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Portugal recebe um considervel nmero de indivduos vindos sobretudo de frica, do Brasil e da Europa de Leste que procuram aqui condies que permitam melhorar as suas condies de trabalho e de vida e contribuir, muitas das vezes, para a melhoria das condies de vida da restante famlia que permaneceu no pas de origem. So indivduos que na sua maior parte das vezes se deparam com variadas e srias dificuldades de insero no pas de acolhimento. Desempenham trabalhos precrios, funcionando como uma mo-de-obra geralmente residual, contratada de forma clandestina e que mais do que todos os outros indivduos esto sujeitos s variaes e necessidades conjunturais do mercado de trabalho. So indivduos em situao de grande precariedade econmica, desintegrados socialmente e sobre os quais as redes de controlo social informais, constitudas, por exemplo, pela famlia, pela vizinhana, entre outras (e que tambm podem funcionar tambm como redes de inter-ajuda quando os indivduos se encontram em situao de necessidade) se encontram extremamente diludas. Alm disso, no pas de acolhimento so os que vm de fora, os outros, os estranhos, aqueles que geralmente mais suscitam o temor e a desconfiana com que muitas vezes olhamos aquilo que nos desconhecido e que diferente. No me vou alargar na tentativa da enunciar factores que justificam uma realidade actual. De facto parte considervel da actual populao prisional em Portugal composta por no nacionais, sobretudo imigrantes mas no s. Esta foi a base de partida do projecto de investigao e certamente outros outras abordagens contempladas no projecto podem muito melhor do que a rea referente histria reflectir sobre esse aspecto. Ora, se olharmos para o passado das sociedades ocidentais, um passado que fao recuar at h cerca de 150 anos, quando, possibilitada pelos avanos tcnicos a nvel das comunicaes e transportes, a mobilidade das populaes se tornou uma importante realidade, temos um vastssimo conjunto de exemplos semelhantes a estes. Em permanncia encontramos as populaes imigrantes ou migrantes (os no naturais do local) como os grupos que maioritariamente se vem implicados com o crime e, consequentemente, os que se encontram a cumprir pena de priso. As populaes imigrantes sempre foram extremamente vulnerveis, consequncia do receio do outro e das difceis condies de vida e de trabalho que geralmente encontram na sociedade de acolhimento. Contudo, para o caso de Portugal temos de ter em conta o facto de o pas s muito recentemente se ter tornado um pas de acolhimento de imigrantes. O passado, e refiro-me sobretudo ao perodo contemporneo (os sculos XIX e XX) pois ai, como j foi referido, que os grandes movimentos de populao se afirmam, marcado por um vasto movimento emigratrio, primeiro em direco ao Brasil e a partir da II Guerra Mundial para os pases mais ricos e desenvolvidos da Europa, como a Frana e a Alemanha. Situando-nos no ltimo quartel do sculo XIX, altura em que se afirma o paradigma penal que caracterizou a justia criminal at muito recentemente, temos que a comunidade estrangeira residente em Portugal era muito pequena. Agrupada maioritariamente nas duas maiores cidades do pas, Lisboa e Porto, era composta, no caso de Lisboa, essencialmente por espanhis, alguns brasileiros, alguns africanos e umas quantas centenas de nacionais de outros pases de forma geral de outros pases europeus. Parte desta comunidade desenvolvia actividades ligadas ao comrcio internacional (o caso da comunidade inglesa no Porto um dos exemplos mais falados) mas alguns destes imigrantes sobreviviam atravs do desempenho de tarefas indiferenciadas, de trabalhos precrios, como o de moo de recados e o de aguadeiro. a comunidade galega que vai mais ao encontro deste quadro descritivo. Os galegos imigravam em grande nmero para Lisboa, procurando aqui melhores condies de vida e de trabalho e procurando sobretudo, como se afirma na poca em Portugal, amealhar o mais possvel para regressar sua terra natal e a construir uma casa. o objectivo dos imigrantes galegos em Lisboa no final do sculo XIX. Viviam nas chamadas casas da malta e eram considerados como indivduos que propiciavam facilmente situaes de desassossego e insegurana. Embora existam na poca alguns textos jornalsticos e ensasticos que procuram defender ou reabilitar a figura do galego, apresentando-os como indivduos trabalhadores, honestos e pacatos, a produo destes textos revela a vontade e necessidade de contrariar um sentimento de desconfiana muito generalizado na populao em relao a esta comunidade de imigrantes. Marginalizados os galegos vem permanentemente a braos com a justia criminal. O paradigma do natural da Galiza que vem para Lisboa e aqui acaba por cair na vida ociosa e de crime, ainda na primeira metade do sculo XIX, a figura de Diogo que tem moldado a memria colectiva dos portugueses relativamente criminalidade e banditismo em Portugal no sculo XIX . Assim, relativamente ao nmero de efectivos que compem a comunidade galega residente em Lisboa significativo o nmero de indivduos naturais da Galiza que se encontram implicados em crimes e a cumprir pena no ltimo quartel do sculo XIX. Mas sempre uma pequena comunidade e o seu peso no cmputo geral dos indivduos implicados em crimes , por isso, reduzido. Para apresentar alguns nmeros, muito sintetizados e de forma rpida, temos que entre 1888 e 1892, 9,4% dos indivduos presos pela Polcia Civil de Lisboa eram espanhis, sendo a maior parte deles naturais da Galiza. As restantes prises respeitavam a nacionais que, contudo, maioritariamente se encontravam deslocados da sua terra natal. No chegava a 40% do total de prises as que respeitavam a indivduos naturais do distrito de Lisboa. Neste quadro, no nos pareceu de grande relevncia o tratamento da questo da priso de no nacionais. No que seja destituda de interesse, pelo contrrio. Mas como o tema geral da criminalidade e da justia ainda se encontra em grande parte por estudar no que respeita ao perodo contemporneo da histria de Portugal. Desenvolvemos uma problemtica prpria e mais abrangente que orientou a pesquisa no que respeita histria no mbito deste projecto. Que a questo do crime era considerada uma importante questo social na sociedade portuguesa do ltimo quartel do sculo XIX, isso era um dado h muito adquirido. Considerando que a imprensa um importante meio para a formao da opinio pblica e que contribui de forma importante para a percepo que a populao tem dos diferentes factos e questes sociais, considermos relevante ver como que a imprensa tratava a criminalidade na poca e como eram apresentados e caracterizados os indivduos que cometiam crimes e delitos. Existiam em Lisboa e em Portugal um grande nmero de peridicos. Contas aproximadas foram feitas por Brito Aranha em 1900 e refere que no ano anterior, em 1899, existiam em Lisboa 188 peridicos sobre 583 publicados para o pas todo. Aps a uma pesquisa por diversos peridicos publicados na poca, optmos ento pela escolha de um ttulo e pelo levantamento sistemtico e tratamento das notcias referentes ao crime a publicadas durante um ano. A escolha recaiu sobre o Dirio de Notcias. Isto porque o Dirio de Notcias, constituiu um marco na transformao da imprensa nacional. Afirmou-se desde o incio em ruptura com a imprensa de opinio que imperava at ento. Surge no mercado com um projecto editorial de jornal generalista de cariz noticioso, articulado por um sistema de valores assente em pressupostos de neutralidade e objectividade jornalstica, distanciando-se assim de grande parte dos jornais da poca que tinha um alinhamento editorial poltico e privilegiava um jornalismo de opinio, doutrinrio, muitas vezes acusado de se perder nos debates das paixes e intrigas partidrias. Comeou em 1864 com uma tiragem inicial de 5000 exemplares, mas ao fim do primeiro ano de publicao tinha j passado a uma tiragem de 9600 exemplares e, no ano de 1892 tinha uma tiragem de 26.000 exemplares. Era produzido na sua prpria oficina de tipografia, no Bairro Alto. A empresa Dirio de Notcias apostou na venda directa do jornal numa altura em que os jornais eram essencialmente vendidos por assinatura e em postos fixos de agentes espalhados por Lisboa ou pelo pas. Quando surgiu, em 1864, era vendido a dez ris, mais barato, assim, do que os 30 a 40 ris usuais a que eram vendidos os outros jornais 1- O surgimento do jornalismo noticioso e a organizao industrial da imprensa: o Dirio de Notcias O surgimento do Dirio de Notcias, em 29 de Dezembro de 1864, considerado um marco, quer de ruptura com a imprensa romntica e de opinio, que predominou at ento, quer de incio de um perodo de expansoe industrializao da imprensa. uma nova forma de olhar o jornalismo e o jornal em Portugal que emerge. Com efeito, em meados do sculo XIX, assiste-se a um desenvolvimento da imprensa ligado aos propsitos liberais de constituio de um espao pblico de discusso da vida poltica, econmica e social do pas e ideia de difuso de conhecimentos teis, que pudessem educar as classes menos instrudas. Esta expanso da imprensa acompanhada pelo desenvolvimento do jornalismo noticioso, de cariz popular, sustentado por lgicas econmicas e empresariais inovadoras que procuram conquistar mercados, cada vez mais amplos, atravs da aposta em pblicos mais diversificados. Os jornais da poca, de um modo geral, organizavam-se em torno de polticas editoriais literrias, artsticas, cientficas e polticas. Na realidade, grande parte dos jornais tinha um alinhamento editorial poltico e privilegiava um jornalismo de opinio, doutrinrio, muitas vezes acusado de se perder nos debates das paixes e intrigas partidrias. Por outro lado, embora o ritmo de surgimento de novos jornais fosse vertiginoso, no s a sua permanncia no mercado era, por vezes, curta, como se tratavam de jornais de pequena circulao em que, tal como explica Alfredo Cunha, eram to grandes os artigos como pequenas as tiragens. O Dirio de Notcias surge no mercado como um projecto editorial de jornal generalista de cariz noticioso, articulado por um sistema de valores assente em pressupostos de neutralidade e objectividade jornalstica que, no s legitimam o seu discurso e lhe atribuem uma identidade social autnoma. Passam a contar com um estatuto distintivo enquanto actor social com objectivos e papis prprios a desempenhar - erguer a voz em prol da justia e entrar nas lutas srias das ideias e dos princpios que tendam a instruir e a moralizar o povo. Posicionam-se no mercado como um sujeito de enunciao especfico. Na verdade, a adopo de posturas de observao e experimentao de cariz positivista na anlise da realidade comea a adquirir pertinncia no jornalismo em finais do sculo XIX. A relao entre a ideia de objectividade e o jornalismo, nesta fase constitua a base de uma nova atitude organizadora dos contedos da imprensa e das prticas profissionais dos jornalistas que visa implementar o jornal junto de um pblico mais vasto e diversificado e dar credibilidade ao jornal no espao pblico, particularmente junto dos anunciantes. Ora, o ideal de objectividade quando aplicado ao jornalismo, tal como explica Hackett: sugere que os factos possam ser separados das opinies ou juzos de valor. e que as notcias podem potencialmente transmitir uma traduo imparcial, transparente, neutral, de uma realidade externa (...). Assim, os media noticiosos ofereceriam o resumo fiel dos acontecimentos mais noticiveis do dia os mais relevantes e interessantes para o pblico. neste mbito que, no seu nmero programa, o Dirio de Notcias promete aos seus leitores (...) uma compilao cuidadosa de todas as notcias do dia, de todos os pases e de todas as especialidades, um noticirio universal. (...) reproduzindo ltima hora, todas as novidades. Sublinhando-se que: (...) Eliminando o artigo de fundo, no discute poltica, nem sustenta polmica. Regista com a possvel verdade todos os acontecimentos, deixando ao leitor, quaisquer que sejam os seus princpios e opinies, o compreend-los a seu saber. Na realidade, o pressuposto que as notcias poderiam ser uma traduo imparcial e transparente de uma realidade externa tem subjacente uma concepo do jornal como um elo de ligao entre o acontecimento, situado a montante, e o pblico, a juzante., que constri a noo de jornal como espelho da realidade.Por outro lado, tal como explica Jos Rebelo, surge associado ao mito do leitor-activo que: Colocado perante uma mensagem isenta de conotaes, (...) exerceria livremente o seu poder criativo interpretando a mensagem em causa de acordo com a sua viso das coisas.  A actualidade torna-se um dos critrios de noticiabilidade estruturante, no s dos ritmos sociais, como das lgicas produtivas do jornal, dado que o jornalista deixa de ser o redactor que permanece na redaco aguardando a chegada de notcias, para se tornar o reprter que vai ao encontro dos acontecimentos. Ao mesmo tempo que configurava os domnios formais e simblicos das suas estruturas organizativas e produtivas, a poltica editorial do Dirio de Notcias surgia articulada com representaes dos leitores a que se dirigia e que sustentavam as estratgias comerciais de colocao do jornal junto do maior nmero possvel de pblico. Ao definir-se como (...) um jornal para pobres e ricos de ambos os sexos e de todas as confisses, classes e partidos.(...), o Dirio de Notcias chamava a si uma misso civilizadora, educativa e moralizadora, partindo da constatao de que havia uma larga camada da populao pouco instruda e com poucas posses, que no se interessava por publicaes dedicadas poltica, literatura e cincia, que eram inacessveis aos seus recursos financeiros e intelectuais. Esta populao poderia ser cativada e, ao mesmo tempo, instruda, com notcias de interesse geral: (...) escritos, singelos na forma, facilmente assimilveis, claros na ideia, quer no tocante aos factos ocorrentes, quer difuso dos conhecimentos gerais indispensveis vida (...). Tendo comeado com uma tiragem inicial de 5000 exemplares, o Dirio de Notcias, ao fim do primeiro ano de publicao, tinha passado a uma tiragem de 9600 exemplares e, no ano de 1892, tinha uma tiragem de 26.000. O preo de apenas 10 ris, que o tornava acessvel a um maior nmero de leitores, quando a maior parte dos outros jornais custava entre 30 a 40 ris, foi um dos factores deste sucesso. Eduardo Coelho, fundador do jornal, apostou no aumento de tiragens como forma de baixar o preo de custo de cada exemplar e de aumentar o preo a ser cobrado pela publicidade publicada no jornal, a principal fonte de receitas. Esta nova organizao industrial da imprensa, assente em maiores tiragens, impulsionou quer a indstria tipogrfica quer a venda directa dos jornais que, at ali, eram vendidos por assinatura e em postos fixos de agentes espalhados pela cidade e pelos principais centros do resto do pas. Com efeito, ao contrrio do que era usual, a empresa Dirio de Notcias apostou na venda directa dos seus jornais e, logo no seu primeiro nmero, o jornal foi vendido nos locais mais concorridos da cidade por vendedores ambulantes, os ardinas, que rapidamente se multiplicaram. A articulao das caractersticas e lgicas organizativas e empresariais de um meio de comunicao com o conjunto de representaes, valores e normas que configuram a sua cultura editorial e profissional, cujas caractersticas gerais referimos, determinam critrios de relevncia jornalstica que atravessam todo o seu processo produtivo. Estes critrios os valores notcia manifestam-se ao nvel das suas estruturas temticas e dos critrios de seleco, de recolha, de abordagem e de apresentao das notcias.J nos referimos importncia da actualidade e da objectividade como critrios organizativos das lgicas produtivas do jornal. Nos pontos seguintes, iremos debruar-nos sobre mais alguns critrios estruturantes da noticiabilidade dos factos neste jornal, quer atravs de uma breve descrio das rubricas fixas que constituam a sua estrutura temtica, quer atravs da anlise de alguns aspectos da cobertura do crime. 2- O Dirio de Notcias de 1892: formatos informativos e critrios de noticiabilidade Segundo Stuart Hall et al, o processo de produo de notcias estruturado por trs dimenses: a organizao burocrtica do meio de comunicao social, que produz tipos especficos de notcias ou categorias de notcias; a estrutura dos valores notcia que determina e ordena a seleco e a posio dos acontecimentos nessas categorias; e a construo da notcia, que implica a sua apresentao a um presumvel pblico de forma compreensvel. A construo da notcia envolve no s a identificao dos acontecimentos, que so designados, definidos e relacionados com outros conhecimentos do conhecimento pblico como, tambm, a sua contextualizao num quadro de significaes sociais e culturais familiares ao pblico susceptvel de gerar identificaes.Para haver comunicao e no apenas uma transmisso de informao necessrio que a informao esteja inserida num quadro social e cultural de conhecimentos comuns ao emissor e receptor. Os meios de comunicao social so instituies mediadoras entre a populao e a realidade social que, com o advento da modernidade, passaram a estabelecer as condies da experincia social para alm das esferas quotidianas de interaco.Segundo Serrano, esta uma dupla mediao: cognitiva, porque opera sobre os relatos oferecendo s audincias modelos de representao do mundo que condicionam as normas sociais, cumprindo a funo social de restaurar a nivel de las representaciones un ajuste entre los sucesos y las creencias; e estrutural, porque age sobre os suportes de comunicao e oferece s audincias modelos de comunicao, conseguindo que aquello que irrumpe sirva para realimentar las modalidades comunicativas de cada medio productor. Desta forma, a mediao estrutural produz rituais. Em 1892, o formato ou o relevo da pgina-jornaldo Dirio de Notcias era de quatro pginas de grande formato: uma pgina com dez colunas de texto e trs pginas de publicidade.Ao longo da primeira pgina, sem uma ordem aparente, o jornal dispunha vrias notcias soltas, separadas por um meio filete e muitas vezes sem ttulos, e as suas rubricas fixas: enunciados referenciais que expressam o mundo a que se reporta o jornal e a sua identidade.No final da pgina, ocupando cerca de um quinto da pgina em toda a sua largura era publicado um folhetim: romances ou obras educativas em excertos dirios. Apenas duas das rubricas dirias tinham um lugar cativo na pgina do jornal: a Crnica do Dia e Assuntos do dia que surgiam logo na primeira coluna do lado esquerdo. A primeira, de pequeno formato, iniciava o jornal e agrupava as informaes sobre as celebraes religiosas catlicas daquele dia, as horas do nascer e do pr-do-sol e as horas das mars. A segunda, espao normalmente ocupado por editoriais de crtica poltica nos outros jornais, era dedicada abordagem de questes da vida poltica, econmica e social do pas e ocupava o espao da primeira coluna do jornal (por vezes tambm uma parte da segunda coluna). Logo a seguir, o jornal dava destaque aos acontecimentos pblicos, ao exerccio do poder poltico e s instituies que protagonizavam os processos de deciso pblica, atravs de notcias sobre a famlia real e a actualidade poltica, governativa, legislativa, religiosa, econmica, cultural e social quer nacional quer internacional. Esta ltima, era coberta no s a partir da leitura de jornais estrangeiros, como tambm pelas notcias enviadas pelos correspondentes no estrangeiro, que eram agrupadas na rubrica Correspondncia estrangeira do Dirio de Notcias. Nas colunas centrais (para alm das rubricas dedicadas ao crime e s instituies judicirias, a que nos reportaremos no ponto seguinte), distribuam-se as seguintes rubricas: Incndios, Quedas, Desastres, Suicdios e Doena Sbita, onde eram destacadas as tragdias quotidianas, individuais e colectivas, dramas construdos aos ritmos da vida como uma experincia habitual na cadncia rotineira da vida de todos os dias, normalizados pelo jornal no seu relato do quotidiano atravs de um lugar permanente. Mas que, ao mesmo tempo, rompem e alteram a rotina da normalidade social e chamam a ateno para as fatalidades a que todos esto sujeitos. Nestes espaos, so publicadas notcias do acontecimento problemtico e negativo que, pelo seu potencial dramtico e emotivo, so susceptveis de prender a ateno dos leitores. Tal como explica Adriano Rodrigues, (...) o discurso dos media surge para organizar a experincia do aleatrio e lhe conferir racionalidade. F-lo de maneira especular, reflectindo e integrando num todo os fragmentos dispersos com que tecida a trama do presente. A esta prosa do presente confia o homem moderno a funo remitificadora de uma perspectiva unitria securizante perante a desintegrao da identidade colectiva e de uma ordem identitria que lhe devolva uma imagem coerente do destino. As duas ltimas colunas do jornal (a nona e dcima coluna) eram, geralmente, ocupadas pelas rubricas: Associaes, dedicada cobertura da vida associativa da cidade; Correspondncia telegrfica do Dirio de Notcias, onde eram agrupadas as notcias enviadas pelos correspondentes nacionais; Bolsa, onde era dada a informao das transaces ocorridas no dia anterior; Enterramentos em Lisboa, com o nmero de pessoas (adultos e crianas), que tinham sido sepultadas nos cemitrios de Lisboa; Alfandega de Lisboa, informao dos rendimentos da alfndega; Paquetes, relativa s chegadas e partidas de paquetes a Lisboa ou s colnias portuguesas; e a Espectculos de hoje, com a agenda cultural dos teatros e espectculos a decorrer na cidade. 3- Aspectos da cobertura do crime: o relato das rotinas criminais quotidianas As notcias sobre o crime transportam para o conhecimento pblico os valores e a moral dominantes: uma reafirmao simblica dramatizada dos valores da sociedade e dos seus limites de tolernciae os processos legtimos de resoluo dos conflitos sociais e de restaurao da ordem, da autoridade e da integridade colectiva, ameaados pelo crime: aco destinada a estigmatizar e punir aqueles que infringem a lei, levada a cabo pelos agentes formalmente nomeados como guardies da moralidade e da ordem pblica. Em finais do sculo XIX, o crime e as suas formas de combate tinham uma presena diria na imprensa, que no se limitava a noticiar os casos ocorridos no pas, mas alargava o tratamento do crime aos casos publicados na imprensa estrangeira, relatados pelos correspondentes. Na verdade, tal como afirma Maria Joo Vaz, esta uma poca em que o crime era percepcionado como um problema social em crescimento que ameaava o progresso e a modernizao do pas e os novos interesses que se iam implantando. Uma das formas de abordagem do crime e das instituies judicirias utilizadas pelo Dirio de Notcias, durante o ano de 1892, ocorria atravs do relato repetido e dirio das rotinas criminais quotidianas, das formas mundanas da criminalidade tornadas prximas e familiares pelo discurso do jornal a partir de fontes institucionais: as ocorrncias policiais e as queixas efectuadas nas esquadras da polcia. Estas ocorrncias e participaes eram noticiadas de uma forma abreviada e estilizada e agrupadas, consoante as infraces a que se reportava a informao, em espaos noticiosos (com permanncia diria no jornal) a que eram dados os seguintes ttulos: Atropelamentos Desordens e Agresses ou Agresses e Desordens, Agresses e Barulhos e baralhas; Furtos, Gatunos, Gatunos e as suas obras ou Amigos do alheio. Na rubrica Atropelamentos eram mencionadas as prises de cocheiros ou empregados dos transportes que tinham atropelado algum na via pblica e eram identificadas as vtimas destes acidentes e a extenso dos ferimentos que tinham sofrido. Nas rubricas Desordens e Agresses, Agresses e Desordens, Agresses e Barulhos e baralhas so tratadas as formas de violncia resultantes da resoluo dos conflitos quotidianos que ocorrem, geralmente, nas esferas de interaco domstica, de vizinhana, laboral e de lazer dos grupos sociais trabalhadores e populares. Abordagens que participam na transformao do estatuto da violncia, que passa, cada vez mais, de prtica cultural de resoluo de conflitos correntes nas sociabilidades quotidianas a uma prtica considerada como delinquente e que apenas lcita quando exercida pelo Estado.Tal como explica Foucault, este um processo alimentado pelo estreitamento da relao entre o poder disciplinar e o poder penal que se alastra a todo o corpo social e, gradualmente, permite passar, como que naturalmente da desordem infraco e em sentido inverso da transgresso da lei ao desvio em relao a uma regra, a uma mdia, a uma exigncia, a uma norma. Em todos estes espaos do jornal so noticiados casos de ofensas corporais que resultaram em prises ou cujas vtimas foram tratadas nos hospitais ou farmcias e, na maior parte das vezes, apresentaram queixa s autoridades. So, geralmente, longas listas (que chegam a ocupar quase uma coluna inteira do jornal) em que so apresentados a identificao do agressor (nome e morada, quando eram conhecidos), a arma utilizada na agresso, o nome, a morada, a localizao e gravidade dos ferimentos das vtimas e os locais onde foram agredidas e assistidas. Nos espaos intitulados Desordens e agresses ou Agresses e desordens fala-se, tambm, de desordens, de episdios em que conflitos entre dois ou mais indivduos resultam em agresses e ferimentos graves. A rubrica Barulhos e baralhas para alm de noticiar tambm casos de agresso e de desordem (que, no fundo, surgem nestas vrias rubricas sem critrios de insero aparentes) fala de prises de cocheiros e empregados dos transportes por maus tratos a animais ou por excesso de velocidade, casos de violncia domstica e conjugal em que a polcia foi chamada a intervir ou cujas vtimas apresentaram queixa s autoridades, e de desacatos, de injrias, desobedincia e violncia contra a autoridade. Nas rubricas Furtos, Gatunos, Gatunos e as suas obras ou Amigos do alheio so noticiados casos de furto, de burla e de abuso de confiana. Nestes espaos so, essencialmente, noticiados os pequenos delitos contra a propriedade avaliados em relao aos objectos e valores envolvidos e no utilizao de violncia. Desta forma, so ocupados por listas das capturas dos indivduos envolvidos nestes crimes e das queixas apresentadas nas esquadras da polcia pelas suas vtimas. Nestas listas referido o trabalho policial que tinha permitido as prises e as circunstncias em que tinham sido efectuadas, a identificao dos indivduos envolvidos nos crimes (nomes ou alcunha e morada) e o nome e morada das vtimas que tinham apresentado queixa. Para alm destes aspectos, eram referidos os locais em que tinham sido praticados os crimes e os objectos e montantes pecunirios furtados. Nas rubricas Gatunos e as suas obras e Amigos do alheio, para alm dos casos de furto (presentes em todas estas rubricas), so noticiadas capturas de sujeitos envolvidos em crimes de abuso de confiana e de burla e as queixas apresentadas nas esquadras pelas vtimas destes crimes. Esta presena diria da pequena criminalidade nas pginas do Dirio de Notcias, que tornada prxima e familiar pelo discurso do jornal atravs de formatos informativos, no s torna o crime um assunto de interesse pblico, como constri uma imagem deste tipo de criminalidade como um fenmeno rotineiro, permanente e reincidente que impregna a vida quotidiana da cidade e ameaa a ordem social e a segurana de pessoas e bens. Para alm de uma classificao dos comportamentos e prticas sociais consideradas criminosas, tem implcitas orientaes relativas quer s pessoas, grupos sociais e instituies nelas envolvidos quer s zonas inseguras da cidade: onde so cometidos crimes e onde vivem os infractores e as suas vtimas. Estas orientaes so expressas pela identificao social dos sujeitos envolvidos nos crimes noticiados e das suas vtimas. Mas, tambm, pela importncia que dada aco policial, mostrada como garante da ordem, autoridade e segurana pblicas, cuja eficcia, esforo e empenhamento no combate ao crime e na proteco da populao so realados pelo relato dirio, no s dos crimes que desvenda e das capturas que efectua, como das queixas que recebe das vtimas de crimes, que so, assim, incentivadas a apelarem lei para proteco e sensibilizadas para a ameaa social que o crime significa. Tal como afirma Foucault, A notcia policial, por sua redundncia quotidiana, torna aceitvel o conjunto dos controles judicirios e policiais que vigiam a sociedade; conta dia a dia uma espcie de batalha interna contra o inimigo sem rosto; nessa guerra constitui o boletim quotidiano de alarme ou de vitria.Por outro lado, participava num longo trabalho para impor percepo que se tinha dos delinquentes contornos bem determinados: apresent-los como bem prximos, presentes em toda a parte e em toda a parte temveis. 4- Traos do crime no Dirio de Notcias de 1892 Vimos que os crimes noticiados pelo Dirio de Notcias eram apresentados aos leitores na forma de relatos sintticos e breves em rubricas dirias, mas eram tambm narrados na forma de registos detalhados e de relatos de acontecimentos transformados em estrias do crime.Este tipo de cobertura do crime era reservado aos crimes considerados mais graves e com maior interesse, que eram objecto de um tratamento noticioso mais minucioso seja quanto aos detalhes do crime e das diligncias policiais utilizadas na descoberta e captura dos sujeitos que os praticavam, seja quanto identidade social do infractor cujo carcter violento ou industrioso, biografia ou carreira criminosa era apresentada aos leitores e relacionada com as causas do crime. Como verificado, as principais fontes de informao sobre o crime utilizadas pelo jornal eram os registos policiais onde constavam as ocorrncias policiais e as queixas apresentadas pelas vtimas de crimes.Ora, embora a criminalidade participada s autoridades seja geralmente considerada como o registo mais aproximado da real incidncia do crime em termos quantitativos, temos de ter sempre em linha de conta que a cifra negra, ou seja, o nmero de ocorrncias de crimes que no so participados s autoridades e, muitas vezes, no so sequer detectados, muito grande. Por outro lado, so muito diversificados e vastos os factores que influenciam a maior ou menor vontade de participar s autoridades a ocorrncia de determinado crime, como a proximidade espacial da autoridade e o acordo com o sistema de justia penal em vigor, entre muitos outros. Assim, os padres da criminalidade que determinados a partir da cobertura do crime feita por um jornal como o Dirio de Notcias surgem delimitados por vrios factores. Na verdade, se por um lado a mediao editorial baseada em pressupostos de objectividade jornalstica dita uma postura positivista no relato do crime e, neste sentido, uma preocupao com a reproduo fiel dos acontecimentos, por outro lado, as estratgias comerciais as dinmicas organizacionais, as prticas e rotinas produtivas do jornal e as convenes profissionais implicam processos de seleco das notcias que vo condicionar o que apresentado aos leitores em funo do espao disponvel no jornal para a apresentao de notcias. Desta forma, nem sempre o jornal noticiava a totalidade dos crimes que constavam dos registos policiais e nem dava a mesma evidncia social a todo o tipo de ocorrncias. Com efeito, o entrelaamento destes factores gera uma estrutura de enquadramento das notcias constituda por convenes narrativas e mapas de significados sociais dominantes onde so encaixados os acontecimentos, que constri uma determinada realidade social quotidiana, permite que todas as novas realidades sejam inseridas na estrutura de significados j existente e leva a que todos os factos que no se inserem nessa estrutura no sejam noticiados. O recurso s fontes oficiais para a cobertura do crime assegurava ao jornal um fluxo dirio de notcias sobre o crime e a credibilidade dos factos noticiados, no entanto, levava a que os crimes noticiados fossem apenas aqueles disponibilizados pelas autoridades policiais e cuja divulgao no colocava em risco aces de investigao e de combate ao crime e cumpria as limitaes liberdade de imprensa em vigor. Por outro lado, fazia com que o discurso do jornal sobre o crime fosse, em grande parte, uma traduo pblica das perspectivas oficiais sobre as prticas sociais classificadas como crimes e os indivduos e grupos sociais que estavam ligados a estas prticas. Neste contexto, o relato do Dirio de Notcias sobre o crime transporta para o conhecimento pblico definies selectivas da realidade criminal, construdas segundo uma lgica do socialmente emergente que o jornal ajudava a confirmar e a reforar. Por isso, susceptvel de ser reconhecido, que tais prticas jornalsticas reproduzem as representaes sociais dominantes sobre o crime da poca e testemunham alguns traos das tendncias e caractersticas gerais da criminalidade, produzidas a partir dos consensos sociais particulares sobre as prticas sociais e os grupos e indivduos considerados ameaadores da ordem social. Vejamos ento quais os vectores principais das tendncias e caractersticas da criminalidade veiculada pelo Dirio de Notcias: durante o ano de 1892, o jornal noticiou 3.445 crimes e a priso ou acusao de 4.276 pessoas. A distribuio destas notcias apresenta as seguintes caractersticas: crimes contra as pessoas 52%, crimes contra a propriedade 34%, crimes contra a ordem e tranquilidade pblica 12% e contravenes 2%. Como mostra o quadro seguinte, nos crimes contra as pessoas os crimes mais noticiados so os ferimentos e ofensas corporais que renem 73% dos casos e logo a seguir as desordens com 20%. Tipo de crimeNr de casos%Abandono de crianas30,17Aborto e infanticdio110,61Abuso sexual de menores181Desordens35419,7Ferimentos e ofensas corporais131873,2Homicdio/tentativa de homicdio784,33Honra e difamao40,22Seduo120,67Violao20,11Total1800100 Figura 1: Crimes contra as pessoas Com efeito, o crime de ferimentos e ofensas corporais foi o tipo de crime mais noticiado pelo jornal durante o ano analisado reunindo 38% do total de notcias e as desordens o terceiro tipo de crime mais noticiado com 10% do total de notcias. Em 89% dos casos os ferimentos e as ofensas corporais foram praticados por um ou dois indivduos e do total de 1297 pessoas envolvidas na prtica deste delito 89% eram homens e 11% mulheres. Foram vtimas destas agresses 1303 pessoas das quais 870 eram homens e 433 mulheres. A maioria das ofensas corporais ocorreu no distrito de Lisboa (apenas 6 casos de ofensas corporais foram praticados noutros distritos). Por outro lado, dos 75% dos casos em que o jornal informa onde se deu a agresso, 91% das ofensas corporais deram-se nas ruas, 6% na residncia da vtima ou vtimas (casos de violncia conjugal, familiar ou entre pessoas que partilhavam a mesma casa) e 2,5% em tavernas, tabernas ou lojas de bebidas. De referir que a violncia conjugal e familiar no era apenas exercida na privacidade do lar, mas tambm publicamente nas ruas da cidade. Esta era destacada pelo jornal ao ser o nico tipo de episdios em que dava a informao do estado civil das vtimas e dos infractores, o que aconteceu para 7% dos infractores e 6% das vtimas envolvidas em crimes de ferimentos e ofensas corporais que, na sua maioria, eram casados ou viviam em unio de facto. No que diz respeito s desordens, em 35% dos casos o jornal referencia a sua prtica em grupo e em 63% dos casos a sua prtica por um ou dois indivduos. A informao contraditria em relao s desordens veiculada pelo jornal resulta das fontes utilizadas, dado que, para alm da sua ocorrncia o jornal noticia a captura de participantes em desordens, na maior parte das vezes referindo-se apenas a algumas pessoas singulares que a intervieram. O jornal identifica 799 indivduos capturados por participao em desordens, 85% dos quais eram homens e 15% mulheres. Na sua maioria so delitos praticados no distrito de Lisboa (apenas 4 casos se do noutros distritos). Embora o jornal desse maior nfase s desordens que ocorriam nas tabernas, tavernas e lojas de bebidas, associando estes lugares a interaces marginais ligadas violncia, ao consumo desmedido de bebidas alcolicas e ao crime, apenas 9,6% das desordens de que deu notcia se deram nestes lugares, 86% das desordens irromperam nas ruas da cidade e 3% entre os habitantes de casas particulares. Os homicdios e tentativas de homicdio correspondem a 4% dos crimes contra as pessoas e a 2% do total de crimes relatados pelo jornal. Levaram priso de 79 homens e 3 mulheres e as suas vtimas foram 61 homens e 18 mulheres. A maioria dos homicdios narrados pelo jornal cometida fora de Lisboa (70% dos 66 homicdios em que referido o local onde foram cometidos). Dado o grau excepcional de violncia que envolve o tipo de crime a que era dado maior relevo pelo jornal atravs de uma narrativa minuciosa e continuada quer dos detalhes que enquadravam a sua prtica quer do desenlace da investigao policial, captura dos homicidas e respectiva condenao. No que diz respeito utilizao de armas na prtica destes crimes, o jornal informa que em 33% das ofensas corporais foram utilizadas armas. Em 71% dos casos foram usadas armas de arremesso distribudas pelas seguintes categorias: bengaladas 14%, pedradas 10% e outras 47%. Esta ltima agrupa variados objectos que vo desde paus, guarda-chuvas, utenslios de cozinha (pratos, tigelas, panelas, copos, garfos, garrafas, bilhas), chaves e peas de mobilirio ou decorativas como vasos e bancos, entre outras, mostrando que, quando os nimos se exaltavam, tudo o que estava mo servia para agredir. Em 28% das ofensas corporais foram utilizadas armas brancas (navalhas de ponta e mola, facas e canivetes). Apenas em 6% das desordens o jornal assinalou o recurso a armas, em 86% dos casos armas brancas. No que diz respeito aos homicdios e tentativas de homicdio, em 44% das ocorrncias dada a informao sobre o tipo de arma utilizada: em 41% dos casos foram usadas armas brancas, em 32% armas de fogo e em 26% paus, machados e enchadas. Na realidade, embora sejam as armas de arremesso as mais utilizadas utilizao de armas brancas que o jornal d maior nfase, destacando os casos de ofensas corporais e desordens em que estas so utilizadas em notcias intituladas de Facadas ou Facada, onde ou agrupava vrios registos destes casos ou narrava as estrias que tinham levado sua utilizao, criando um alarme social em relao perigosidade do hbito corrente de uso das navalhas como instrumentos utilitrios ou de defesa que, facilmente, poderiam ser transformados em armas mortferas no decorrer de desavenas entre grupos sociais vistos como briguentos e impulsivos por natureza. neste contexto que, em Novembro de 1892, um jornalista do Dirio de Notcias propunha a punio severa do uso, fabrico e venda de navalhas de ponta e mola e afirmava que: Raro o dia em que os jornais no tm de noticiar ferimentos e tentativas de homicdio praticados com a traioeira navalha. (...) Estes factos depem muito contra a civilizao em Portugal.(...) Muitas vezes a traioeira navalha aberta no decurso de uma luta ou pugilato que sem isso teria apenas ligeiras consequncias, outras serve a faca de executar a espera e o assassnio premeditado. No que diz respeito profisso dos indivduos envolvidos nestes crimes, apenas em relao a 25% referida a sua ocupao profissional, destes 30% eram trabalhadores de indstrias (que se dedicavam a variadas artes e ofcios), 16,5% trabalhadores indiferenciados, 14% empregados civis e militares, outros 14% eram cocheiros e empregados dos transportes, 13% pequenos comerciantes e empregados do comrcio e 5% criado(as) de servir. No que diz respeito aos crimes contra a ordem e tranquilidade pblica, pode verificar-se no quadro seguinte que o delito mais referido pelo jornal o de desobedincia, injrias e violncia contra a autoridade. Este rene 42% desta categoria de crimes e 5% do total de crimes (quarto tipo de crime mais noticiado). Em seguida surgem os desacatos com 17% das notcias. Tipo de crimeNr de casos%Abuso de liberdade de imprensa20,5Desacatos7117Desobedincia, injrias e violncia contra a autoridade 174 42Embriaguez267,2Emigrao ilegal265Falsificao e passagem de moeda falsa184,4Lotarias61,5Mendicidade71,7Ofensas moral122,9Porte de arma proibida102,4Resistncia priso266,3Vadiagem327,8Total384100 Fig. 2: Crimes contra a ordem e tranquilidade pblica As desobedincias, injrias e violncia contra a autoridade, em 90% dos casos relatados foram praticadas por um ou dois indivduos. Foram presas 259 pessoas pela prtica deste delito, 245 homens e 14 mulheres. Em 16 dos casos foram utilizadas armas: em 6 armas brancas, em 2 bengaladas e em 8 outro tipo de armas de arremesso. Os 71 casos de desacatos levaram priso de 123 pessoas, 114 homens e 9 mulheres e em 84,5% dos casos foram praticados por um ou dois indivduos. A resistncia priso foi praticada por 27 indivduos e, na maioria dos casos, por um ou dois sujeitos. Apenas em relao a cerca de 27% dos sujeitos envolvidos nos crimes de desobedincia e de desacato identificada a profisso e destes 48% eram trabalhadores das indstrias, 17% trabalhadores indiferenciados, 10% cocheiros e empregados dos transportes, 8% pequenos comerciantes e empregados do comrcio e outros 8% empregados civis e militares. No discurso do jornal, a prtica dos delitos de desobedincia, injrias e violncia contra a autoridade e de resistncia priso surge associada, em grande parte, ao desfecho de episdios de ofensas corporais, desordem e desacato em que as autoridades intervm para repor a ordem pblica e so, algumas vezes, tambm vtimas de agresses. Da mesma forma, as notcias de porte de armas proibidas reportam-se a situaes em que indivduos eram presos por estes crimes e lhes eram encontradas armas brancas. Tambm alguns dos casos de embriaguez de que o jornal deu notcia surgem associados prtica destes delitos sendo o estado alterado de conscincia provocado pelo lcool ligado ao exerccio da violncia que os caracteriza. Outros, a indivduos que foram encontrados inconscientes cados na rua e levados para as esquadras para passarem a noite. A vadiagem um delito que, pelo nmero de casos noticiados, aparentemente, no tem grande expresso face ao conjunto de crimes mais referidos pelo jornal, embora esta fosse uma prtica fortemente reprimida na poca pela sua associao a um modo de vida marginal de iniciao no crime, marcado pela indisciplina e pela rebeldia face s normas sociais vigentes, fortemente aliceradas pelos valores do trabalho e da famlia, meios por excelncia de integrao social. A maioria dos 32 casos relatados pelo jornal surge a partir de Abril de 1892 aps a promulgao da lei que condenava os criminosos reincidentes e, entre estes, os vadios, ao transporte para frica e integrao social coerciva pelo trabalho.Assim, muitas destas notcias assinalam a maior represso de que passa a ser alvo a vadiagem, perseguida pelas autoridades policiais atravs de rusgas e rondas, que so louvadas pelo jornal, em nome da segurana de todos, em notcias em que informava a captura de vadios. Destas resultaram a priso de 108 indivduos. No entanto, para alm de informar sobre a captura de vadios, o jornal alertava tambm para a sua sada da priso em notcias com ttulos do tipo: Vadios solta ou Mais vadios em que anunciava que os vadios libertados iriam ser entregues s autoridades para que lhes fosse dado trabalho e avisava os leitores para terem cuidado com as algibeiras.A imagem da perigosidade do vadio e a sua associao prtica de crimes, particularmente o furto, era construda pelo jornal atravs da frequente classificao de vadios e gatunos e de gatunos e vadios dos indivduos capturados por vadiagem ou por furto.O seu carcter indisciplinado e incorrigvel era traado pela descrio das suas trajectrias sociais marcadas pela prtica precoce de delitos e pela continuada reincidncia no crime, enunciada pelo grande nmero de condenaes por vrios delitos que alguns indivduos contavam no seu cadastro. Era atravs da dramatizao destes casos, paradigmticos do ponto de vista do que procurava sublinhar, que o jornal amplificava o perfil criminoso do vadio e o problema social da reincidncia. Na verdade, o furto o segundo tipo de crime mais noticiado pelo jornal reunindo 29% do total de notcias sobre crimes. No mbito da categoria de crimes contra a propriedade foi o tema de 87% das notcias, tal como mostra o quadro seguinte: Tipo de crimeNr de casos%Abuso de confiana151,3Burlas413,54Danos151,3Desfalque20,17Furtos100787Receptao40,35Roubos736,31Total1157100 Fig. 3: Crimes contra a propriedade Dos 1004 sujeitos identificados como envolvidos na prtica deste delito 85% eram homens e 15% mulheres. Foram identificadas 658 vtimas de furtos, 81% destas eram homens e 19% mulheres. A ateno que dada prtica deste delito pelo jornal estruturada quer pelo nmero de casos que relata, muitos relativos a pequenos furtos, quer pelo destaque que lhe d atravs de estratgias discursivas organizadas em torno da discusso de valores, normas e significados culturais, tais como: o respeito pelas regras da propriedade privada, a indignao pelo desrespeito de valores como a confiana, a gratido e a fidelidade - indiciadores do tipo de carcter das pessoas que o praticavam e da natureza ardilosa deste tipo de crime - e a insegurana. Desta forma, o jornal destacava os casos praticados em grupo; a proximidade social entre os infractores e as vtimas (furtos entre familiares, vizinhos, companheiros de casa, colegas de trabalho, hspedes de casas particulares); a insegurana dos espaos pblicos (zonas da cidade, salas de espectculos, mercados e feiras e transportes pblicos); os expedientes utilizados pelos cavalheiros de indstria; e os furtos praticados por empregados nas casas e estabelecimentos em que trabalhavam, nos quais eram destacadas algumas categorias socioprofissionais como as criadas e criados, os caixeiros, os maranos e os moos (de padaria, de fretes, de cocheira, etc.), que eram classificados de infiis e ingratos. Um outro vector do discurso sobre o furto era a importncia dada iniciao precoce na prtica deste delito, expressa atravs da nfase dada aos furtos praticados por crianas e jovens, muitos dos quais pertencentes a estas categorias socioprofissionais. Assim, dos 32% de pessoas envolvidas em furtos em que o jornal informa qual a profisso que desempenhavam, 30% eram criados e criadas de servir (33% desta categoria), 22% trabalhadores das indstrias, 21% pequenos comerciantes e empregados do comrcio, 10% trabalhadores indiferenciados, 8% empregados civis e militares e 7% cocheiros e empregados dos transportes. Os roubos foram objecto de 6% das notcias, a maioria relativa a roubos praticados no distrito de Lisboa, e envolveram a priso de 85 pessoas, 76 homens e 9 mulheres. As suas vtimas foram 24 homens e 6 mulheres. As burlas aparecem com 3,5% das notcias. No sendo delitos com grande expresso na cobertura do crime feita pelo Dirio de Notcias, contudo, so, tambm, crimes destacados pelo jornal: os roubos pela violncia que implicam e as burlas, tal como os abusos de confiana, pela descrio das estratgias utilizadas pelos criminosos para enganar as suas vtimas. No que diz respeito s contravenes, a maior parte das notcias, 77% refere-se a prises de cocheiros e empregados de transportes por atropelamentos e excesso de velocidade nas ruas de Lisboa e 11% por maus tratos dados a animais que eram postos a trabalhar em pssimas condies de sade e chicoteados nas ruas. O discurso do jornal sobre estes delitos organiza-se em torno da necessidade de disciplinar o trnsito da cidade que era catico e punha em perigo a segurana das pessoas e da reprovao da violncia exercida sobre os animais utilizados nos transportes. A construo da indisciplina e da violncia como um problema social um dos traos principais que resulta da anlise do discurso sobre o crime deste jornal. Como exposto, so os delitos marcados pela agresso fsica e pela violncia que constituem os crimes mais noticiados pelo jornal (58% das notcias). A imagem que nos dada pelo jornal do quotidiano lisboeta de ento traada por uma criminalidade com baixos nveis de violncia mais grave (expressa pelo peso diminuto dos homicdios e roubos), mas com um grau elevado de recurso violncia, indiciando a persistncia de valores sociais que toleram a agresso enquanto forma privilegiada de resoluo das tenses e conflitos das relaes sociais ao nvel interpessoal, familiar e grupal. Ao mesmo tempo, mostra um processo de represso e criminalizao de comportamentos e atitudes sustentado pela construo da intolerncia violncia e indisciplina, que so definidos como comportamentos desviantes. Outro vector determinante traado pelo peso do furto nas tendncias da criminalidade veiculadas pelo jornal. Este reala a construo social de normas que valorizam a propriedade privada atravs da reprovao de qualquer tipo de infraco dessas normas, por mais insignificante que fosse. Mas, tambm, o recurso frequente das camadas da populao mais vulnerveis e em situao de maior precariedade econmica a formas alternativas de mobilidade social e de sobrevivncia, como forma de resposta s tenses sociais da sociedade de ento que so caladas pelo jornal no seu discurso sobre o crime. Atravs destes dois vectores e de um discurso normativo e valorativo - que se insinua para alm dos pressupostos de objectividade jornalstica assumidos pelo jornal para ir ao encontro do papel moralizador que chamou a si - construda a visibilidade pblica da figura do criminoso, tornada familiar pelo discurso do jornal, e a associao desta s camadas populares, vistas como necessitadas de uma interveno moralizadora e educativa que pudesse modificar os seus comportamentos e atitudes, inconvenientes e perigosos para a integridade colectiva e incompatveis com o modelo de sociedade que se procurava implementar. Ao mesmo tempo, pelo alerta constante para o nmero e tipo de crimes praticados produzido um sentimento de insegurana que justificava a exigncia de medidas eficazes de combate ao crime. Bibliografia Bird, Elisabeth S. e Dardenne, Robert W., Mito, registo e estrias: explorando as qualidades narrativas das notcias, in Traquina, Nelson (org.), Jornalismo: Questes, Teorias e Estrias, Lisboa, Vega, 1993 Cunha, Alfredo, Dirio de Notcias. A sua fundao e os seus fundadores. Alguns factos para a histria do jornalismo portugus, Lisboa, Edio comemorativa do cinquentenrio do Dirio de Notcias, Dirio de Notcias, 1914. Dirio de Notcias, Janeiro a Dezembro de 1892 Ericson, Richard V. (ed.), Crime and the Media, The international library of criminology, Criminal Justice and Penology, Dartmouth Publishing Company Limited, 1995. Fatela, Joo, O sangue e a rua. Elementos para uma antropologia da violncia em Portugal (1926-1946), Lisboa, Publicaes D. Quixote, 1989. 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Ramos, Rui, A Nao Intelectual, in Mattoso, Jos (dir.), Histria de Portugal. A segunda Fundao (1890-1926). Sexto volume, Crculo de Leitores, 1994. Rebelo, Jos, O Discurso do Jornal. O como e o porqu, Lisboa, Editorial Notcias, 2000. Rodrigues, Adriano Duarte, O acontecimento, in Traquina, Nelson (org.), Jornalismo: questes, teorias e estrias, Lisboa, Vega, 1993. Serrano, Manuel Martin, La mediacin de los medios de comunicacin, in Moragas, M. De, (ed.), Sociologa de la comunicacin de masas. I. Escuelas y autores, Editorial Gustavo Gili, S, s.d., Tengarrinha, Jos, Histria da Imprensa Portuguesa, Lisboa, Editorial Caminho, 1989, (2 edio). Vaz, Maria Joo, Crime e Sociedade. Portugal na segunda metade do sculo XIX, Oeiras, Celta Editora, 1998 Vaz, Maria Joo, Crimes e cidades: Lisboa nos finais do sculo XIX, p. 143, in Vaz, Maria Joo, Relvas, Eunice e Pinheiro, Nuno (org.), Excluso na Histria. Actas do colquio internacional sobre excluso social, Oeiras, Celta editora, 2000. Wolf, Mauro, Teorias da Comunicao, Lisboa, Editorial Presena, 1987.  Segundo Tengarrinha, com a revogao das lei das rolhas em 1851 instaura-se uma poca de florescimento do periodismo portugus: assim, entre 1850 e 1859 foram criados, em mdia, 35 peridicos; entre 1860 a 1869, 67; de 1870 a 1879, 90; e de 1880 a 1889, 184. In, Tengarrinha, Jos, Histria da Imprensa Portuguesa, Lisboa, Editorial Caminho, 1989, (2 edio), p.184. Segundo Oliveira Marques, em 1899 existiam 583 peridicos editados em portugus. No Continente 82%, Ilhas Ultramar e estrangeiro, 9%. Metade das publicaes concentrava-se em Lisboa e no Porto: os peridicos publicados em Lisboa correspondiam a 25% do total geral ou a 31% dos do Continente; os publicados no Porto correspondiam a 1% do total geral e a 13% dos publicados no Continente. In Marques, Oliveira, A. H. , Histria de Portugal, Vol. III. Das Revolues Liberais aos nossos dias, Lisboa, Editorial Presena, 1998.  Cunha, Alfredo, Dirio de Notcias. A sua fundao e os seus fundadores. Alguns factos para a histria do jornalismo portugus, Lisboa, Edio comemorativa do cinquentenrio do Dirio de Notcias, Dirio de Notcias, 1914, p. 8. Na obra dirigida por Mattoso, Rui Ramos refere que nos primeiros seis meses de 1891 surgiram 86 novos jornais que, na sua maioria, no sobreviveram at ao ano seguinte. No princpio do sculo XX, o tipo de jornal que existia em quase todos os distritos era semanal (64% do total de jornais). Cerca de 67% destes jornais tinham tiragens de duzentos a trezentos exemplares. A linha editorial de 48% dos jornais era poltica. Em Lisboa e no Porto concentravam-se 42% de todas as publicaes e era onde havia jornais dirios (apenas vora tinha tambm um jornal dirio), e jornais com tiragens superiores a 3000 exemplares. Entre Lisboa e o Porto repartiam-se os jornais com maiores tiragens: nove jornais com tiragens superiores a dez mil exemplares cada um. Ramos, Rui, A Nao Intelectual , in Mattoso, Jos (dir.), Histria de Portugal. A segunda Fundao (1890-1926). Sexto volume, Crculo de Leitores, 1994, pp. 48-49.  Assuntos do dia, Dirio de Notcias, 1 de Janeiro de 1892. Editorial em que o jornal reafirma a frmula do seu sucesso, vinte e oito anos depois de surgir no mercado.  Tal como explica Mrio Mesquita, ser apenas no incio do sculo XX que a objectividade jornalstica se impor, nos Estados Unidos, como valor jornalstico e ser consagrada nos cdigos deontolgicos do jornalismo como conceito tico. Mesquita, Mrio, Em Louvor da Santa Objectividade, in Mesquita, Mrio, O Quarto Equvoco. O Poder dos Media na Sociedade Contempornea, Coimbra, Edies Minerva, Novembro de 2003, pp. 207-209.  Hackett, Robert A.,Declnio de um paradigma? A parcialidade e a objectividade nos estudos dos media noticiosos, in Traquina, Nelson (org.), Jornalismo: Questes, Teorias e Estrias, Lisboa, Vega, 1993, p. 105.  Dirio de Notcias, 29 de Dezembro de 1864, editorial de Eduardo Coelho. Neste editorial, Eduardo Coelho explicava que se tratava de trazer para Portugal um tipo de publicao que tinha obtido muito sucesso noutros pases da Europa: Frana, Inglaterra, Blgica e Espanha.  Rebelo, Jos, O Discurso do Jornal. O como e o porqu, Lisboa, Editorial Notcias, 2000, p. 16.  Ibidem, pp. 16 e 17. A crtica ao pressuposto de objectividade da actividade jornalstica ir contrapor uma viso do jornal como produtor de realidade e uma concepo da actividade informativa como um processo social complexo, porque mediado por uma multiplicidade de variveis relativas s relaes que se estabelecem entre os seus contextos de produo e de reconhecimento. Para uma sntese da crtica ao pressuposto de objectividade da actividade jornalstica ver pginas seguintes desta obra de Jos Rebelo. Referimo-nos a critrios de relevncia jornalstica conjunto de requisitos que se exigem dos acontecimentos do ponto de vista da estrutura do trabalho nos rgos de informao e do ponto de vista do profissionalismo dos jornalistas para adquirirem a existncia pblica de notcias. Wolf, Mauro, Teorias da Comunicao, Lisboa, Editorial Presena, 1987, p. 168. At aqui no havia a preocupao com a actualidade das notcias que eram publicadas com um atraso de vrios dias. Estas chegavam aos jornais atravs dos correspondentes (apenas nas capitais de distrito), dos leitores que escreviam ou se dirigiam ao jornal contando algum facto de interesse e da leitura das edies de outros jornais nacionais ou estrangeiros. Com os progressos nos meios de comunicao os jornais passam a dispor do telgrafo como veculo informativo que lhes permite desenvolver um servio de informaes mais eficaz. Tengarrinha, op. cit., pp. 216-217.  Dirio de Notcias, 29 de Dezembro de 1864, editorial de Eduardo Coelho.  Cunha, Alfredo, op. cit., p. 23.  Se o primeiro nmero do Dirio de Notcias contava apenas com quatro anncios, ao fim do primeiro ano, o jornal tinha publicado uma mdia de 48 anncios por nmero e, em 1885, j publicava, em mdia, 490 anncios. Durante o ano de 1891, o jornal publicou por dia, em mdia, 533 anncios, pelos quais cobrava 20 ris a linha. Assuntos do dia, Dirio de Notcias, 1 de Janeiro de 1892. Segundo Alfredo Cunha, o preo da publicidade em Londres era de 240 ris a linha e em Viena de 80 ris. O autor refere, tambm, a enorme importncia que o grande aumento da publicidade publicada na imprensa viria a ter na dinamizao da vida econmica da cidade de Lisboa, na medida em que a publicidade passou a ser um intermedirio poderoso da maior parte dos negcios e condio indispensvel para o bom xito da maior parte das imprensas.Ibidem, pp. 11 e 52-53.  Em Maro de 1865 o Dirio de Notcias era vendido nas ruas por trinta ardinas que obtiam um lucro dirio de 200 a 400 ris. Assuntos do dia, Dirio de Notcias, 29 de Maro de 1865. Seis meses depois, existiam cerca de 100 ardinas a vender o jornal que recebiam 2 ris por cada jornal vendido. Em 1887, organizaram-se numa associao de classe e, em 1891, estavam registados no Governo Civil de Lisboa 9.750 vendedores ambulantes de jornais. Aps o surgimento do Dirio Notcias os prelos mecnicos e motores a vapor aumentaram em vinte anos de 6 para 54. Alfredo Cunha, op. cit., p. 73.  Os valores notcias so componentes dos critrios de noticiabilidade dos acontecimentos que operam ao longo de todo o processo de produo de notcias e derivam de pressupostos relativos s caractersticas substantivas das notcias; ao seu contedo; disponibilidade do material e aos critrios relativos ao produto informativo; ao pblico; concorrncia. Wolf define-os como qualidades dos acontecimentos, ou da sua construo jornalstica, cuja presena ou ausncia os recomenda para serem includos num produto informativo e afirma que so as diferentes relaes e combinaes que se estabelecem entre diferentes valores/notcia, que recomendam a seleco de um facto., op. cit., pp. 173-177 (itlico do autor).  Hall, Stuart et al, A produo social das notcias: o mugging nos media, in Traquina, Nelson (org), Jornalismo: questes, teorias e estrias, Lisboa, Vega, 1993, p. 224.  Giddens, A., As consequncias da Modernidade, Oeiras, Celta, 1992, pp. 50-60 ou, ainda, Giddens, A., Modernidade e Identidade Pessoal, Oeiras, Celta, 1997, pp. 4 22.  Serrano, Manuel Martin, La mediacin de los medios de comunicacin, in Moragas, M. De, (ed.), Sociologa de la comunicacin de masas. I. Escuelas y autores, Editorial Gustavo Gili, S., p. 154. Rebelo, Jos, op. cit., p. 45. Segundo Tengarrinha, em 1870 a imprensa inaugurou um modelo de jornal que consistia em duas pginas de texto e duas de publicidade e, em 1880, foram introduzidos os ttulos e subttulos. Tengarrinha, op. cit., p. 216.  Por vezes, as duas ou trs primeiras colunas da segunda pgina eram tambm ocupadas com notcias.  Rebelo, Jos, op. cit., pp. 46 e 47.  Rodrigues, Adriano Duarte, O acontecimento, in Traquina, Nelson (org.), Jornalismo: questes, teorias e estrias, Lisboa, Vega, 1993, p. 33.  Hall, Stuart et al, op. cit., pp. 237 - 238, (itlico do autor). O autor explica que, do ponto de vista dos factores envolvidos nos processos de produo de notcias, so considerados factos noticiveis os que se reportam a uma realidade problemtica, porque imprevisvel, invulgar e inesperada. Por outro lado, as notcias so enquadradas em mapas de significados que tm subjacente uma perspectiva de sociedade baseada na expectativa do consenso e da ordem, assente em meios de aco legtimos e institucionalizados. Na medida em que expressa desvios e ameaas que rompem as fronteiras desse consenso o crime quase por definio notcia. Idem, p. 237  Nesta poca, o noticirio criminal era delimitado pelo pressuposto que a cobertura do crime pela imprensa pudesse, no s prejudicar a aco policial na investigao dos crimes, como, tambm, levar ao incremento do crime, por via de um efeito de imitao decorrente da notoriedade que era dada aos criminosos pelas notcias. Esta preocupao era expressa como justificativo de algumas das limitaes liberdade de imprensa em vigor. Tengarrinha, op. cit., pp. 245-249.  Vaz, Maria Joo, Crime e Sociedade. Portugal na segunda metade do sculo XIX, Oeiras, Celta Editora, 1998, p. 15.  A fonte destas notcias indicada pelo jornal.  Para alm da cobertura diria das ocorrncias policiais e das participaes polcia, o jornal fazia uma cobertura assdua dos julgamentos e condenaes do tribunal da Boa-Hora, num espao intitulado Na Boa-Hora. Neste espao eram agrupadas vrias notcias sobre a realizao, adiamento e repetio de julgamentos, o andamento de processos dos vrios distritos criminais que seriam ali julgados e os julgamentos e respectivas sentenas deste tribunal.  Foulcault, Michel, Vigiar e Punir: nascimento da priso, Petrpolis, Editora Vozes, 1999, p. 247  Idem.  Muitos dos indivduos envolvidos em crimes eram identificados pelas suas alcunhas que so, por vezes, utilizadas pelo jornal como ttulos de notcias sobre criminosos clebres. Ttulos como: O Lagarto ou O Urso, so alguns exemplos. Dirio de Notcias, 17 de Julho de 1892 e 3 de Setembro de 1892. Alguns dos sujeitos envolvidos em crimes utilizam mais do que um nome, estratgia que dificultava a sua identificao e permitia que no fossem acusados pelos crimes que cometiam.  Foulcault, Michel, op. cit., p.247  Ibidem, p.237  Os espaos em que eram relatadas as ocorrncias policiais e as participaes de crimes correspondem a cerca de metade do total de notcias sobre o crime publicadas no Dirio de Notcias no ano de 1892 Por outro lado, nestes espaos que foram referidos a grande maioria dos crimes que foram notcia neste perodo.  Para uma explicao detalhada das notcias como registos ou estrias ver: Bird, Elisabeth S. e Dardenne, Robert W., Mito, registo e estrias: explorando as qualidades narrativas das notcias, in Traquina, Nelson (org.), Jornalismo: Questes, Teorias e Estrias, Lisboa, Vega, 1993, pp. 273-277.  Os critrios de noticiabilidade dos crimes tratados nestes formatos comunicativos eram articulados pela presena de diversos critrios de relevncia, entre estes: o recurso violncia e o grau de violncia utilizado, a reincidncia no crime, a menoridade do infractor, o facto de pertencer ou no a categorias sociais associadas prtica de crimes, a proximidade social entre o criminoso e a vtima ou o facto de alguns infractores ou vtimas serem figuras importantes da vida pblica. Nos crimes contra a propriedade os valores envolvidos, o facto de envolverem instituies pblicas, a esperteza ou engenho dos infractores na prtica do crime e a ingenuidade de algumas vtimas eram tambm aspectos relevantes. Nos crimes contra as pessoas para alm da violncia do crime (homicdios, tentativas de homicdio e ofensas corporais que resultavam em morte), o carcter violento e amoral do criminoso, a utilizao de armas brancas, a existncia de um grau de parentesco entre o agressor e a sua vtima e, no caso das desordens, o nmero de indivduos envolvidos, eram alguns dos critrios que faziam destes crimes notcia. Nos crimes contra a ordem e tranquilidade pblica, destacava-se a violncia exercida contra as autoridades policiais.  Como assinalado no captulo anterior, para alm dos registos policiais o jornal utilizava os julgamentos e condenaes do tribunal da Boa Hora como fontes de informao sobre o crime.  Tal como explica Maria Joo Vaz: O tipo de estatstica que criminologistas e historiadores concordam que se aproxima mais da real incidncia do crime a baseada nas queixas apresentadas polcia., op. cit., p. 131  Alteraes legais e administrativas do aparelho de justia que levem ao aumento da sua capacidade de interveno e reformas nas foras policiais que reforcem a sua capacidade de represso podem levar a um maior nmero de registo de crimes que pode no corresponder a um aumento da criminalidade. Do mesmo modo, a relao entre a permanncia de mecanismos internos de resoluo de conflitos no seio das comunidades e grupos sociais e o grau de confiana das populaes nas autoridades policiais, a persistncia de valores sociais que levam a uma maior ou menor tolerncia de determinadas prticas consideradas crime, a existncia de um clima de insegurana criado pela divulgao de determinados crimes na imprensa ou por experincias directas ou prximas de vitimao podem condicionar o nmero de participaes de crimes s autoridades policiais e levar a que determinados crimes sejam mais participados que outros. Vaz, Maria Joo, op. cit., pp. 116-117  Conforme Wolf, op.cit. Como verificado o Dirio de Notcias reservava apenas uma das suas pginas (por vezes tambm duas a trs colunas da segunda pgina) para a publicao de notcias ocupando as outras pginas com a publicidade. Numa das rubricas dirias publicada pelo jornal intitulada de Agresses o jornalista afirmava que face ao grande nmero de ocorrncias que constavam nos registos policiais apenas seriam noticiados os considerados mais graves, mostrando a forma como o espao disponvel agia como factor de seleco de notcias em conjunto com os critrios de relevncia jornalstica ditados pelas convenes da prtica jornalstica em vigor na poca e pela linha editorial do jornal. Dirio de Notcias, 5 de Abril de 1892.  Bird, Elisabeth S. e Dardenne, Robert W., op.cit., pp. 276-277  Do levantamento da cobertura do crime feita pelo Dirio de Notcias em 1892 foram registadas 1.324 notcias distribudas pelas seguintes categorias temticas: crime (1.042), criminalidade (14), criminosos (80), justia penal (154), poltica criminal (8) e priso (26). No total de crimes noticiados pelo jornal foram levados em conta apenas aqueles que constavam de notcias classificadas nas categorias crime, criminosos e criminalidade. Todos os crimes noticiados na categoria justia penal (referente a condenaes e julgamentos) no foram levados em conta para cingir a anlise ao ano de 1892 e evitar uma duplicao de casos, na medida em que os casos noticiados diziam respeito ou a crimes praticados em anos anteriores ou a crimes noticiados pelo jornal cujo castigo era, desta forma, dado a conhecer.  O jornal faz uma distino entre agresses e desordens. Embora estas duas prticas em termos jurdicos constituam um crime de ferimentos e ofensas corporais, manteve-se esta distino classificando as agresses como ferimentos e ofensas corporais e mantendo a classificao de desordens. No discurso do jornal as agresses distinguem-se pelo facto de existirem agressores e vtimas que apresentam queixa s autoridades. As desordens constituem uma prtica em que o recurso violncia emerge nas relaes entre dois ou mais indivduos, no existem agressores nem vtimas, embora alguns dos participantes possam ficar gravemente feridos todos so agressores e nenhum dos participantes apresenta queixa dos ferimentos que sofre. uma prtica reprimida por constituir uma alterao violenta da ordem pblica que dava muitas vezes origem a crimes de violncia contra as autoridades e resistncia priso, quando os participantes eram apanhados. Por isso, normalmente as vtimas das desordens eram agentes da autoridade, ou muito raramente algum que sofria algum ferimento por estar no local.  Dos 92 participantes em crimes de ofensas corporais em que referido o seu estado civil, 45 eram casados e 41 viviam em unio de facto, 6 eram solteiros. Das 84 vtimas destes crimes em que dito o seu estado civil, 35 eram casadas, 43 viviam em unio de facto e 6 eram solteiras.  A navalha e a hidrofobia, Dirio de Notcias, 29 de Novembro de 1892.  Embora o jornal refira apenas as profisses de apenas 13% das vtimas dos crimes contra as pessoas, a sua distribuio semelhante: 23% de trabalhadores das indstrias, 14% empregados civis e militares, 13% pequenos comerciantes e empregados do comrcio, 9% trabalhadores indiferenciados, 8% criados de servir, 8% agentes de autoridade, e 7% cocheiros e empregados dos transportes.  Do total de 85 agentes de autoridade que foram vtimas de crimes, 82 foram-no nestas situaes.  Tal como explica Maria Joo Vaz: A vadiagem, conotada com a recusa ao trabalho, seria o primeiro passo para uma carreira de crime. Esta era concebida como: uma doena de pessoas que, devido sua relativa fraqueza na luta pela sobrevivncia ou incapacidade de acatarem a disciplina social e laboral, estavam incapacitadas de se habituar ao ritmo e s condies do trabalho assalariado., op. cit., p.82  Vaz, Maria Joo, Crimes e cidades: Lisboa nos finais do sculo XIX, p. 143, in Vaz, Maria Joo, Relvas, Eunice e Pinheiro, Nuno (org.), Excluso na Histria: actas do colquio internacional sobre excluso social, Oeiras, Celta editora, 2000.  Para alm destes sujeitos capturados por vadiagem, o jornal d notcia da captura de trinta e tal mulheres vadias que no puderam ser contabilizadas devido inexactido do nmero. Mulheres vadias, Dirio de Notcias, 22 de Abril de 1892. Por outro lado, por vezes o jornal apenas informa que foram capturados vrios vadios, no dando o nmero exacto de pessoas capturadas. O mesmo acontece em relao mendicidade. Desta forma, nos nmeros apresentados existe um subregisto do nmero de pessoas envolvidas nestes dois tipos de delitos.  Dirio de Notcias, 6 de Agosto de 1892 e 11 de Setembro de 1892, entre outras.  A afirmao de um jornalista do Dirio de Notcias de que a vadiagem uma existncia ociosa que arrasta at ao crime um exemplo da relao que estabelecida entre a vadiagem e o crime no discurso do jornal e que enquadra a categorizao referida. Vadio, Dirio de Notcias, 14 de Julho de 1982.  Do total de 4.126 pessoas envolvidas na prtica de crimes (suspeitas ou capturadas) identificadas pelo jornal durante o perodo analisado, apenas 80 so indicadas como reincidentes: 48 no crime de furto, 7 no de desobedincia, 6 no de ferimentos e ofensas corporais, 3 no de roubo e 2 no de homicdio. Do total de 108 sujeitos capturados por vadiagem 5 eram reincidentes e, destes, 3 tinham no seu cadastro outro tipo de crimes (entre os quais o furto) e tinham j sido presos inmeras vezes: um 24, outro 32 e outro 48 vezes. Para alm destes sujeitos, o jornal identifica 6 pessoas presas por desacato, furto e desobedincia que tinham no seu cadastro a vadiagem. Apenas duas destas pessoas tinham tido j vrias passagens pela priso: um homem tinha estado preso 11 vezes e uma mulher, a quem chamavam a Carinhas, tinha estado presa 92 vezes. Estes nmeros so elucidativos da contradio encontrada entre a diminuta expresso da reincidncia nos crimes noticiados pelo Dirio de Notcia, e a constituio desta como um grave problema social. Na verdade, a recenso da reincidncia dos indivduos envolvidos em crimes era feita essencialmente atravs de adjectivaes continuadas, tais como: vadio de grande marca, famigerado gatuno e vadio, gatuno clebre, gatuno muito conhecido, gatuno e vadio incorrigvel, etc., e no tanto por dados concretos.  Forma como eram chamados os sujeitos que praticavam furtos pelo jornal.  Esta classificao surgia no s no relato dos furtos como era utilizada como ttulo de notcias, como por exemplo: Criado infiel, Caixeiro infiel, Um ingrato, Servial ingrato, entre outros.  O jornal apenas diz qual a idade de 3% dos indivduos envolvidos no total de crimes que noticiou e em relao a 6% dos sujeitos envolvidos em crimes contra a propriedade. Mas, destes, 76% so menores de 14 anos que praticaram pequenos furtos e 17% tm entre 14 a 20 anos. Este um critrio de relevncia jornalstica que evidencia a idade precoce de iniciao no crime e a define como um problema social que urge resolver. Ao dar a notcia da priso de um rapaz de 14 anos e de uma menina de 11 por furtos numa loja, um jornalista do Dirio de Notcias dizia: Custa-nos ter de relatar estes casos porque so um sintoma do mau estado da sociedade em que se do, porque mostram a falta de educao moral. Precocidade no crime, Dirio de Notcias, 28 de Novembro de 1892     PAGE  PAGE 34 PAGE  .@WX  u (-4  7>?W '24GHVu@Ca,-/N-0KMU hsuhi7hAhAhA5CJ$aJ$ hAhA56CJ$\]aJ$hAhA5CJ$\aJ$ hA5CJLXYZv Q<0Mu!w!@##T%>&* ,$d`a$gdsu$d`a$gdAdgdA $da$gdAgdA$dha$ 3=3 !T!s!"":$\$>&&&','>'N'O'X'Y'`'******v++ ,,,:,;,c,u,w,,,I-J-`-l---. /m2n2q223333q4444444 5*55566ſho%jhe;a0JU he;a6he;a he;aCJ he;a6CJhe;a56CJ he;a5CJ hsu5CJ hA5CJ hsu6] hA6]hsuhAB ,,,,,w,x,-/o2468:=L>BE>GJJDKEK d`gdo%$ !da$gdA$d`a$gdAdgdA $da$gdA68!88888::<<M<Z<==K=L=J>K>>>>?@@@-@BBBBEE2E3EOEPE\FnFM$d`a$gdA$d`a$gdA$dh^`a$gdY $dh`a$kd,$$IfTlF  0    4 laT);<QƘǘbdo OVX]45N{ƫ/<=ij@A45rstԹչغٺ¼üļWrdtuyOPPQ(4T he;a6CJ hY6CJ hYCJhAhe;a5CJ aJ jhe;a0JCJU he;a6hYjhe;a0JU he;aCJ he;aCJhe;aFȘg[6ëū $$Ifa$ $dh`a$dgdA$d`a$gdA ūƫ{rii $$Ifa$ $$Ifa$kd$$IfTlF00    4 laT{rii $$Ifa$ $$Ifa$kdh$$IfTlF00    4 laT56:;>{riiii $$Ifa$ $$Ifa$kd$$IfTlF00    4 laT>?JMQ{rii $$Ifa$ $$Ifa$kd$$IfTlF00    4 laTQRcfh{rii $$Ifa$ $$Ifa$kdB $$IfTlF00    4 laThi{rii $$Ifa$ $$Ifa$kd $$IfTlF00    4 laT{rii $$Ifa$ $$Ifa$kd~ $$IfTlF00    4 laT{rii $$Ifa$ $$Ifa$kd $$IfTlF00    4 laTˬάҬ{rii $$Ifa$ $$Ifa$kd $$IfTlF00    4 laTҬӬ{rii $$Ifa$ $$Ifa$kdX $$IfTlF00    4 laT {rii $$Ifa$ $$Ifa$kd $$IfTlF00    4 laT{rii $$Ifa$ $$Ifa$kd $$IfTlF00    4 laT &*.{rii $$Ifa$ $$Ifa$kd2$$IfTlF00    4 laT./=stn{o\oMMMM$d`a$gdA$dh^`a$gdY $dh`a$kd$$IfTlF00    4 laTntļƽӽսֽHkdn$$IfTlF  0    4 laT $$Ifa$ $dh`a$$d`a$gdA$d`a$gdAֽikd $$IfTlF  0    4 laT $$Ifa$ $$Ifa$ {rii $$Ifa$ $$Ifa$kd$$IfTlF  0    4 laT {rii $$Ifa$ $$Ifa$kdH$$IfTlF  0    4 laT !(-0{rii $$Ifa$ $$Ifa$kd$$IfTlF  0    4 laT01<>C{rii $$Ifa$ $$Ifa$kd$$IfTlF  0    4 laTCDKNS{rii $$Ifa$ $$Ifa$kd"$$IfTlF  0    4 laTSTZ_c{rii $$Ifa$ $$Ifa$kd$$IfTlF  0    4 laTcduTR67{rrrccccccc$d`a$gdA xdhkd^$$IfTlF  0    4 laT 7SgGvv$d`a$gdvC $da$gdvC $da$gdA$d^a$gdvC $da$gdA$d^a$gdY $da$gdY$dha$$d`a$gdATw+GYv+VvDTV\]~XYdk02@j hvC6hvChvCCJhvChe;aCJhvCCJmH sH he;a6CJmH sH he;aCJmH sH  hvCCJ hvC6CJ hvChe;ahvCmH sH he;a6mH sH he;amH sH he;a he;a6 hY6CJ he;a6CJ he;aCJ2U~Y1Y#|^$. $da$gdA$d^a$gdvC $da$gdAVXZ0X]^i#%?z%&<p 4YZk qҽ𤞗 h 6CJ h CJjh 0JCJU hA6CJ hACJhe;a6CJmH sH hvCCJmH sH he;aCJmH sH hvC6CJ hvCCJ he;a6CJ he;aCJhe;a he;a6;KY8#6O'ICa$a$ $da$gdA89%"#$2Z&678J%>FOPCK'(6;Aa h 5CJjh 0JCJU h CJ h 6CJV IJX`19CDDabpuw!GHz{FTCDXvr{ɿɿٿٵٵh 6CJmH sH h CJmH sH he;ah 6CJhe;ah CJ h 6CJjh 0JCJU h CJh 6CJmH sH h CJmH sH CGzC ; rX 0!z!"`#$%(d().$a$t      ; < \drs0BXY  0!1!N!`!z!{!!!""`#a#$$$$%%%%&&(((%(d(e(((l)~)))f-x-..7/8/00002.22 h 6CJ h CJjh 0JCJUh CJmH sH W.7/0 3 3 3 33333333 3!3-3.3/38393:3;3<3=3h]hgdi7 &`#$gdh]h&`#$$a$22 3 3 3 33333333333!3"3(3)3+3,3-3/303637383<3=3>3 he;aCJh 0JmHnHuh  h 0Jjh 0JUjhUh h CJ h 6CJ=3>3 $da$gdA=0&P1hP:p / =!"#n$%77 $$If!vh5 55#v #v:V l05 54T$$If!vh5 55#v #v:V l05 54T$$If!vh5 55#v #v:V l05 54T$$If!vh5 55#v #v:V l05 54T$$If!vh5 55#v #v:V l05 54T$$If!vh5 55#v #v:V l05 54T$$If!vh5 55#v #v:V l05 54T$$If!vh5 55#v #v:V l05 54T$$If!vh5 55#v #v:V l05 54T$$If!vh5 55#v #v:V l05 54T$$If!vh5 55#v #v:V l05 54T$$If!vh5055#v0#v:V l05054T$$If!vh5055#v0#v:V l05054T$$If!vh5055#v0#v:V l05054T$$If!vh5055#v0#v:V l05054T$$If!vh5055#v0#v:V l05054T$$If!vh5055#v0#v:V l05054T$$If!vh5055#v0#v:V l05054T$$If!vh5055#v0#v:V l05054T$$If!vh5055#v0#v:V l05054T$$If!vh5055#v0#v:V l05054T$$If!vh5055#v0#v:V l05054T$$If!vh5055#v0#v:V l05054T$$If!vh5055#v0#v:V l05054T$$If!vh5055#v0#v:V l05054T$$If!vh5 55#v #v:V l05 54T$$If!vh5 55#v #v:V l05 54T$$If!vh5 55#v #v:V l05 54T$$If!vh5 55#v #v:V l05 54T$$If!vh5 55#v #v:V l05 54T$$If!vh5 55#v #v:V l05 54T$$If!vh5 55#v #v:V l05 54T$$If!vh5 55#v #v:V l05 54T$$If!vh5 55#v #v:V l05 54T@@@ NormalCJ_HaJmHsHtH F@F Heading 1$$dh@&a$5\N@N Heading 2$$dh@&`a$5\L@L Heading 3$$dh@&`a$CJR@R Heading 4$$dh@&`a$ 5CJ\N@N Heading 5$$dh@&`a$6]Z@Z Heading 6$$$dh@&^`a$ 6CJ]R@R Heading 7$$dh@&`a$ 6CJ]R@R Heading 8$$dh@&^a$ 6CJ]DA@D Default Paragraph FontVi@V  Table Normal :V 44 la (k@(No List >@>  Footnote TextCJaJ@&@@ Footnote ReferenceH*JC@J Body Text Indent$`a$4@"4 Header  !4 @24 Footer  !4B@B4 Body Text$a$.)@Q. 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