ࡱ> 685`5bjbjss.8# $Z h t 9))) D) ) 0Fu3jZ06 "6 6 0"@\   )))) Gouveia Lemos A ortodoxia da Frelimo tentou durante muitos anos passar uma esponja sobre o jornalismo de qualidade e militncia que se fez no tempo colonial. Ttulos como A Tribuna e a revista Tempo foram de algum modo tratados com sobranceria e algum desde, passando-se ao lado da histria e do percurso que estes ttulos representaram. Pela pena do seu irmo Vtor Lemos, residente no Brasil, prestamos hoje homenagem no SAVANA a uma das referncias incontornveis do jornalismo feito em Moambique na experincia efmera que foi A Tribuna por onde tambm passaram Ricardo Rangel, Jos Lus Cabao e Lus Bernardo Honwana. 7 de outubro de 1962. Ao romper do dia, a data erasaudada na redaco do jornal com brindes e hurras: estava sendo lanado o primeiro nmero da Tribuna em Loureno Marques, capital de Moambique. frente de uma elite de jornalistas, e contratado com plenos poderes para criar algo novo na imprensa local, Gouveia Lemos via nascer, junto com o sol, a realizao de um velho sonho. O dia comeava abafado em Loureno Marques. Gouveia Lemos (o nosso Verssimo) abria a porta de casa exausto mas feliz. O sol despontava no oceano ndico, o bairro Bico Dourado ainda parecia dormir. Respirou fundo antes de entrar, olhou uma cesta com mantimentos na calada junto porta, deu dois passos no corredor escuro, quase se chocou com a negra Mamana Rabeca. Bom dia, Mamana, que cesta essa a fora? O homem deixou a prs crianas, patro. Que homem, Mamana? No sei, patro, o homem da rua. Outra vez, o homem da rua saiu murmurando Verssimo. Sem sono, sentou-se numa poltrona, olhando a sala ainda na penumbra. A Madalena e os cinco filhos ainda dormiam. Acendeu o candeeiro de p alto, e abriu o jornal. Trouxera-o debaixo do brao ainda cheirando a tinta fresca. Era o primeiro exemplar da Tribuna que ele ia guardar como um trofu. J o lera e relera, conferira linha por linha, cuidadoso como nunca, sob a parania da censura. Relia agora com mais calma, e mais prazer as pginas bem diagramadas, arejadas, as matrias ousadas com belas fotos, enfim, um jornal independente, feito inteiramente a seu critrio. Olhava-o como pai que lambia a cria. Tinha finalmente nos seus braos no apenas um jornal como outros onde colaborara ou fora director durante uns sete anos: tinha agora no seu colo um filho que ele gerara, do qual fora pai e me, aps uma gravidez sofrida de meses. E que acabara de trazer luz, aps um parto laborioso que se estendera por toda a madrugada, sob as ameaas sinistras dos censores. Knopfli, Craveirinha, Lisboa e Rodrigues Jornalista rebelde, difcil de domar, e um dos profissionais mais visados pela ditadura, fora ousado demais ao requerer licena para fundar um jornal inteiramente confiado sua direco. Aps meses de negaas, jogo de gato e rato, promessas no cumpridas, edies prontas atiradas ao lixo por impedimentos de ltima hora, sara a licena. Com cinco filhos e mais um a caminho, e sem salrio, valia-se da prpria coragem e do apoio moral e material de amigos intelectuais Rui Knopfli, Jos Craveirinha, Eugnio Lisboa, Carlos Adrio Rodrigues e famlia. E do misterioso homem da rua que diariamente deixava a sua contribuio de mantimentos. Valia-se tambm do apoio no menos nobre de Rabeca, uma negra de alma iluminada e corao imenso, que h meses trabalhava sem receber salrio. E que, vez por outra, levava discretamente para a sua palhota as crianas que vira nascer e ajudara a criar para lhes dar o lanche que estava faltando na casa do patro. A Tribuna, estimulada por tanta solidariedade, nascia sob a luz da esperana. Havia perspectivas de abertura por parte do Ministro do Ultramar e do Governador de Moambique. A partir dos primeiros nmeros, as matrias do novo jornal faziam sucesso. Com habilidade, denunciava a deteno injusta de um poeta acusado de crimes polticos, criticava o cdigo de trabalho rural do ultramar, publicava uma entrevista com Ben Bella sobre a independncia da Arglia, e apelava aos vereadores de Loureno Marques para que olhassem menos para os bairros de luxo e olhassem mais para os quatro quintos da cidade feitos de canio, construssem bairros econmicos, distribussem gua canalizada, luz, e fizessem saneamento. O jornal comeava avanado demais para o gosto dos poderosos. Com uma agravante: o nascimento da Frelimo com o objectivo de lutar pela independncia da colnia e a perspectiva de uma guerrilha igual s da Guin e Angola comeava a despertar preocupaes. Resultado: em menos de um ano, o jornal sem verbas de publicidade, sem crdito, sem tinta e papel, passava para as mos salazaristas do Banco Nacional Ultramarino (Banco de Moambique depois da independncia). O sonho durara pouco. Daqui em diante, Gouveia Lemos no tinha alternativa. Tinha que voltar a um jornalismo melanclico sob duas censuras simultneas: a do jornal (a que mais detestava) e a do governo. Cadveres no se suicidam. Entretanto, a Frelimo inicia a guerrilha em Moambique. H presses da ONU, dos EUA, Rssia e Gr-Bretanha pela auto-determinao do ultramar portugus. Os Bispos da Beira e de Nampula em Moambique denunciam crimes das autoridades contra os direitos humanos e sofrem perseguies. As perseguies estendem-se a freiras e missionrios. A partir de Novembro de 1964, Gouveia Lemos assume o cargo de director tcnico do Notcias da Beira (a partir do alvar do Beira News). A 7de Setembro de 1968, Salazar sofre um acidente, e afastado do governo em consequncia de um hematoma cerebral. Para a oposio, um 7 de Setembro que prenuncia a libertao da ditadura. Assume o governo Marcelo Caetano de tendncia liberalizante. Na direco do Notcias faz-se sentir essa tendncia. Em 1972, acontece na cidade da Beira uma morte que atrai suspeitas : o corpo de uma jovem cai do alto de um edifcio. Suspeita-se de assassinato. O ru estaria entre a oficialidade do exrcito portugus envolvido na guerra colonial. O inqurito estava sendo abafado, enquanto as autoridades divulgavam a verso de suicdio. Gouveia Lemos manda apurar a verdade por jornalistas subalternos. Segundo fonte limpa, trata-se de crime passional por parte de um militar casado que pretendia livrar-se da amante para evitar o escndalo de adultrio. Gouveia Lemos comea uma campanha exigindo o apuramento da verdade. A campanha inicia-se com o ttulo Cadveres no se suicidam. Ganha repercusso, as autoridades militares reagem, pressionam o jornal, e Gouveia Lemos intimado pela direco do jornal a calar-se. O Verssimo (superlativo de vero verdadeiro) que tinha a fidelidade verdade como princpio sagrado, sentiu-se achincalhado. Era a gota dgua. Com a sade abalada, e tendo que fazer nova cirurgia ao corao, comea a pensar em deixar de vez Moambique e partir para o Brasil. Cirurgia Por ocasio do Natal de 1971, escreve-me uma carta de quatro pginas sobre o seu projecto de emigrar. Comeava com um desabafo: os horizontes no se abrem. O meu entusiasmo desaparece. Pensa tambm em submeter-se aqui segunda cirurgia de corao. E diz o motivo: deixei-me tomar pelo desejo de a fazer a, junto dos meus, com a minha mulher e os meus filhos entregues aos meus. Perdera o entusiasmo pela profisso, e com a morte da filha, perdera o entusiasmo pela vida. Em Fevereiro de 1972, Gouveia Lemos (o nosso Verssimo) desembarcava no Rio com a mulher,cinco filhos, e a grande ausncia da Joozinho. Aps catorze anos, voltava ao Brasil, tentando refazer a vida. Vinha murcho, cansado de lutas, desgostos e decepes. Se tivesse antecipado a viagem, talvez desembarcasse com menos uma dor e mais uma criana. Ao sorriso aberto pelo encontro com a famlia, juntava-se um sorriso ntimo de ironia pelos sonhos que deixara pelo caminho: exercer o jornalismo algum dia, dignamente, com liberdade. A dura realidade que largara uma ditadura para tentar vida numa outra ditadura. A democracia brasileira, que ele conhecera e o encantara quando aqui esteve h 14 anos, entrara em colapso, desde 1964. ( Sem perda de tempo, tinha que se abrir sobre o que mais o preocupava nesta debandada. Escolheu o irmo mais novo, o Luis Bernardo (Menau), para uma conversa reservada no Jardim Botnico. A diferena de 13 anos entre as suas idades contava pouco, tais as afinidades que o irmo mais velho, aps muitos anos de ausncia, viu reveladas no mais novo: uma alma gmeamadura, inteligente, identificada com as suas ideias. O problema da vlvula mitral agravara-se, a cirurgia demasiado adiada era extremamente delicada e, com mulher e cinco filhos, o assunto da conversa no tinha tanto a ver com projectos de vida, mas com a perspectiva da morte.  p q C_`"""+455Ͳ͚iWi>i><4h)dmHsHU1h=h)dB* CJOJQJ^JaJmHphsH"h)dCJOJQJ^JaJmHsH7h=h)d5B* CJOJQJ\^JaJmHphsH(h=h)dCJOJQJ^JaJmHsH.h=h)d6CJOJQJ]^JaJmHsH4h=h)d5B* CJOJQJ^JaJmHphsH.h=h)d6CJOJQJ]^JaJmHsH4h=h)d5B* CJOJQJ^JaJmHphsHr s BC`"""+55$1$7$8$H$`a$gd)d$1$7$8$H$`a$gd)d 1$7$8$H$gd)d $1$7$8$H$a$gd)d5Dias depois, aconteceu a cirurgia. Alvio geral: segundo o cirurgio, fora um sucesso. Com a recuperao j adiantada, combinou-se a celebrao: seria no Domingo de Pscoa, no prprio apartamento do Verssimo, recm-montado em Ipanema. Estvamos de sada com as crianas, abro a porta, chamo o elevador, o telefone toca. Do outro lado, a voz de uma empregada informa lacnica e cortante : Senhor Vtor, o senhor Verssimo acaba de falecer. SAVANA 22.02.2008 55h)dh)dmHsH,1h. A!"#$% @`@ )dNormalCJ_HaJmH sH tH dA@d &Tipo de letra predefinido do pargrafoTi@T  Tabela normal4 l4a ,k@, Sem lista#8rs  BC`!##0000000000000005555 h=Fh=Jh=|L #$#>*urn:schemas-microsoft-com:office:smarttags PersonName em Loureno Marquesem Loureno Marques. Gouveiaem Moambique. H ProductID#uweC D ""o#x######)d@ee4.. !#p@p(pT@ph@UnknownGz Times New Roman5Symbol3& z Arial;& z HelveticaK MHelvetica-ObliqueK,Bookman Old StyleE MHelvetica-Bold"¦¦+@+@!24## 2QHX)?)d2 Gouveia Lemos Fernando Gil Fernando GilOh+'0   @ L Xdlt|Gouveia LemosFernando GilNormalFernando Gil1Microsoft Office Word@Ik@#u@hu+՜.+,0 hp|  ..@# Gouveia Lemos Ttulo  !"#$&'()*+,./012347Root Entry FWu91TableWordDocument.8SummaryInformation(%DocumentSummaryInformation8-CompObj  F.Objecto de documento do Microsoft Office Word MSWordDocWord.Document.89q