver feito muitas viagens em volta do globo, que tenha visitado a Europa, a sia, a frica e a Amrica, raciocina sob o ponto de vista da historia e do estado da humanidade, de um modo mais desafogado do que aquele que no tenha sado da sua aldeia. Entre as idias mesquinhas, falsas, ilusrias, incompletas, deste ultimo, e as apreciaes gerais, justas, racionais e exatas do primeiro, ha a diferena que vai da noite para o dia. Estando a mil milhes de lguas da Terra, o juzo que podemos emitir sobre as obras dos homens muito diferente daquele com que estamos aqui satisfeitos. Contemplamos o sistema solar em toda a sua grandeza; reconhecemos a exigidade do nosso minsculo planeta, sob o ponto de vista do espao que ocupa e do tempo medido pelo seu movimento anual, to veloz em redor do Sol, e temos a conscincia de que as apreciaes terrestres devem ser acanhadas e vulgares, encerradas no horizonte de uma aldeia. E eis porque nos encontramos em situao de julgar, com mais liberdade, independncia e integridade, a grandeza da criao. Mas, apesar de muito afastado do globo terrestre, Netuno pertence ao mesmo sistema de mundos, e forma conosco parte da grande famlia do Sol. Outros planetas ainda desconhecidos dos astrnomos, gravitam para alem de Netuno, a uma distancia 48 vezes maior do que a que separa a Terra do Sol, ou seja, a um bilho e setecentos milhes de lguas, descrevendo uma rbita imensa, para cujo percurso precisam de 330 anos. A viagem celeste, cujas perspectivas estou resumindo, arrastou-me para fora das regies exteriores do domnio solar. Uma vez no infinito, alcancei outro sistema, penetrando no domnio csmico de uma estrela. V A oito mil bilhes de lguas Cada estrela um sol, resplandecendo com a sua luz prpria. O sol que nos ilumina 1.284.000 vezes maior do que a Terra e 324.000 vezes mais pesado. As dimenses e as massas das estrelas so anlogas. Grande numero deltas so muito mais volumosas e a sua massa so ainda mais considervel. A qualquer estrela que nos dirijamos, dirigimo-nos a um sol, a uma deslumbrante fornalha. Esses inumerveis centros de luz, de calor, de eletricidade, de atrao, reduzisse para ns a um tamanho mnimo, a simples pontos luminosos em conseqncia dos imensos abismos que deles nos separam. O sol mais prximo, a estrela mais vizinha brilha a 222.000 vezes a distancia que nos separa do Sol, isto , a oito mil bilhes de lguas. Viajando em um comboio expresso lanado no espao, correndo com uma velocidade de 60 quilmetro hora, e caminhando em linha reta at estrela mais prxima, sem paragem alguma, gastaramos nessa viagem 60 milhes de anos. Viajando com a rapidez de um dos mais velozes projeteis que os mais engenhosos homicidas tenham inventado, ou seja, com uma velocidade de 680 metros por segundo, gastaramos um milho e meio de anos para transpor essa distancia. Se a estrela explodisse, e se o rudo ocasionado pela catstrofe, pudesse ser-nos transmitido com a rapidez com que o ar transmite o som, no ouviramos a exploso seno trs milhares de anos depois delia se ter produzido. Veramos ainda cintilar tranqilamente a estrela no cu, por espao de trs anos e seis meses, depois da catstrofe que a tivesse extinguido, porque a luz transmite-se no espao com uma velocidade de trezentos mil quilmetro, ou setenta e cinco mil lguas por segundo, e teria que andar com esta velocidade durante trs anos e seis meses para chegar at ns. Visto a tal distancia, o nosso brilhante Sol fica reduzido a uma simples estrela. Os mundos, que gravitam em redor dele, Terra, Vnus, Marte, Jpiter, Saturno e os seus irmos na famlia solar, parece-nos que esto junta dele pela perspectiva da distancia. Apreciadas no conjunto sideral, estas provncias do reino solar so reputadas insignificantes pelo esprito mais otimista. Se no existissem, os sois do infinito no deixariam por isso de irradiar os seus esplendores de luz e de vida. O nosso mundo, que parece to grande, converte-se em um ponto microscpico imperceptvel para os nossos sentidos, e a sua historia escutada de to longe como que o vo de um mosquito. Senti-me transportado ao sistema de uma estrela, a mais prxima daquelas cuja distancia se tem medido e que pertence constelao do Centauro; a estrela Alfa, dessa constelao. Este sistema mais curioso e mais interessante do que o nosso. Em vez de um sol nico, semelhante ao que nos alumia, vem-se ali dois sois gmeos, que giram em torno do outro, em um perodo igual a 84 dos nossos anos, e separados por uma distancia de 323 milhes de lguas. Estes sois gmeos distinguem-se pelo seu brilho extraordinrio - vistos da Terra pertencem primeira e segunda grandeza - e por um foco de luz muito superior ao Sol do nosso sistema. Em redor deles vem-se planetas, que giram sob as suas azas protetoras, iluminados por dois sois diferentes, ora reunidos em um mesmo cu, ora separadas, variando de brilho e de tamanho, segundo as distancias originadas pelas revolues desses mundos em volta dos seus centros respectivos. As suas condies de existncia so bem diferentes das que regem os destinos da Terra e dos planetas do nosso grupo. Dois sois ! Que estranha variedade nas estaes! Que variante nos seus climas ! Que transformaes na sua rpida vitalidade ! Que complicao no calendrio, na sucesso dos anos, dos estios, dos invernos, dos dias e das noites ! Quanto o simples fato da existncia de tal sistema, relativamente vizinho do nosso mundo e conhecido dos astrnomos, no demonstra a favor da variedade infinita espargida na imensidade estrelada do Cosmos ! Que multiplicidade de manifestaes das varias foras da natureza deve ter-se produzido no seio desta riqueza de energias solares ! Manifestaes estranhas aos fenmenos estudados sobre o nosso planeta, e que so, certamente, apercebidos e apreciados por sentidos diferentes dos que existem nos organismos terrestres, e que despertaram, funcionam e se desenvolvem naqueles mundos longnquos. Em planetas iluminados, regidos e aquecidos por dois sois, a vida no deve ter podido brotar nem organizar-se seno com forma bastante diferentes das terrestres, gozando, certamente, de uma dupla vida, servida por outros sistemas de percepo, por outros rgos e por outros sentidos. O estado da vida terrestre no pode ser classificado pelo astrnomo, pelo pensador, pelo filosofo, como sendo o tipo da vida universal. Tudo o que pudermos averiguar, estudar, conhecer acerca da Terra no ser mais do que uma parte infinitesimal da realidade mensa espalhada nas inumeras criaes do infinito. Ha, porem, um ponto capital sobre que se torna indispensvel insistir antes de continuar as nossas investigaes. Seja qual for variedade dos sistemas solares, seja qual for diferena dos seus volumes, temperaturas, densidades, eletricidades. calricos, movimentos, constituies quimicas ou fsica, etc., etc., nos vrios globos que povoam a imensidade do Universo, todos estes mundos esto ligados por um mesmo poder invisvel e impondervel que os une em uma rede de uma sensibilidade extrema. A extenso prodigiosa das distancias que separam estes sistemas, no impede que se sintam uns aos outros como se estivessem unidos por laos materiais. A distancia da Terra Lua de 96:000 lguas; a Lua est constantemente atuando sobre as molculas do nosso globo, e cada um de ns, quando este planeta brilha no Zenith, pesa um pouco menos do que quando ela transpe o horizonte. A distancia do Sol Terra de 37 milhes de lguas; o Sol faz caminhar o nosso planeta com uma energia correspondente a esta distncia, e a Terra, por sua vez, desloca o Sol no cu. A distancia que medeia entre o Sole Netuno passa de mil milhes de lguas; o astro central acau sobre esse mundo longnquo, obriga-o a girar em torno do seu centro comum de gravidade, situado a 230 quilmetro do centro solar. Jpiter desloca o Sol a 333.000 quilmetro, e Saturno a 400.000. A Lua desloca a Terra; Jpiter, por sua vez, influi sobre a Terra, esta sabre Vnus, e assim sucessivamente com os demais astros. Em virtude desta influencia recproca, que os corpos celestes exercem uns sobre os outros, no ha um ponto no Universo que possa, nem um s instante, permanecer em repouso, e nenhum astro pode voltar novamente ao lugar ocupado anteriormente. Tudo o que se chama matria uma vibrao perptua sujeita ao irresistvel poder de uma fora invisvel, intangvel e impondervel. E este um fato capital, cuja noo importa muito concepo que podemos formar sobre a natureza real do Universo. Dissemos j que a distancia, que separa o nosso Sol do sol Alfa do Centauro, de oito milhes de lguas. Pois bem : esta distancia transposta pela atrao. Na realidade, estes astros no esto completamente separados. Conhecem-se, experimentam a sua recproca atrao, como sucede com todos os sois que brilham no espao. Todos eles vagueiam : o nosso Sol com uma velocidade de 74 milhes de lguas por armo, o Alfa do Centauro com a de 150 milhes. Os demais sois, cuja distancia e marcha nos so conhecidas, no andam com menos velocidade no espao infinito. O nosso Sol e os seus semelhantes so projetados no espao por uma fora invisvel, a qual no outra mais do que a atrao combinada dos inmeros sois que povoam o Universo. Quer esta fora de atrao seja uma propriedade inerente a cada tomo da matria, quer estes tomos tericos, aos quais se reduz aparncia sensvel da matria para a explicao dos fenmenos observados, sejam centros de fora, pontos matemticos da concentrao, ns, cruzamentos nas ondulaes e vibraes do ter, o certo que o dominante na contemplao analtica do Universo, que os inmeros mundos de que o espao est povoado no se encontram isolados uns dos outros, mas reunidos por uma comunicaro indestrutvel e eterna. Isto constitui um fato capital. Este gnero de comunicaro entre os mundos no pode ser mais bem definido do que com a palavra atrao. A atrao , pois, a lei suprema entre os mundos, entre os tomos, entre os seres. As estrelas que gravitam nas profundidades da imensidade, a Terra que circula no raio solar, a Lua que determina as mars na superfcie do Oceano, as molculas da pedra ou do ferro que aderem entre si em virtude da atrao molecular, a planta que lana as suas razes no solo donde se nutre ou que ergue o seu caule em procura de luz, a flor que vai abrir as suas ptalas ao Sol, a ave que voa de ramo em ramo procurando o seu ninho, o rouxinol que com os seus incomparveis trinados torna encantadores e plcidos os doces mistrios da noite, o homem cujo corao palpita ou se detm ao ver um ente amado, ao ouvir a sua voz, ao recordar a sua imagem;todos esses seres, todas essas coisas, obedecem mesma lei, atrao universal, que, sob diversas formas, rege a natureza e a conduz... Para onde ? Para outra atrao, para a atrao do desconhecido ! Em meio da ignorncia do absoluto em que vivemos, apesar de todas as tentativas da cincia, to multplices, to enrgicas e to constantes, a existncia de semelhante fora, reunindo todos os mundos, deve ser apreciada no que vale. Assim, pois, no o esqueamos : a atrao que comunica entre si todos os mundos do Universo. VI A cem milhes de bilhes de lguas Continuando a minha viagem celeste, deixei o sistema do sol Alfa do Centauro para me lanar entre as profundidades estreladas do Cruzeiro do Sul. Atravessei espaos radiantes de luz e desertos onde reinava a escurido da noite, indo de sol em sol, de sistema em sistema, vendo fugir, em volta de mim, as estrelas que por um instante me deslumbravam, para logo se perderem na imensidade das trevas. O estado normal do Universo noite e o silencio. No ha luz seno em redor dos sois e dos mundos; no ha rudo seno perto deles, nas suas atmosferas. Costeando grupos estelares, vi terras enormes girando em uma luz estranha para ns, e de vez em quando me pareceu sentir choques eltricos, estremecimentos magnticos, certas sensaes indefinveis, que me produziam mal estar, advertindo-me de que essas esferas no eram habitveis para ns, mas sim habitadas por organismos que em nada se parecem com os nossos. Lembro-me de que vi passar um grupo de mundos multicolores, iluminados por trs sois uma cor de rubi, outro esmeralda e outro azul safira. Estavam to singularmente iluminados por essa luz estranhas - estranhas para ns e muito natural para eles - que eu perguntei a mim prprio se era a impresso de um sonho ou se realmente podiam existir tais criaes, de que eu no devia duvidar, visto que. com o auxilio do telescpio, tinha observado centenrias de vezes esses grupos de sois coloridos e que os astrnomos ha muito conhecem. Detive-me, aproximei-me de um desses mundos, e encontrei-o habitado por seres que pareciam tecidos de luz, e ante cujos olhos os habitantes do nosso planeta pareceriam to sombrios, pesados e grosseiros, que perguntariam a si prprios se realmente vivemos e se nos sentimos viver. Aqueles astros so povoados de organismos areos, cujo brilho eclipsa o das nossas rosas mais frescas e o dos nossos lrios mais puros. Estes seres vivem da atmosfera que respiram, sem se verem condenados, como nos sucede a ns, a matar perpetuamente animais para sustentar com eles o nosso corpo. A sua beleza, o seu brilho, a sua leveza, recordaram-me, por um singular contraste, as condies exigidas pela vida terrestre. Pensei que a fora bruta reina no nosso planeta como soberana; que milhes de seres viventes so sacrificados todos os dias para assegurar a nossa existncia; que as guerras so rima lei natural entre os animais, e que a humanidade est ainda to pouco emancipada da barbrie animal, que quase todos os povos continuam aceitando, como nos tempos primitivos, a escravatura e a servido. Convenci-me, ao achar-me to longe da Terra, da colossal inpcia dos seus habitantes. Os milhes de homens que povoam atualmente a Alemanha, e cito esta nao, de preferncia a qualquer outra, porque a mais disciplinada, a mais militar, a menos adiantada do que as suas vizinhas no sentimento da liberdade; os milhes de homens que povoam a Alemanha, dizamos, no se apercebem de que so escravos do militarismo, como se fossem sbditos de um rei da frica Central. Que seria dos chefes desse pais se no reinasse o militarismo? Nada. Incapazes de ganhar a sua subsistncia, existem pela humilde submisso daqueles que os mantem. Com frases de efeito, com as ocas e sonoras palavras de gloria e ptria, exploram esses milhes de escravos que, ao primeiro signal, se lanam com prazer na luta, na carnagem e na morte. Se repelissem essa escravido seriam livres, mas nem sequer lhes ocorre esta idia. E, para se garantir contra o banditismo organizado por um centenar de celerados que exploram a ignorncia do homem, a Europa inteira sustenta exrcitos permanentes, rouba os braos ao trabalho fecundo e til, e lana todas as suas foras, todos os seus recursos, em um abismo sem fundo. E est feliz e orgulhosa assim, vendo nisto um titulo de gloria! Faz admirar s crenas, quando sabem da adolescncia, as maravilhas do patriotismo militar, e todos os cidados, em todos os povos, so educados no dio aos seus vizinhos. Que humanidade to inteligente ! Que planeta o nosso! Vista a tal distancia, que brbara me pareceu poltica terrestre! Mas, pensando nela durante algum tempo, lembrei-me de que a lei da evoluo tudo transforma rapidamente. Talvez seja til ao progresso - pensava eu - que a Europa se precipite cega no abismo. Ela representa na Terra o velho mundo, com a sua antiga servido e com as suas preocupaes de castas. A sustentao do militarismo produzir a sua runa em curto prazo, no mundo americano se emana liberdade. Tudo tende desejamos nenhum dessocial; ela est bastante si mesma. Afinal, isto dos fazerem consistir a sua quanto que o novo grandecer na paz e para o melhor. No arranjo na mquina velha para parar por habitantes da Terra felicidade e a sua gloria nas matanas internacionais, um sentimento corno qualquer outro. Cada arvore d o seu fruto. As tartarugas e os ursos nunca invejaram as azas da andorinha nem o canto da cotovia. A gloria dos Alexandre, dos Cesares, de Carlos Magno, de Tamerlan, de Napoleo e de Bismarck, pertencendo ordem dos instintos carnvoros, no dura mais tempo que uma orgia brutal, e alguns anos bastam para apagar a sua recordao na prpria historia do planeta. O valor dessa historia e at do planeta, em vo o procuro, porque a prpria Terra, distancia a que estou delia, tornou-se-me invisvel, e tambm no distingo o seu Sol nem nenhum dos seus resplendecestes vizinhos, tais como o Alfa do Centauro ou de Sirius, nem nenhuma das estrelas que se vem da Terra. .O espao onde gira a nossa ilha flutuante desvaneceu-se ha tempo, como se fosse um ponto insignificantes nas profundidades do imenso... Austerlitz, Waterloo, Sebastopol, Sadowa, Sedan! Agitaes microscpicas em um formigueiro liliputiano: brinquedos de crianas, famintas de sangue e de matana. Para que as censurai? Para que ter compaixo delas? Procedem como entendem e no ha que desviar disso. Os astrnomos so os nicos que no sabem compreender, de um modo claro, o valor que se quer dar palavra Ptria. * O sistema de sois, multplices e coloridos, cuja deslumbrada riqueza orgnica me inspirou estas consideraes acerca do mundo terrestre, existe no espao, a uma distancia doze mil e quinhentas vezes maior do que a que nos separa do Alfa do Centauro, ou seja a cem milhes de bilhes de lguas. A luz gasta mais de quarenta e trs mil anos a percorrer esta distancia. Contudo, esta distancia no muito extraordinria, astronomicamente falando. O astro mais brilhante do nosso cu, Sirius, transportado a esta distancia, estaria somente 3500 vezes mais longe do que est na realidade e dar-nos-ia dois milhes de vezes menos luz. Ainda seria um ponto perceptvel, graas aos novos processos fotogrficos; equivaleria a uma estrela microscpica de dcima oitava grandeza. Este limite sideral est muito longe de indicar o do Universo, que parece estender-se para alem das estrelas de vigsima grandeza, e que, segundo clculos engenhosos, encerra milhares de milhes de sois. E, com efeito, medida que caminhava na minha viagem celeste, franqueava novos abismos e descobria novas estrelas, que eram outros tantos sois brilhando nas trevas; umas eram simples, outras duplas, trplices, qudruplos, quntuplos, irradiando uma luz argntea ou doirada, ou ainda as mais variadas e vivas cores, deixando-me adivinhar a existncia de terras povoadas de humanidades desconhecidas e flutuando no seu raio imenso, para desaparecerem em seguida nas trevas da noite. Diversos movimentos as impeliam em todas as direes atravs do espao, semelhantes a esses globos luminosos que despedem fogos de artifcio, e tudo parecia desvanecer-se em uma chuva de estrelas. Quando cheguei aos limites do nosso Universo, os sois e os sistemas tornaram-se menos numerosos, e, como eu continuava caminhando, cheguei a um vcuo negro e deserto, donde apenas via o conjunto e a forma desse Universo, que me pareceu uma dessas grandes regies de estrelas que se observam nos campos telescpicos e que se faziam menores medida que eu me afastava nas profundidades do espao anterior. Ento, naquela noite infinita, apercebi por sobre mim outro universo que se desenhava no espao, semelhante a uma longnqua e plida nebulosa, e compreende que tudo o que vemos com os nossos olhos na noite mais escura e serena, e tudo o que podemos ver cora o telescpio, no representa no infinito mais do que uma regio local no Universo e que existem outros universos alm daquele em que o nosso Sol apenas uma estrela. VII No Infinito Aproximava-me deste segundo Universo, cujas dimenses aumentavam distinguindo se j como se fora um arquiplago de estrelas, e no tardei a chegar aos seus primeiros arrabaldes. Atravessando-o em toda a sua extenso, reconheci que era tambm formado por milhes e milhes de sois separados uns dos outros por milhes e milhes de lguas, e depois cheguei a outro deserto escuro, semelhante ao que tinha transposto para chegar a este segundo Universo. Continuando no meu vo, distingui um terceiro, que atravessei tambm. Sucedeu-se um quarto, e depois outra e outro e outro. E ao atravessar os desertos, que os separam, e em toda a parte em que fixava a vista, descobria sempre mundos novos. Ento, compreendi que todas as estrelas que se vem no cu, que os milhes e milhes de pontos luminosos que constituem a Via Lctea; que os corpos celestes, os sois de todos os tamanhos, todos os sistemas, todos os planetas, todos os satlites que por milhes e milhes se sucedem na imensidade e em redor de ns - que tudo o que a lngua humana tem querido indicar sob o nome de cu ou de Universo, no representa, no infinito, mais do que um arquiplago de ilhas celestes, e, no seu grande todo, uma cidade, uma aldeia mais ou menos importante. Nesta cidade daquele reino sem limites, nesta cidade de um pais sem fronteiras, o nosso Sol e o nosso sistema representam um ponta, uma casa em meio de milhares e milhes de outras casas anlogas. Ser o nosso sistema solar palcio ou cabana nesta cidade imensa? E', talvez, uma cabana. E a Terra? E um quarto na cidade solar, pobre vivenda to reduzida quanto modesta. Assim, na economia geral da natureza, o nosso mundo no tem mais importncia do que um humilde quarto em uma grande casa. tua casa, por sua vez, est perdida em uma cidade imensa, que, para ns, representa o Universo inteiro, e que no mais do que umas todas o universo, para alm do qual, e em direes, existem outros Universos. Que longe esto de tal realidade as pretenses humanas, tanto antigas como modernas, que imaginavam que o nosso mundo enchia o infinito, que Deus fez parar o Sol para iluminar um combate de Josu, de Carlos Magno ou de Carlos V, e que o grande Semeador de estrelas se fez antropomorfo para viver entre ns. Que simplicidade, a dos telogos sinceros! Quanta impostura nos chefes de Estado, bastante audazes para se investirem ainda com o titulo de representantes e mandatrios de Deus com que escravizam os povos ! Acaso, os verdadeiros ateus no so esses ignorantes ou embusteiros que fazem da mais sublime das idias o cmplice das suas fraquezas? Acaso, os verdadeiros ideistas no so esses sbios cuja nica ambio consiste em subir gloriosamente at s causas e aproximar-se gradualmente da Verdade? De que estranhos sistemas religiosos a humanidade terrestre no tem evoluido a sua imaginao infecunda ! O israelita que julga agradar a Deus praticando a circunciso ou comprando uma faca nova para estar certo de que no tocou em gordura de porco ; o cristo que imagina ter Deus descido sobre um altar, convencido pelos seus pregadores de que o jejum e as preces exercem influencia na meteorologia e na agricultura; o muulmano que v o paraso aberto, quando assassina com um punhal um missionrio; o fantico que se precipita debaixo das rodas do carro de Vaggenart ; o budista que permanece extasiado na contemplao do seu dolo e faz andar um moinho para resgatar os seus pecados - todos estes fazem do Ser desconhecido e incognoscvel a mais singular e a mais pueril das idias. Toda esta pequenez do esprito humano, est em relao com a pequenez que se tem dado concepo do Universo, at hoje julgado como se fosse uma espcie de estojo forrado com cravos de oiro e no meio do qual est guardada a Terra. Na verdade, mesmo que a astronomia no tivesse feito outra coisa mais do que engrandecer as nossas concepes gerais e mostrar-nos a relatividade das coisas terrestres no seio do absoluto ; se no tivesse feito outra coisa mais do que emancipar-nos da antiga escravido em que se encontrava o pensamento, tornando-nos livres perante a imensidade do infinito ; na verdade, ainda assim mereceria a nossa venerao e o nosso eterno agradecimento, pois, sem ela, no poderamos ainda raciocinar deste modo. Alguns conservadores, do passado, me objetaro, talvez, que em Frana, no prprio Observatrio de Paris, ha astrnomos que comungam, que rezam as contas e que levam crios nas procisses. Sim, isso no se pode negar; mas tal fenmeno psicolgico explica-se. Ou estes seres hbridos so sinceros ou no o so. Crem-se, de boa f, faltam lgica e esto em completo desacordo com a razo cientifica; neste caso no deve surpreender-nos a transao que fazem entre duas concepes que esto na mais absoluta contradio. Se fingirem crer, cultiva a hipocrisia, a astcia, o interesse pessoal, e este gnero de conscincia est de ha muito julgado pelos homens de bem. Estas anomalias e estas paragens, no caminho da verdade, no impedem o que a Astronomia tenha produzido de luz e de independncia nos espritos que a compreendem e que tem a franqueza e a coragem das suas opinies. Mas ao contar o meu sonho veneziano no me props entrar em polemica nem fazer uma dissertao estranha ao meu objetivo. Por isso, volto minha viagem sideral e a descrever a sua ultima fase. Tinha, pois, atravessado muitos Universos, parecidos com a nossa Via Lctea e separados uns dos outros pelos abismos do nada. O que mais me chamou a ateno ao contemplar foi-ver neles um grande numero de humanidades diferentes da nossa vivendo nas diversas regies do espao uma vida prpria e arrastadas cada uma ao seu destino pelo turbilho dos seus interesses especiais. Sim, enquanto os habitantes da Terra avaliam a criao conforme a sua pequenez, milhares de milhes de humanidades vivem em todos os graus da hierarquia intelectual, em sistemas solares que para eles constituem o centro da sua esfera de observao, e longe das quais ns estamos perdidos em um afastamento incomensurvel. Vi tambm mundos mortos. E preciso ter presente que toda a existncia caminha para a morte. Os seres no nascem seno para morrer. Os Mundos no atingem os seus perodos de vitalidade seno para depois do seu apogeu descerem e chegarem decadncia e morte. Os sois no se incendeiam seno para se extinguirem. A morte ser sempre a lei suprema, o resultado final. O matemtico pode calcular, hoje, aproximadamente, a poca em que o nosso Sol ficar sem luz e em que a Terra girar na noite eterna, semelhante a um cemitrio gelado. A historia inteira da Humanidade Universal atingir, por fim, o nada mais absoluto. Tempo vir em que at essas prprias rumas sero destrudas. Em resultado da tendncia de todas as energias para estabelecer um equilbrio em todo o Universo, chegar um dia em que a vida ter um fim, tanto na Terra como nos outros mundos. Se tudo nos parece que tende para a morte e para o no-ser, porque ignoramos o segredo da conservao da energia. Tal fim inadmissvel, porque os termos do problema levam, consigo prprios, a sua condenao. Admita-se, com efeito, que a fora e a matria no podem ser criadas nem destrudas, que existiram sempre, e, como conseqncia, que tem atuado eternamente. Sim, pois toda a irradiao dos sois no espao tem por ultimo resultado a sua extino, e, com ela, a da vida na superfcie dos planetas que formam o seu sistema. E como ha j toda uma eternidade que a energia tende a estabelecer um equilbrio estvel, no existiria j nenhum sol nem estrela alguma. Ora, bem: relativamente, no a uma durao eterna, mas somente a um perodo que tem a vida de um relmpago comparada com esta durao, por exemplo de um sextilho de anos 1.000.000.000. 000.000.000.000=(1) a vida da humanidade, de um planeta ou de um sol, dura muito pouco. Os gelogos falam de vinte milhes de anos na durao das pocas geolgicas desde a origem da vida sobre a Terra; os fsicos fixam em cinco milhes o numero de anos para a constituio do globo terrestre, isto , para passar do estado liquido ao slido, e os astrnomos do ao Sol uma idade de cem milhes de anos e no lhe concedem outro tanto de vida. Ainda que duplicssemos, triplicssemos, decuplicssemos estas cifras, no chegaramos milimilionesima parte de um sextillio de anos. Assim, pois, sem remontarmos a uma eternidade anterior, se efetivamente a energia dos sois no atingisse mais resultado final do que a sua extino, ns, nem coisa alguma do que existe, existiria. * (1) Esta cifra enorme. A Terra pesa 6:000 sextilies de quilogrammas. Cinco centimos postos a juros compostos, desde o nascimento de Jesus, teriam produzido 416 undeclies de francos. = 416.496.400.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000 - Fiz este pequeno calculo em 1884. A soma dobra em cada quatorze anos. Em 1873 deu-me 253 undecillies, e em 1880=342. O Universo no se formou todo de uma s pea na origem das coisas. Esta mesma origem no existe. Encontramos no espao sois de todas as idades. Uns antigos e outros modernos. Em alguns pontos vem-se beros, em outros tmulos. Se as primeiras criaes, formadas pela matria e pela energia, no se tivessem renovado, no haveria j Universo. Toda a energia primitiva, que incendiou os sois, estaria extinta. Assim como ao percorrer uma seiva encontramos arvores velhas e desarraigadas e arvores novas e rebentos, de igual maneira o viajante celeste encontra no espao mundos ha muito tempo mortos, terras agonizado, orbes em plena atividade e outros que comeam a viver. Tudo morre; mas tudo tambm ressuscita. * Entre os mundos, cheios de vitalidade, que vi atravs dos longnquos universos, notei um que parecia extraordinariamente notvel pela sua perfeio e progressos sociais. Apesar desse mundo estar quase a mais distancia do que a que pode conceber-se, nas profundidades do espao, a humanidade que nele vive no diferente da nossa, debaixo do ponto de vista fsico. Est dividida em dois sexos, e as formas orgnicas parecem-se um tanto s que distinguem a nossa raa. Mas o seu estado social muito superior ao nosso. Uma perfeita harmonia reina entre todos os membros daquela vasta famlia. Simples e modesto, cada um dos seus seres no alimenta mais que um desejo: o de elevar-se gradualmente no conhecimento das coisas e na perfeio moral. A atmosfera no completamente nutritiva e foroso comer para viver; mas apenas se comem vegetais e no se sacrifica animais nenhum. As funes da vida fsica realizam se em pouco tempo e vive-se intelectualmente. Em vez das rivalidades pessoais que se agitam no nosso mundo, ali vivesse entre o prazer e o estudo. No se inventou o dinheiro. No ha ricos nem pobres. Os frutos indispensveis alimentao, colhem-se ali em toda a parte. O vero perptuo, e os seres no andam vestidos, porque as formas corporais so sempre formosas e o artifcio nada tem que ocultar. No se envelhece. Quando se chega idade madura, adormece-se,e o corpo desagrega-se como se fosse uma nuvem que se tornasse invisvel pelas alteraes do estado das suas molculas. Nenhuma lei instituiu ali os laos do matrimonio. Ser impossvel contrair uma unio por interesse, visto que no ha castas nem fortunas. Ao amor apenas preside a eleio. E raro que o decorrer do tempo revele diferena de caracteres bastante para a escolha de outro companheiro; mas quando a divergncia manifesta, marido e mulher separam-se. So sempre amantes; nunca se casam. O desejo de variar de homem ou de mulher, mal se sente, porque, tendo-se escolhido um ao outro com toda a liberdade querem-se reciprocamente mais do que aos outros a quem no conhecem No existem fronteiras. A humanidade constituem uma s raa, uma s famlia. As comunicaes estabelecem-se em todo aquele globo com uma espcie de palavra que se transmite com a rapidez do raio. Um conselho de administrao, eleito por sufrgio universal, dirige tudo o que diz respeito instruo publica, s cincia, s artes e justia; mas esse sufrgio ilustrado e recai nos melhores espritos e nos mais instrudos. Facilmente se compreende que nunca se pensou em nomear um ministro da guerra. Guiando-se pela razo, o povo no precisa de tiranetes. No pode inventar-se ali o sentimento da ptria, visto que a humanidade no est separada por fronteiras. Tambm se no conhece a cincia chamada oficial. Nenhuma Sorbonne condenou a teoria do movimento, nem houve Academia que condenasse a doutrina da paz perptua. No ha ttulos nem condecoraes ; s se aprecia o valor intelectual e a moralidade pessoal. A palavra infalvel no existe Domina apenas uma nica religio : a religio da Astronomia. As suas faculdades, mais transcendentes do que as nossas; os seus sentidos, mais penetrantes e numerosos; os seus instrumentos de observao, mais poderosos do que os nossos; puseram ha muito tempo em comunicao com os mundos que os rodeiam, e sabem servir-se da atrao para ir de um mundo para o outro. Esclareceram o mistrio da unio entre a fora e a matria e sabem que existe uma unidade substancial. Na sua religio nunca falaram em Deus e nunca se atreveram a criar culto algum, porque tal puerilidade, ou tal orgulho, seria indigno do seu esprito. A sua religio consiste em crer na imortalidade pelo prprio conhecimento da natureza intima dos seres, pela sua tendncia a tornarem-se mais dignos e perfeitos, pelo estudo constante da criao, pelo amor de uns para com os outros e pelo sentimento da equidade e da justia. Consideram a razo como sendo a mais alta prerrogativa da raa humana e teria por insensato qualquer doutrinrio que imaginasse proibir o exerccio desta faculdade com um sistema religioso qualquer. Dali nunca se viu a Terra nem se suspeita da sua existncia. Pareceram-me absolutamente felizes, ainda que de uma sensibilidade nervosa um tanto exagerara. Passa a maior parte da sua vida entre os mais requintados prazeres. O seu mundo um den perptuo, que renasce constantemente. Do seio das flores brotam preciosismos perfumes; os bosques despedem aromas inebriante e a luz do dia ilumina paisagens maravilhosas. * Enquanto contemplava este deslumbrante espetculo, senti-me rodeado e como que penetrado de ondas sonoras que mergulhavam o meu esprito embriagado numa doce harmonia. Uma atrao celeste parecia levar-me sobre uma nuvem e fazer-me descer rapidamente at uma ilha onde se erguia um palcio de flores. Experimentei uma espcie de comoo eltrica e... encontrei-me sentado em uma grande poltrona, prximo da janela de um palcio veneziano. Uma gndola, transportando msicos, voltava do Lydo pelo grande canal, espargindo ao vento coros harmoniosos. A lua escondia-se por detrais das torres e Marte descia no horizonte. O velho relgio deu as doze da noite... - Deixei-me dormir- exclamei, vendo que durante duas horas tinha permanecido junto da janela. A Lua tinha percorrido durante este tempo 7.300 quilmetro, girando em redor de ns, e a prpria Terra tinha andado 212.000, girando em volta do Sol. Atrao dulcssima ! Tu guias os mundos atravs dos espaos: e talvez guies tambm as almas atravs do tempo! Formoso e estrelado cu! Descobrir-nos-s algum dia o enigma do grande mistrio? Em ti esperamos; s tu nos sabes ensinar, s tu desenrolas aos nossos olhos o panorama da Eternidade e do Infinito ! FIM O Universo interior Tive um sonho que no foi um sonho. Encontrei-me - ha uns cem milhes de anos observando um mundo e habitando um planeta situado entre as estrelas mais longnquas, em meio de um Universo sideral anlogo ao que hoje existe, apesar de no ser o mesmo, pois que o Universo que ento existia encontra-se atualmente destrudo e o Universo de hoje ainda no existia. Havia, como sucede na nossa poca, constelaes e estrelas; mas no eram as mesmas. Existiam sois, luas, terras habitadas, dias, noites, estaes, anos, sculos, seres, impresses, pensamentos e fatos; mas no eram iguais aos nossos. A Terra que habitamos no estava ainda formada. Os materiais que a compem flutuavam no espao em um estado de nebulosidade difusa, girando em redor do Sol e condensando-se lentamente. No havia nela nem gua, nem ar, nem terra, nem pedras, nem vegetais, nem animais, nem sequer os corpos que a qumica chama simples, o oxigeno, o hidrognio, o azote, o carbono, o ferro, o chumbo, o cobre, etc., etc. O gs que por meio das suas condensaes e transformaes ulteriores devia produzir substancias diversas, gasosas, liquidas ou slidas, que constituem atualmente a Terra e os seus habitantes, era um gs simples, homogneo, contendo no seio, crislida inconsciente, a possibilidade do futuro. Mas nenhum profeta teria adivinhado o que germinava nos seus mistrios. O nosso planeta era como qualquer dessas vagas nebulosas de gs que o telescpio descobre no fundo dos cus e que o espectroscpio analisa. Em meio daquelas estrelas flutuava a nebulosa solar em via de condensao. A humanidade, com toda a sua historia, cada um de ns com todas as suas energias, todos os seres terrestres estavam em grmen nesta nebulosa e nas suas foras; mas os seres e as coisas que conhecemos no deviam chegar existncia sem uma longa incubao de sculos. No lugar que a Terra devia ocupar, nada mais havia do que um gs flutuante. Nem sequer estava no espao em que hoje gira, pois que a Terra, os planetas e todo o sistema solar vem de longe e caminham rapidamente. * Na historia da criao, cem milhes de anos passam como se fossem um dia; apagam-se e desvanecem-se como se fossem um sonho fugitivo no seio da eternidade que tudo absorve. Apesar de ento no existir ainda o nosso planeta, havia, como ha hoje, estrelas, sois, sistemas e mundos habitados. As humanidades que povoavam estes mundos viviam a sua vida como ns vivemos a nossa. O grande trabalho daqueles seres oferecia um espetculo extraordinrio. Na indiferena ou na paixo, no prazer ou na dor, no riso ou nas lagrimas, viviam, repeliam-se, combatiam-se, esqueciam, arrastados por um torvelinho brutal; nasciam, morriam, sucedem-se cegamente atravs das geraes e dos sculos, ignorando a causa da sua origem e a sorte futura dos mundos e das almas, joguetes da natureza que impele os orbes e os seus habitantes, estrelas e tomos, sculos e minutos, semelhantes a essas esferas de sabo que as crianas fazem flutuam no ar e precipitando-se todos para a morte semelhana dos turbilhes de areia que o vento do deserto impele e que o furaco arrasta por toda parte. Era o mesmo espetculo que hoje nos oferecem a Terra multides vivas combatendo pela vida e terminando com a morte. O que deve chamar a ateno nesse espetculo retrospectivo que a Terra ento no existia. Nenhum dos seres humanos, que atualmente vivem, e vivero no futuro, tinha nascido. Do que atualmente existe, nada se via. E, contudo, os que viviam nesses mundos, essas humanidades tinham a sua historia, cidades florescentes, campos cultivados, organizaes sociais, guerras e batalhas, leis e tribunais, cincia e artes, crticos, historiadores, economistas, polticos, telogos e literatos, esforando-se por discernir o verdadeiro do falso e escrevendo conscienciosamente o que eles tambm chamavam historia universal. Para que a criao tinha j comeado tambm em um Lugar e poca determinados; o resto do Universo no lhes era conhecido. No julgavam que antes deles tivesse existido j uma eternidade e que depois deles outra eternidade seguiria o seu curso. Existiam sbios e ignorantes, ricos e pobres, opulentos e miserveis, religiosos e cepticos; viviam como se nunca tivessem de morrer. Uns amontoavam sem perder um minuto uma fortuna que seus filhos depois dissipavam; outros sonhavam e no se preocupavam com o dia seguinte. Aqui, os batalhes entusiasmavam o corao da plebe com os seus hinos patriticos; alem, pares ternos e amorosos uniam misteriosamente as suas almas. Impelidos para os negcios por uma importncia, que, segundo eles julgavam, era imperiosa; atrados pelo demnio do prazer ou arrastados nas azas da ambio, os seres de ento, como sucede aos de hoje, precipitavam-se no torvelinho da vida. Estes povos tiveram, como tem os nossos, dias de gloria e de angustia; tiveram anos como foi o de 89 e o de 93, Austerlitz e Waterloo; os dramas da poltica tiveram igualmente o 18 brumario e o seu 2 de dezembro. Tiveram, como ns tivemos em outros tempos, cidades semelhantes a Tebas, a Memphis, a Ninive, a Cartago; monarcas gloriosos como foram os nossos Semiramis, Sesostris, Salomo, Alexandre; tiveram os seus Cambyses e os seus Lesares, e, como sucede nos nossos dias, o silencio reinou nas fnebres solides, nos seus palcios arruinados, nos seus templos e no sono de uma longa e crescente noite. Atravs do Universo no tem desaparecido somente povos, reinos e imprios, mas mundos inteiros, grupos de orbes, arquiplagos de planetas e at Universos. Porque a eternidade no comeou, jamais ha comeado. As foras da Natureza nunca estiveram inativas. Para a prpria Natureza as nossas medidas de tempo, as nossas concepes de durao, no existem ; para ela no ha passado nem futuro, mas um presente perptuo. Conserva-se imvel atravs das suas manifestaes e transformaes incessantes. Ns que passamos; ela continua sempre a mesma. No posso pensar sem terror na inumervel quantidade de seres que tem vivido sobre todos os mundos que hoje j no existem; na infinidade de espritos superiores que tem pensado, que tem trabalhado, que tem guiado as humanidades na senda do progresso, da luz e da liberdade; no posso pensar nesses Plato, Marco Aurlio e Pascal, nesses Newton dos mundos que no existem, sem perguntar o que foi feito deles. Fcil responder que deles nada resta, que morreram como nasceram, que tudo brotou do p e para o p voltou; mas, se esta resposta fcil, no satisfatria. * Na verdade, eu no tenho a pretenso de resolver o grande mistrio. Parece-me que ao tratar os insondveis problemas da eternidade e do infinito, ficamos na situao de uma formiga que quisesse estudar a historia da Frana. Apesar de todas as suas aptides intelectuais, to legitimamente reconhecidas, apesar de toda a sua boa vontade, de todos os seus esforos, de todas as suas indagaes, provvel que os seus conhecimentos no fossem alm do circulo em que se agita o formigueiro, e no se elevariam concepo de idias sensatas acerca dos homens e das suas coisas. Para as formigas, as nicas proprietrias do bosque so elas prprias, e os parasitas da Terra so os insetos no comestveis que as molestam. Sabero elas que existem as aves? E' muito duvidoso. Pelo que se refere aos homens, quase certo que ignoram a sua existncia; mas ainda que tivessem conscincia delia, no poderiam adquirir sobre a raa humana e a sua historia mais do que idias... de formigas. * Seria, sem duvida, to intil como pueril entregarmo-nos s nebulosidades da metafsica para alcanar uma soluo que nos escapar eternamente; mas digno da nossa contemplao pensar nesse aspecto particular da Criao chamado Tempo; pensar em que, por toda uma eternidade, mundos habitados como o nosso, tem flutuado luz dos seus sois; que em toda a eternidade tem existido humanidades gozando os prazeres da vida, e que em toda a eternidade a hora do fim do mundo tem soado no quadrante secular dos destinos envolvendo um aps outro os Universos e os seres no sudrio do esquecimento e do nada. Porque no possvel conceber um principio, ao qual haja precedido uma eternidade de inao, pois, to longe quanto podem ir, a cincia experimentais nos revelam, em toda a parte, foras em atividade perptua. Se o espao infinito nos deslumbra com a sua imensidade sem limites, a eternidade sem principio nem fim talvez ainda mais formidvel ante a nossa contemplao maravilhada. As vozes do passado falam-nos do futuro e do fundo dos seus abismos. * Dentro de cem milhes de anos, a Terra em que vivemos no existir, ou, se delia alguma coisa restar, ser um fnebre deserto ; os vrios mundos do nosso sistema solar tero terminado o seu ciclo vital, as historias das mltiplas humanidades, que nelas se tero sucedido, estaro perdidas para sempre, o nosso prprio Sol ter extinguido a sua luz e rodar, astro negro, em uma imensidade noturna. Talvez arrojado pelas leis do destino aos moldes da metamorfose perptua, em um supremo choque com algum sol tambm morto, analogamente lanado atravs dos espaos, ressuscite, Fnix brilhante, renascido das prprias cinzas, que voltaro a incendiar-se pela transformao do calor em movimento. Mas, ento, como sucede agora, as nebulosas ter-se-o convertido em sois ; ento, como acontece hoje, o imenso espao estar povoado por uma legio enumervel de astros, girando na harmonia das suas respectivas atraes ; as terras balouaro luz dos seus sois, o dia suceder noite, haver cus azuis, nuvens que flutuaro na magia dos crepsculos ; a brisa perfumada percorrer as selvas e os vales ; silncios misteriosos suspendero o canto das aves, e o eterno amor impelira as novas adolescncias para o eterno vo das aspiraes insaciveis. Maravilhosa ascenso da vida, a natureza entoar, como o faz hoje, o hino da juventude e da felicidade, e a eterna primavera florescer sempre nesse imenso Universo em que o historiador do passado no v mais do que um grande monto de tmulos. Se no ha limites no espao, se para qualquer ponto do cu para onde se dirija o nosso pensamento ele pode voar sempre sem que jamais nada o detenha, qualquer que seja a velocidade do seu vo; se, em uma palavra, o espao infinito em iodas as direes no mais do que a eternidade, clara est que coisa alguma o pode limitar e qualquer que seja o prazo que lhe pretendamos fixar, o nosso pensamento salta por sobre o obstculo e prossegue no seu caminho. O espao infinito est povoado de mundos nascentes, de mundos que chegaram idade viril, de mundos em decadncia, de mundos mortos disseminados em todas as regies da imensidade em forma de nebulosas, gozosas, sois de hidrognio, satlites arrefecidos, cometas desagregadas... As foras da natureza mostram-se em atividades em toda a parte; a energia da criao conserva-se constante, no podendo aumentar nem diminuir, e todas as cincias concordam em afirmar que o que chamamos destruio ou morte no mais do que uma transformao. A astronomia revelou-nos o que o tempo, revelou-nos o que o espao. Demonstra-nos que a poca atual nada tem de particular na historia da Natureza e convida-nos a reconhecer o tempo e o espao, essas duas formas da realidade, contemplando em sntese os grandes aspectos do desenvolvimento do Universo. * No: este sonho no um sonho. Para as humanidades que viveram nos diferentes mundos do espao durante as pocas anteriores formao do nosso sistema solar, a Terra, com toda a sua historia, no era mais do que uma possibilidade das fecundaes do futuro. Historiadores do povo terrestre: Moiss, Herdoto, Manethon, Ma-Tuan-Lin, Tito Livio, Tcito, Gregrio de Tours, Bossuet, quantos tendes julgado escrever a historia universal, e tu, grande Leibniz, que deste origem da criao do mundo um minsculo ducado da Alemanha; e tu, tambm, feiticeiro autor das Metamorfoses, que descreves o nascimento dos cus e dos deuses e a astronomia, ao ler os vossos famosos annais, no posso deixar de sorrir perante as genealogias dos vossos reis, perante as conquistas dos vossos Cesares. * Lutas de formigas em espaos minsculos! Iluses de crianas acariciando os seus brinquedos! Ainda que se inventem novos microscpios para distinguir Carlos Magno e Napoleo, no conseguiremos ver. E a Terra, onde a veremos ? Graas fora de atrao do pensamento, vivemos antes e depois delia; a sua historia desvaneceu-se como se fora um relmpago em noite de vero. * Quando contemplava estes panoramas do tempo e do espao, em que os sculos desfilavam diante dos meus olhos com os seus longos cortejos de glorias eclipsadas e com as humanidades que ressuscitam com os mundos, deixando cair os sudrios e retomando a marcha por caminhos floridos da vida o prodigioso e secular passado tornou-se-me presente e os milhes de sois j extintos de era em era, incendiaram-se e brilharam. O cu mostrou-se iluminado com inumeros astros que os nossos olhos mortais nunca viram, e a luz da vida resplandeceu nas praias celestes, incendiando-se no infinito... De sbito, um vu espesso e negro caiu das alturas dos cus, diante dessas claridades, e o meu pensamento deixou de ver. Pela frente desse vu, o planeta corria com uma velocidade de seis mil quilmetro por horas eu encontrei-me no estado normal dos habitantes da Terra, que vivem sem ver nada para alm do horizonte e que imaginam que, tanto no espao como no tempo, a nossa mediana humanidade a nica coisa que no Universo existe. Estrelas e tomos A noite passada, entre o silencio das suas ultimas horas e durante o sono da Natureza, observava eu com o telescpio uma pequena estrela fixa, perdida entre a multido de claridades celestes, estrela plida, de escassos reflexos, de stima grandeza, afastada de ns a uma distancia incomensurvel. O meu pensamento tinha-se transportado at ela e pressentia que s se podia divisar com o auxilio do telescpio; que existem dezenove estrelas de primeira grandeza, sessenta de segunda, cento e oitenta e duas de terceira, quinhentas e trinta de quarta, dezesseis de quinta e quatro mil e oitocentas de sexta, o que d um total de cerca de sete mil astros que se distinguem simples vista; pensava que as estrelas de stima grandeza, s quais pertence a que observava, atingem o numero de treze mil ; as de oitava, o de quarenta mil ; que esse numero aumenta. medida que penetramos para alm da viso natural, que essas que rodeiam as dez estrelas das primeiras grandezas no so menos de quinhentas e sessenta mil, as que rodeiam outras menores chegam a uns quatro milhes, e que as incluindo todas, at s de dcima quinta grandeza, se podem contar quarenta milhes de estrelas. Sem me perder nas profundidades das perspectivas infinitas, uni-me com o pensamento, como me tinha unido com o olhar, a essa pequena estrela de stima grandeza pertencente constelao da Grande Ursa, que no desce nunca ao horizonte de Paris e que podemos observar todas as noites, e lembrei-me de que est brilhando a oitenta e cinco trilhes de lguas da Terra - distancia que um comboio relmpago, com uma velocidade de cento e vinte quilmetros por hora, s franquearia gastando na viagem trezentos e vinte e cinco milhes de anos. * Transportado a esta distancia o Sol que nos ilumina, perderia todo o seu esplendor e a sua gloria. No s deixaria de se divisar vista desarmada, mas o seu brilho seria muito inferior ao da estrela de que falo, e s poderia ser visto depois de longas e minuciosas inspees telescpicas. Esta estrela que nos aparece como sendo um ponto de fraco brilho na negrura da noite, , na realidade, um sol colossal, imenso, muito mais considervel do que o que d vida e calor ao planeta em que vivemos. O nosso Sol j trezentas vinte e quatro mil vezes mais pesado do que a Terra, e um milho duzentas e oitenta mil vezes mais volumoso. Supondo que a pequena estrela de stima grandeza pesa um milho de vezes mais do que o nosso globo e que tem um volume igual a muitos milhes de Terras reunidas, creio que faremos um calculo ainda muito aqum da verdade. * Estas consideraes que, a propsito de uma simples e pequena estrela perdida entre a multido de suas irms, nos transportam presena das realidades mais formidveis do Universo, no oferecem ainda o seu aspecto mais interessante. E um fato estranho, no compreendido pelos antigos filosficos, extraordinariamente fantsticos e apenas concebvel para os que procuram a verdade; um fato estranho que estes sois, vistos no infinito, longe de estarem fixos, como parece que esto, em conseqncia da enorme distancia, se movam e percorram o espao com velocidades quase inconcebveis. A estrela de que estou falando (1) entre outras, corre, voa, precipita-se atravs da imensidade com uma rapidez de trinta milhes de quilmetro por dia. Sim: no ha exagero; percorre diariamente uma distancia de seis milhes de lguas, ou sejam mais de dois mil e quinhentos milhes de lguas por ano! E, apesar disso, no longo espao de dez, cinqenta, cem anos, ela parece ocupar sempre o mesmo sitio onde os nossos olhos a vem. A velocidade de uma granada arrojada pelo mais poderoso dos nossos canhes, percorrendo setecentos metros por segundo, no , nem por sombras, comparvel desta estrela, que percorre por segundo trezentos e vinte mil metros, que excede a da granada em uma proporo de quatrocentos cinqenta e sete para um. Pode a imaginao mais audaz conceber semelhante velocidade ? (1) Esta estrela no tem nome. Est inscrita nos catlogos celestes com o numero 1830 Groombridge. Esta estrela transporia em cinco dias e algumas horas a distanciam de trinta e sete milhes de lguas que nos separa do Sol, distancia que uma granada no transporia em menos de sete anos. V-se, pois, que a velocidade deste astro verdadeiramente prodigiosa, e nisto no ha fantasia, foi medida com operaes exatas e delicadas, havendo a certeza de que no pode ser inferior cifra que indicamos. * Esta velocidade um exemplo, como que um smbolo, e sob este conceito que a apresento. Todas as estrelas esto animadas com movimentos anlogos, e no s todas as estrelas, cada uma das quais um sol, e cuja maioria so centros de sistemas planetrios, focos de luz, de calor e de harmonia, em torno das quais gravitam esfera habitveis, moradas presentes, passadas ou futuras de existncias diferentes dos seres e das coisas terrestres; no s todas as estrelas so projetada na imensidade dos espaos, mas o mesmo sucede com todos os planetas, todos os satlites, todos os mundos, todos os sistemas, tudo o que existe na imensidade da criao. A Terra move-se em redor do Sol com uma velocidade de seiscentas e quarenta e trs mil lguas por dia, girando ao mesmo tempo sobre si mesma em torno do seu eixo de rotao, animada com onze movimentos diferentes, mais ligeira e movei do que a bola que uma crena faz flutuar no espao, e sendo solicitada pelas varias atraes dos astros que lhe esto mais prximos, verdadeiro joguete das foras csmicas que nos empurram e nos arrastam no imenso torvelinho. A Lua gira em redor da Terra refreando a nossa marcha e fazendo-nos sofrer perptuas ondulaes. O Sol arrasta-nos com todo o seu cortejo para a constelao de Hercules, de forma que o nosso mundo desde que existe no tem passado duas vezes pelo mesmo caminho, descrevendo no espao no elipses fechadas, mas hlices que se desenvolvem sem fim e eternamente. Os sois vizinhos do nosso lanam-se com os seus sistemas em diferentes direes. As constelaes deslocam-se de sculo para sculo, e cada estrela gira animada pelo seu movimento prprio em virtude do que se modifica o aspecto dos cus. E assim, tudo se desloca, tudo corre, tudo circula, tudo se precipita com vertiginosa rapidez para um fim desconhecido e jamais alcanado. Isto no um romance, um sonho de pura contemplao, um fenmeno que no est ao nosso alcance; a nossa prpria historia, fatal e iniludvel. Desde ha uma hora cada um de ns, escritor ou leitor, rico ou pobre, sbio ou ignorante, crena ou velho, quer estejamos despertos, quer dormindo, desde ha uma hora cada um de ns tem percorrido pelo cu um caminho invisvel de mais de cem mil quilmetro, pois que o nosso planeta no anda menos de duzentos e trinta e dois milhes de lguas por armo, s pela sua revoluo em volta do Sol ; e em um sculo percorre mais de vinte e trs mil milhes de lguas. Pois bem; estas velocidades so a condio indispensvel para a estabilidade do Universo: os astros, a Terra, os planetas, os mundos, os sois, os sistemas estelares, as vias lcteas, os grupos de estrelas, os universos mais longnquos, sustentam-se mutuamente core o equilbrio das suas atraes recprocas; todos so impelidos no vcuo e se mantm nas suas rbitas ideais porque giram com a velocidade bastante para produzir uma fora centrifuga igual e contraria atrao que o chama, de maneira que permanecem em um equilbrio instvel mas eterno. Em outros tempos o homem preocupava-se com os alicerces em que assentava o mundo, pois que antes de se demonstrar o isolamento do nosso planeta no espao e o seu movimento em roda do Sol, parecia necessrio conceder Terra uma base inquebrantvel e arraigai-a em alicerces infinitos. Mas como os astros se erguem e se ocultam, no sabemos admitir a existncia desses alicerces, existncia que, alm de tudo, no satisfaz a curiosidade dos que analisam as coisas a fundo. E absolutamente impossvel conceber um pilar ou coluna, por mais comprido e grosso que seja, afundando-se no infinito, do mesmo modo que no possvel conceber um basto que s tenha uma extremidade. Assim, por mais que a nossa imaginao desa at base dessa coluna material, chega a um ponto em que adivinha o seu termo, e se o vcuo uma coisa sem fim, claro est que esse pilar terrestre no serve para nada, visto que nada tem onde se apie. A concepo moderna do dinamismo, oposta antiga e vulgar idia da matria, tem hoje um alcance filosfico sem precedentes em toda a historia das cincias. Ela ensina-nos, prova-nos, convence-nos de que o Universo material, visvel, palpvel, descansa sobre o invisvel, sobre o imaterial, sobre a fora impondervel. Isto um fato contra o qual o testemunho aparente e enganador dos sentidos no pode prevalecer. A Terra, que se julgava estvel, no sustentada por nenhuma fora material, mas por uma fora invisvel. O vcuo estende-se por cima como por baixo delia, esquerda como direita e at ao infinito em todas as direes. O que a sustem a atrao solar; a atrao e o movimento. O mesmo sucede com os outros mundos, com todos os demais astros que formam o Universo. Mas, do infinitamente grande, desamos, por um instante, ao infinitamente pequeno. * As substancias que nos parecem mais slidas e duras, so compostas de molculas que se no tocam. Cada uma destas invisvel e formada por tomos, menores ainda, que tambm se no tocam. Uma barra de ferro, por exemplo, composta de molculas que se no tocam, que esto em perptua vibrao, que se afastam umas das outras sob a influencia do aumento de temperatura e que se aproximam com a sua diminuio. Exposta ao Sol, a temperatura dessa barra chegar a 60 graus; arrefecida pelos Belos de inverno, desce a muitos graus abaixo de zero. Pois bem : o comprimento da barra varia de 7 a 8 milmetros entre o primeiro estado e o segundo, e as suas molculas mais se afastam ainda, levando-as a uma temperatura mais alta. Consegue-se afastai tanto umas das outras que deixam de exercer, entre si, ao mutua. Acabam por separar-se se fundindo e convertendo-se em um liquido ou em um gs. A pequenez das molculas vai alm de tudo o que possa imaginar-se. Na laminao do oiro em folhas, tem-se chegado a fabricai-as to delgadas que so precisas dez mil para dar a espessura de um milmetro. Assim, pois, cada folha ter apenas uma dcima milsima parte do milmetro, e no entanto formada de molculas em numero considervel. Tem-se chegado, por processos mecnicos, a dividir um milmetro sobre uma lamina de cristal em mil partes iguais. Existem infusorios to pequenos que os seus corpos colocados entre duas destas divises no preencheriam este espao. Assim, esses seres no medem como mximo seno uma milsima parte de milmetro, e, apesar disso, tem membros, rgos, msculos, nervos, etc., etc. Esses rgos so compostos de clulas e as clulas de molculas. Supondo que estas no tivessem mais da centsima parte da dimenso do corpo - resultaria que as molculas mediram uma, de duzentas milsimas partes do milmetro. Os tomos so ainda muito menores e devem considerar-se como sendo infinitamente mnimos. Tendo em considerao o que deixamos exposto, bem se pode assegurar que o Universo visvel formado por corpos invisveis; o que se v formado por coisas que no se distinguem. No cu cada estrela da Via Lctea, inferior; stima grandeza, invisvel aos nossos olhos; contudo, ns vemos a Via Lctea. Sobre a Terra vemos e tocamos reunies de molculas cujos elementos no podem ser vistos pelos nossos olhos nem tocados pelo o nosso tato. Estudos de fsica molecular tem demonstrado que em um centmetro cbico de ar as molculas que o compem no ocupam seno a tera parte do milmetro cbico. Todas estas molculas, todos estes tomos, esto em movimento perptuo, como os mundos no espao, e a estrutura dos corpos ' organizada pela' fora invisvel. No hidrognio temperatura e presso ordinrias, cada molcula est animada de uma velocidade de translao, de vibrao, de circulao de dois quilmetros por segundo. Todo o corpo orgnico ou inorgnico nos revela o movimento dos tomos regidos por certas foras e o infinitamente pequeno falamos a linguagem do infinitamente grande. O titulo de materialista, ainda hoje usada por homens que no vem mais do que as aparencias vulgares das coisas, no pode ser considerado pelo homem pensador seno como um titulo ridculo e sem significao. O Universo visvel no o que parece ser perante os nossos sentidos; o que constituem a essncia da criao o Universo invisvel. Na realidade este Universo invisvel composto de tomos invisveis que no se tocam, e as foras que o regem so imateriais e invisveis;, Procurai a matria e no a encontrareis ; um espelho que retrocede medida que para ele avanamos; um espectro que se desvanece quando se est prestes a alcanai-o; no sucede o mesmo com a fora e o elemento dinmico; o que em resultado final encontramos a fora visvel e impondervel, e esta que representa a base, a essncia do Universo. Na noite profunda e silenciosa tudo se move impelido por esse sopro estranho. Nestas horas de tranqilo recolhimento, no ouvis a voz do infinito? A noite o estado natural do espao imenso, e ns s temos o dia durante meia rotao da Terra porque estamos na vizinhana imediata de uma estrela. noite tudo preenche, e luz das estrelas e podemos sentir melhor como tudo vibra e estremece. O movimento de todos os tomos, seja na Terra, seja no cu, a resultante matemtica de todos as ondulaes etreas, que se sucedem no tempo e nos abismos do infinito. A Lua atrai a Terra, a Terra atrai os planetas seus irmos ; estes solicitam-na e chamam-na, as estrelas atraiam o Sol, e como sucede com as partculas de p que brilham e oscilam em um raio de luz, assim deslizam, giram, circulam, fogem, vibram e palpitam todos os mundos e todos os Universos at ao infinito, no seio do vcuo e da profundidade sem limites. Houve um gemetra bastante audaz para afirmar que estendendo o brao influiria no movimento do curso da Lua. Isto d-nos uma idia da extraordinria mobilidade das coisas, e prova-nos que o mais insignificante deslocamento de um centro de gravidade influem em uma distancia sem limites. Quando a Lua passa por sobre as nossas cabeas, influem na Terra inteira, faz mover as guas do Oceano, e cada um de ns pesa um pouco menos de quando ela chega ao horizonte - essa diferena de peso de uns oito ou dez miligramas. Quando Vnus passa a uma distancia de milhes de lguas de ns, quando Jpiter passa a cento e cinqenta milhes, um e outro fazem variar a posio normal do nosso planeta. Aproximastes j um pedao de ferro de uma agulha magntica? Que maravilhoso espetculo oferece essa mobilidade, essas palpitaes, esses movimentos sob a influencia de um objeto na aparncia inerte e que atua sobre ele a distancia! Observemos uma bssola hermeticamente fechada; passa um regimento por um caminho prximo e a bssola agita-se sob a influencia das baionetas de ao. Ha uma aurora boreal na Sucia, a bssola move-se em Paris. Que mais pode dizer-se? As flutuaes da agulha magntica esto em relao com as manchas e as erupes solares. A fsica moderna a proclamao do Universo invisvel. * O contemplar o Universo visvel sob este aspecto pareceu-me interessante, e dai o ter convidado para esta contemplao os leitores que so dados a pensar nas verdades profundas. As estrelas e os atomos colocar-nos em presena de uma imensa sinfonia. Os que sem ver a orquestra no ouvem nada, so verdadeiramente surdos. Atravs do Universo visvel o nosso esprito deve sentir a presena do Universo invisvel, sobre o qual estamos colocados. Tudo o que vemos no seno aparncia: o que real est invisvel; a fora, a energia, o que move tudo e o arrasta para o infinito, para o eterno. E, com efeito, ns vivemos no infinito e no eterno. A pequena estrela de que j falamos, sol colossal que excede em um milho de vezes a superfcie da Terra, est a tal distancia de ns que um comboio relmpago gastaria para l chegar trezentos e vinte e cinco milhes de anos, e, apesar disso, um astro vizinho da Terra. Pode-se ir ainda muito mais longe, sempre mais longe e andar com qualquer velocidade, durante qualquer numero de sculos e em qualquer direo do espao, e nunca chegaremos a termo algum, nunca adiantaremos um s passo porque o centro est em toda a parte e circunferncia em parte alguma, porque a prpria eternidade no pode vencer o infinito. 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