Entre o português e a matemática no letramento escolar



Capítulo III – Preconceito em EJA

Atitudes em Português e em Matemática

Este capítulo apresenta uma investigação a respeito das crenças sobre (cf. Santos, 1996; p.11) Português e Matemática no âmbito da Educação de Jovens e Adultos, com vistas a verificar o imaginário coletivo referente ao letramento escolar de alunos e professores que atuam em EJA. Nos capítulos anteriores, discutimos o peso dos conhecimentos inatos e da experiência de mundo (cf. Freire, 1990, Onuchic,1999, Pereira, 2000) no curto prazo. Atestamos a importância da escola como política afirmativa de longo prazo, que, de certo modo, coincide com a atitude de todos os atores envolvidos no processo educacional brasileiro.

A pesquisa apresentada nesta parte do livro demonstra as consequências de uma escola ineficaz, que reforça valores equivocados. Descreve como o preconceito relacionado a Português e à Matemática pode constituir-se num instrumento que não concorre em nada para que alunos e professores desconstruam a visão de “dom”, “inteligência”, “aptidão” em relação ao ensino e aprendizagem de Linguagem e Matemática de forma diferenciada.

O estudo confirma, assim, as incoerências que existem nessas áreas, atrapalhando o bom andamento que deveria haver quanto à aprendizagem do letramento escolar. Desse modo, demonstra como o imaginário coletivo constitui influência negativa sobre os agentes escolares que a formação docente simplesmente vem repetindo sem critério.

Para se investigar as atitudes sobre Português e Matemática, alguns conceitos e hipóteses se fazem necessários. Eis alguns dos conceitos pré-existentes extremamente usuais.

1- há pessoas que têm o dom para Matemática e outras para Línguas;

2- os matemáticos e todos os estudiosos das chamadas Áreas Exatas são considerados mais inteligentes em comparação com os que se dedicam às Áreas Humanas e Sociais;

3- os processos de ensinar e aprender Matemática são mais rigorosos e difíceis.

O estudo desenvolvido desmistifica esses três axiomas, através das atitudes de professores e alunos, na medida em que fornecem indicadores segundo os quais o ensino de ambas as disciplinas apresentam graus diferenciados de dificuldade. Destaque-se que refletimos sobre as atitudes em relação à Matemática Formal e ao Português de prestígio, no âmbito da escola, de modo que o conhecimento prévio da competência gramatical inata e do Cálculo Mental, discutidos anteriormente, estão descartados neste capítulo 3.

Cabe levantar alguns pontos: (a) se as línguas possuem fala e escrita, estilos e gêneros diversos, seriam mais complexas em relação à Matemática que possui uma única e universal linguagem escrita ou não? (b) Português e Matemática oferecem diferenças quanto ao ensino e à aprendizagem? (c) o que pensam alunos e professores a respeito?

População estudada e alguns conceitos

Analisamos as atitudes de professores do Primeiro Segmento do Ensino Fundamental que atuam em EJA e de formandos das áreas de Letras e de Matemática da UFRJ que demonstraram interesse em trabalhar com a população de jovens e adultos. Em outro estudo (Mollica & Leal, no prelo), examinamos 22 vestibulandos provenientes de EJA, o que nos permitiu comparar esse grupo com os demais. Nossa escolha quanto à população para estudo prende-se à possibilidade de estabelecer um cotejo entre as três populações em testagem.

São importantes as pesquisas de Santos (1996) e de Ferreira Barcelos (2006), cuja discussão sobre crenças e atitudes na escola mantém relação com a cognição em processos sócio-interacionais, de modo que entendemos as atitudes inscritas culturalmente. Barbosa (2004) parte do princípio de que a atitude social se compõe dos componentes cognitivo, afetivo e conativo. O cognitivo corresponde a crenças que nem sempre correspondem à realidade, mas ao que a pessoa assume como verdade. O componente afetivo reporta à relevância positiva ou negativa do objeto social. A conduta que remete à disposição de atuar diz respeito ao componente conativo. Diretamente relacionados, esses componentes se influenciam mutuamente e apresentam contradições, uma vez que se referem às normas sócio-culturais: o indivíduo age em consonância com a situação e não segundo suas crenças e valores.

Entendemos, assim, a atitude social como um posicionamento do sujeito frente a determinado objeto que, segundo Barbosa (2004), é um estado mental, não observável mas previsível a partir dos comportamentos do indivíduo na sociedade ou a partir de seus relatos. As atitudes lingüísticas são, pois, influenciadas por força do meio social.

Tomem-se, por exemplo, estudos que investigam a variação (Labov, 1972; Braga; Mollica, 2006), apenas para citar alguns, que elegem a variante standard como prestigiada. Nessa medida, o preconceito lingüístico surge a partir do momento em que as crenças atribuem uma noção de superioridade comparativa quanto à competência lingüística de um falante em relação a outro.As variantes lingüísticas estão sujeitas a crenças preconceituosas (cf. Alvarenga, 1998; Brandão, 1996; Scherre, 2006; Bortoni-Ricardo, 2006; Mollica, 2006) e são reprimidas em certos contextos, por vezes, para manter a identidade cultural.

As crenças fazem parte da forma de pensamento, como construções da realidade. Podem ser entendidas como maneiras de ver e perceber o mundo e seus fenômenos; são co-construídas em nossas experiências e se tornam resultantes de um processo interativo de interpretação e resignificação. Sob essa perspectiva, portanto, as crenças são sociais e individuais, dinâmicas, contextuais e paradoxais. As contradições existentes são justificadas pelo seu caráter social e individual.

É neste ponto que a linha que separa os conceitos de crença e atitude se torna menos tênue. Numa visão mais antiga, havia uma relação de causa e efeito entre crença e atitudes. As crenças eram certas ou erradas, estáveis, fixas, localizadas dentro da mente do indivíduo e distintas do conhecimento. A perspectiva mais atual se modificou desde o momento em que as crenças são situadas e contextualizadas, compreendidas como experienciadas, mediadas e não são facilmente distintas do conhecimento. As relações entre crenças e atitudes são latentes, porém não tão simples assim. Admite-se que as crenças podem influenciar as atitudes que, por sua vez, podem mudar ou formar novas crenças.

No estudo piloto, esse conceito é extremamente importante para que entendamos: (a) de que forma se constrói a relação dos professores e alunos quanto a crenças voltadas para o Português e para a Matemática; (b) até que ponto as crenças são influenciadas por atitudes nos ambientes escolares ou universitários.

Experimentos e resultados

A testagem em campo se realizou por meio da aplicação de questionário[1] com perguntas fechadas, que propõem aos informantes as mesmas questões com relação ao Português e à Matemática, com a finalidade de conhecer o que o educando pensa e os obstáculos que o aluno enfrenta para aprender Linguagem e Matemática (cf. Machado, 2001), o nível de dificuldade que os professores acreditam ter ao ensinar ambas as disciplinas e o modo como se estabelece uma relação entre Português e Matemática. De forma exploratória, testamos 61 indivíduos, 27 professores da rede pública, 14 graduandos em Letras e 20 em Matemática da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Questionário

| |

|Em relação ao ensino da matemática e do português |

| |

|1 – Na sua opinião: |

|Ensinar Matemática é mais fácil do que ensinar Português ( ) |

|Ensinar Português é mais fácil do que ensinar Matemática ( ) |

|O ensino do Português e da Matemática tem o mesmo grau de |

|dificuldade ( ) |

| |

|Na sua opinião, no ensino fundamental, os conteúdos de Português e Matemática deveriam: |

|Ser abordados em aulas específicas para cada uma das disciplinas ( ) |

|Ser abordados, sempre que possível, numa mesma aula a partir de um |

|tema que pudesse explorar os conteúdos das duas disciplinas ( ) |

| |

|Na sua opinião, seus alunos preferem assistir: |

|Às aulas que envolvam somente conteúdos de Matemática ( ) |

|Às aulas que envolvam somente conteúdos de Português ( ) |

|Às aulas que envolvam variados conteúdos ( ) |

| |

|Em relação ao ensino da Matemática: |

| |

|1- Você considera que quem sabe Matemática é inteligente? ( ) SIM ( ) NÃO |

| |

|2- Você acredita, que, para aprender Matemática, é necessário nascer com um |

|“dom” especial? ( ) SIM ( ) NÃO |

| |

|3- Você considera natural o aluno ter dificuldades com o aprendizado da |

|Matemática? ( ) SIM ( ) NÃO |

| |

|4- Na sua opinião: |

|a) A Matemática é complicada e, por isso, os alunos possuem muitas dificuldades para aprendê-la ( ) |

|b) A Matemática é complicada, mas os alunos a aprendem com facilidade ( ) |

|c) A Matemática não é complicada, embora os alunos possuam muitas dificuldades para aprendê-la ( ) |

|d) A Matemática não é complicada e os alunos a aprendem com facilidade ( ) |

| |

|Você acha que os alunos não entendem o enunciado dos problemas de Matemática em razão de: |

|a) Vocabulário restrito ( ) |

|b) Falta de leitura ( ) |

|c) Falta de interesse pelo assunto abordado ( ) |

|d) Falta de atenção ( ) |

|e) Pouco domínio em relação às habilidades de Matemática necessário para a |

|resolução do problema proposto ( ) |

| |

|Em relação ao ensino do Português |

| |

|1- Você considera que quem fala “errado” escreve “errado” |

|( ) SIM ( ) NÃO |

| |

|2- Você acredita que, para aprender Português, é necessário nascer com um |

|“dom” especial? ( ) SIM ( ) NÃO |

| |

|3- Você considera natural o aluno ter dificuldades com o aprendizado do |

|Português? ( ) SIM ( ) NÃO |

| |

|4- Na sua opinião: |

|a) O Português é complicado e, por isso, os alunos possuem muitas dificuldades para aprendê-lo ( ) |

|b) O Português é complicado, mas os alunos o aprendem com facilidade ( ) |

|c) O Português não é complicado, embora os alunos possuam muitas dificuldades para aprendê-lo ( ) |

|d) O Português não é complicado e os alunos o aprendem com facilidade ( ) |

| |

|5-Você acha que os alunos não entendem o enunciado das questões de Português em razão de: |

|a) Vocabulário restrito ( ) |

|b) Falta de leitura ( ) |

|c) Falta de interesse pelo assunto abordado ( ) |

|d) Falta de atenção ( ) |

|e) Pouco domínio em relação às habilidades de leitura ( ) |

| |

| |

Apresentamos os quadros referentes às respostas dos professores da rede pública, de forma bem geral.

Quadro 1 – Respostas dos 27 professores da rede pública em relação ao ensino da Matemática e do Português

| | | | | |

|Questões |Item (a) |Item (b) |Item (c) |Não respondeu |

| | | | | |

|1 |4 |6 |17 |0 |

| | | | | |

|2 |3 |24 |------ |0 |

| | | | | |

|3 |1 |0 |26 |0 |

Quadro 2 – Respostas dos 27 professores da rede pública em relação ao ensino da Matemática

| | | | |

|Questões |SIM |NÃO |Não respondeu |

| | | | |

|1 |8 |17 |2 |

| | | | |

|2 |2 |25 |0 |

| | | | |

|3 |19 |6 |2 |

| | | | | | |Não respondeu |

| |Item (a) |Item (b) |Item (c) |Item (d) |Item (e) | |

| | | | | | | |

|4 |4 |1 |21 |1 |0 |0 |

| | | | | | | |

|5 |8 |20 |2 |15 |10 |0 |

Quadro 3 – – Respostas dos 27 professores da rede pública em relação ao ensino do Português

| | | | |

|Questões |SIM |NÃO |Não respondeu |

| | | | |

|1 |18 |7 |2 |

| | | | |

|2 |1 |26 |0 |

| | | | |

|3 |14 |13 |0 |

| | | | | | |Não respondeu |

| |Item (a) |Item (b) |Item (c) |Item (d) |Item (e) | |

| | | | | | | |

|4 |10 |0 |11 |6 |0 |0 |

| | | | | | | |

|5 |14 |19 |1 |21 |12 |0 |

Os resultados em relação ao ensino do Português e da Matemática variam de acordo com as amostras estudadas em razão das perguntas do questionário. Um pouco mais da metade dos entrevistados reconhece que ambas as disciplinas possuem o mesmo grau de dificuldades, à exceção dos professores da rede pública. Os entrevistados julgam que a Matemática é mais fácil de ensinar do que o Português, distinguindo a opinião dos professores em relação à opinião dos alunos. Os alunos consideraram a Matemática mais fácil de ensinar, dado que há tão somente um sistema único de escrita, próprio e universal, contando com a oralidade da linguagem humana como suporte cognitivo. Os professores, por outro lado, julgam que o ensino do Português é mais fácil, porque os aprendizes já trazem para a sala de aula os conhecimentos inatos sobre a linguagem.

De acordo com as respostas dos diferentes grupos, constatamos novamente a diferença entre a opinião do grupo de professores em relação ao grupo de vestibulandos. O fato de os graduandos estarem em contato com salas de aula, em fase de Prática de Ensino, possivelmente pode ter aproximado suas respostas das dos professores. Como observamos em Barbosa (2004), é provável que o questionário aplicado, utilizado como procedimento de campo, foi interpretado pelos universitários e professores como uma avaliação, diferindo-se dos vestibulandos.

Com relação à assistência do tipo de aula (cf. questão 3), a opinião dos quatro grupos pesquisados se assemelha, ainda que os graduandos em Letras apresentem sempre opinião mais próxima da dos professores. Curioso observar que, embora 50% dos graduandos de Matemática sejam de opinião de que, no Ensino Fundamental, os conteúdos das duas disciplinas devam ser abordados em aulas específicas, 80% deles acreditam que os alunos preferem assistir a aulas que envolvem variados conteúdos. Esse raciocínio nos leva a inferir que os alunos consideraram também outras disciplinas. Pelos resultados, os grupos testados possuem opiniões parecidas sobre a preferência da metodologia utilizada em sala de aula para o trabalho com as duas disciplinas enfocadas no estudo.

Quanto ao ensino de Matemática, são os seguintes os resultados.

Gráficos 1 – Representação do percentual das respostas dadas pelos entrevistados quanto às questões 1 e 3 considerando as categorias: Professores da Rede Pública de Ensino, formandos dos Cursos de Letras e de Matemática da UFRJ e Vestibulandos.

Questão 1- Você considera que quem sabe Matemática é inteligente?

Questão 3 - Você considera natural o aluno ter dificuldades com o aprendizado da Matemática?

Segundo o histograma relativo à questão 1, 51% dos entrevistados não consideram mais inteligente a pessoa que sabe Matemática contra 72% dos vestibulandos (cf. Mollica&Leal, no prelo). Novamente, encontramos uma diferença entre a opinião dos vestibulandos da dos demais grupos.

Em relação à questão 2, há consenso entre os entrevistados de que a aprendizagem da Matemática independe de um “dom” especial e que é natural ter dificuldades nessa disciplina. De acordo com os histogramas, somente os vestibulandos atribuíram o conhecimento matemático a um “dom” ligado à inteligência, reforçando a diferença entre esse grupo de controle e os demais.

Atualmente, as disciplinas lógicas que inclui a Matemática têm sido muito privilegiadas nos concursos de acesso ao Ensino Superior. Muitos alunos que se preparam para conquistar uma vaga na Universidade dedicam maior tempo de estudo à Matemática e chegam a alegar que o Português é uma disciplina que “na hora acaba saindo”. Ao tornarem-se universitários, é de se supor que os vestibulandos passem a adquirir conhecimentos e visão crítica distinta e modifiquem suas crenças.

Gráfico 5 – Representação do percentual da escolha dos itens da Questão 4 pelos entrevistados considerando as categorias: Professores da Rede Pública de Ensino, formandos dos Cursos de Letras e Matemática da UFRJ e Vestibulandos.

Ao analisarmos os resultados referentes à questão 4, podemos concluir que os vestibulandos realmente consideram que saber Matemática é um “dom”, o que se confirma uma vez que consideram a disciplina difícil de se aprender (45%) e complicada (55%). Já professores e formandos não respondem da mesma maneira. Nossa hipótese é a de que esses grupos possuem mais experiência de sala de aula e observa dificuldades específicas na aprendizagem da Matemática.

As respostas à questão 5 despertam para a reflexão de que os alunos de Matemática e os professores da Rede Pública reconhecem que um dos fatores para o bom desempenho na resolução dos problemas em Matemática se refere à compreensão e à interpretação dos enunciados. Os alunos de Letras ratificam esse fato, apontando a falta de leitura como o fator favorecedor de maior dificuldade. No item (c) dessa mesma questão, o percentual obtido pelos alunos de Graduação em Letras se destaca, pois 35% dos entrevistados julgam que o problema na compreensão dos enunciados está atrelado à falta de interesse pelos assuntos abordados. Em relação ao item (e), os alunos de Matemática reconhecem as dificuldades referentes às habilidades de leitura, equivalendo-se com o que pensam os professores da Rede Pública, os alunos de Letras e os vestibulandos. Entre as amostras pesquisadas, há uma concordância quanto a um problema que aflige a educação brasileira: a falta de leitura.

As figuras que se seguem correspondem ao percentual de escolha de cada uma das categorias no item (c), da questão 4, e no item (e), da questão 5, respectivamente. Vejam-se os resultados a seguir.

Cabe observar, inicialmente, que 7% dos professores da Rede Pública não responderam à questão 1 e 5% dos vestibulandos não responderam à questão 3. Os resultados apontam para uma diferença de opinião entre alunos e professores em relação à questão 1. A exemplo do que aconteceu ao ensino da Matemática, quase todos os entrevistados não atribuem um “dom” especial à aprendizagem do Português.

Todas as categorias, num total de 75%, consideram natural que os alunos tenham dificuldades no aprendizado do Português (questão 3). No entanto para todas as categorias, o aprendizado da Matemática é mais difícil do que o de Português: dos professores entrevistados, 52% julgam que é natural aceitar que os alunos possuem dificuldades com o aprendizado do Português contra 78% que consideram natural a dificuldade com o aprendizado da Matemática.

Verificou-se, quanto ao Português, que o grupo de professores admite que a variante standard veiculada pela escola é difícil de se aprender. Isso decorre do fato de a variedade culta, via de regra, não ser próxima dos perfis sociolinguísticos dos alunos. Os vestibulandos foram os únicos que julgam que o Português seja complicado, mas que os alunos o aprendem com facilidade.

Vale destacar que todos os entrevistados admitem mais de um fator para o ensino do Português (questão 5), a exemplo do ensino da Matemática. Em ambas as disciplinas, admite-se que a causa dos alunos não entender os conteúdos veiculados deve-se à insuficiência de práticas de leitura. O contato pequeno ou quase inexistente com a escrita gera, comumente, o uso de vocabulário restrito e pouco domínio acerca dos temas. Apesar de os formandos de Letras da UFRJ não considerarem o vocabulário diminuto como causa, entram em acordo com os demais alunos e professores.

A amostra de controle ilustra distinta diferença de opinião das demais amostras, bem registrada nas duas figuras que se seguem.

Algumas considerações e pesquisas possíveis

A Educação de Jovens e Adultos têm características próprias, diferindo-se do processo de alfabetização de crianças (Holden&Macginite, 1972; Kato, 1990; Kaufman, 1994). As fases previstas por Piaget (1993), por exemplo, não foram concebidas para a população de EJA. Os jovens e adultos, de alguma forma, já ultrapassaram certas etapas previstas pelo autor, ainda que não tenham atingido o raciocínio abstrato pleno, requerido no letramento escolar.

Na mesma situação se encontram os modelos construtivistas (Azenha, 1994; Silva, 1994) e o pensamento vygotskiniano (Castorina, 1996; Freitas, 1995). Com a experiência de mundo, pudemos observar como os jovens e adultos constroem seus saberes: lançam mão de hábitos automáticos e de processos interativos com as pessoas e com a realidade em que vivem. Eles fazem uso de dispositivos pessoais, de forma que a construção do letramento social ocorre inexoravelmente. O desafio que se coloca é o de entender como os paradigmas mencionados podem postular princípios que expliquem a constituição do letramento escolar pelo jovem e adulto.

Segundo Cyranka (2007), os instrumentos de testagem, utilizados nos estudos mostrados neste livro, dão margem a respostas com grau alto de subjetividade, uma vez que, como lembra Chambers (1995), os indivíduos respondem sob a perspectiva de prestígio, inteligência e sucesso. Provavelmente, os professores e os formandos se monitoraram quanto às respostas referentes ao ensino da Matemática, embora tenham deixado transparecer a crença sobre graus de superioridade e de inferioridade das disciplinas: praticamente todos os informantes reconheceram a dificuldade dos alunos de aprender Matemática, discordando apenas quanto ao nível de complexidade. Tudo leva a crer que os obstáculos acham-se associados à orientação para o prestígio, ddevido à crença da existência de um bloqueio em relação à aprendizagem da Matemática que, por tradição, é difícil ser superado.

O quadro em Português não se apresenta muito diferente. Os resultados apontam para o estabelecimento de uma comparação entre a amostra de profissionais das áreas mencionadas e o universo de futuros professores. Reafirmam a crença de que o Português e a Matemática não são disciplinas de fácil assimilação tampouco de ensino trivial. Confirmam as bases lançadas por Leal&Mollica (2006), segundo as quais deve-se promover uma pedagogia escolar que, ao considerar o conhecimento de mundo do educando, estrutura-se uma interdisciplinaridade de conteúdos, incluindo-se também as demais áreas.

Neste livro, mostramos que os letramentos em graus diferenciados situam-se dentro e fora da escola, mesmo que os jovens e os adultos ainda não sejam alfabetizados (Freire, 1990; Frago, 1993). Deixamos claro, por outro lado, que a alfabetização, o conhecimento acerca da relação fonema-grafema (Pitman, 1985; Kleiman, 1989 e 1992) e da consciência fonológica (Byrne&Fielding-Barnsle,1989) ocorre em qualquer momento, em geral na trajetória pedagógica sistemática do letramento escolar.

Na medida em que a primeira fase escolar não é interrompida, podemos projetar etapas subseqüentes que estruture o aluno, com nível alto de proficiência em leitura e escrita e em habilidades matemáticas indispensáveis. Outros conhecimentos também devem agregar-se. Nesse estágio, então, imaginamos cidadãos conscientes de suas funções, brasileiros críticos e agentes transformadores na nossa sociedade.

Sobre a Educação de Jovens e Adultos, há muito que pesquisar. Os estudos reunidos neste livro sugerem a investigação com a leitura, com as dificuldades de escrita, bem como com os vestígios da oralidade na escrita. Igualmente relevante seria decifrar como os indivíduos em processo de alfabetização lidam com todos os suportes textuais, identificando neles a Linguagem e a Matemática e suas respectivas funções.

Em âmbito mais amplo, é relevante averiguar: (a) o impacto do contato que os alunos de EJA enfrentam quando ingressam em Programas específicos voltados para o seu público-alvo; (b) a transformação que porventura venha a se verificar quando jovens e adultos entram em contato mais estreito e sistemático com bens culturais. O desafio das pesquisas em EJA, entretanto, situa-se em investigar os modos pelos quais se dá a transferência do letramento social para o escolar e vice-versa. O primeiro caminho tem sido muito mais tratado na teoria e na prática. No entanto, a rota do letramento escolar para o social ainda está longe de ser conhecida pelos estudiosos da área, pelos formadores e alfabetizadores e constitui problema educacional crucial para a erradicação do analfabetismo funcional no Brasil.

Propostas Pedagógicas

Vamos observar como há preconceito em relação à Linguagem e à Matemática. Os textos a seguir foram extraídos do corpus Discurso e Gramática, disponibilizado no site . As atividades sugeridas levam em conta as diferenças entre gêneros textuais (Dionísio, 2002) o contínuo fala/escrita (Halliday, 1989; Horowits&Samuels, 1987; Biber, 1988; Tannen, 1982) e consideram as questões sociolingüísticas (Labov, 1972; Braga&Mollica, 2007), bem como os aspectos referentes à coerência e coesão textuais (cf. Fávero, 1997; Koch, 1989; Koch&Travaghia, 1990).

Atividade 1

O informante Adilson, de 18 anos, produziu esta narrativa de experiência pessoal na língua falada.

Narrativa de experiência pessoal

E: Adilson... conta pra mim uma história que tenha acontecimento com você... tenha sido/... te marcado de alguma forma... pode ser triste... alegre...

I: uma vez eu saí pra jogar bola com uns amigos meus... ali... num campo ali atrás... aí estamos jogando... estamos jogando... aí... tem uns colegas meu de briga... que briga no bairro... aí... aí o moleque daqui de trás bobeou... foi... pegou ele... nós estava jogando... aí todo mundo/ aí ficaram... pegaram pedaço de pau... tudo... aí... aí nós ( ) né? aí... daqui a pouco ((motor de carro)) arrumaram uma briga... né? lá dentro do campo... aí meus colegas aproveitaram... e invadiram e começaram a dar paulada... saí correndo... eu e os amigos... saímos tudo correndo... ainda pegaram dois dos meus amigos e machucaram...

1- Você acha que todas as pessoas aceitam as repetições que Adilson fez durante a narração?

2- Os trechos em itálico não são da norma de prestígio. Você acha que Adilson conseguiu se comunicar?

3- Adilson é desprestigiado ao fazer uso dessas construções?

4- Você saberia reescrever as estruturas em itálico em variantes prestigiadas?

5- Adilson ficará prejudicado se utilizar construções desprestigiadas para relatar estratégias de raciocínio na resolução de um problema de Matemática?

Atividade 2

Vamos observar como Adilson processou a mesma narração em língua escrita?

Eu uma vez fui jogar bola com meus amigos e aconteceu uma confusão. tinha um mocado de moleque com pedaço de pau fora do campo... esperando o jogo acabar para barter de pau na gente de repente aconteceu uma confusão... eles invadiram o campo e começaras as a no bater. Eu e meus amigos saímos correndo. Ainda pegaram dois amigos e machucaram.

1- Destaque, no texto escrito, as palavras e expressões que sintetizam muitas informações que estão no trecho transcrito da fala de Adilson.

2- Você acha que Adilson se esforçou em prestar atenção à variante de prestígio? Dê exemplos.

3- Na sua opinião, Adilson domina o código escrito? Por quê?

4- Se Adilson tivesse que registrar as estratégias mentais utilizadas para resolver um problema de Matemática, ele teria conseguido ser entendido?

5- O que falta ao Adilson para que ele domine a língua escrita convencionada?

Atividade 3

Compare a fala de Adilson com a da Rafaela, de 24 anos, também de um trecho narrativo.

E: é::... me diz o seu nome... em que período que você está... aonde que você estuda e qual o seu curso...

I: eu... meu nome é Rafaela... eu estudo na PUC... no Rio... faço desenho industrial com habilidade em projeto de produto... e... está faltando alguma coisa?

E: o período...

I: ah... eu estou no... oitavo período mas vou fazer em nove... normalmente são oito mas vou fazer em nove...

E: uhn... uhn... eh::.. e... eu queria que você... me contasse alguma história que tenha acontecido com você... que você tenha achado... ou engraçada... ou aleg/ ( ) triste... [constrangedora...]

I: [ou alegre?] aconteceu uma coisa super boa comigo faz umas semanas... que eu estava num barzinho sentada... no Leblon... com vários amigos... aí:: eu... olhei pra frente assim::... e reconheci uma pessoa que é um profissional super conhecido de design do Rio... e eu conhecia ele por causa de outros eventos que eu inclusive trabalhei... aí eu fui falar com ele... ele foi mais caloroso que o normal e tal... aí:: ele falou “poxa... Rafaela... eu estava te procurando” e tal “ia te ligar hoje mas não consegui::... foi uma su/ coincidência super legal te encontrar... e eu queria te:: falar um negócio” e tal... aí eu falei “ah::... que legal” e tal “então fala...” aí ele “quer conversar depois ou agora?” “não... conversar agora... conversar agora...” aí ele falou que... eles estavam precisando de uma pessoa no Centro de Promoção Design Rio... que é um órgão que ele e outros profissionais de design criaram no Rio pra promover o design... então::... ele estava precisando de uma pessoa... eles pensaram em mim... pô... eu fiquei super orgulhosa de eles terem pensado em mim... eles pensaram em mim por causa de outros trabalhos e tal... e::... acabou que::... eu liguei pro escritório dele... marquei a entrevista... aí a entrevista foi ótima e tal... eles eram a pessoa que eu queria/ a pessoa que eu queria/ que eles queriam era eu... mas:: acontece que o meu horário era incompatível com o deles... foi super bom pra mim porque... poxa... me ofereceram um trabalho... foi uma coisa que:... por incrível que pareça... eu nem procurei assim... né? mas foi ótimo... foi super bom...

E: mas acabou que não deu... pra você?

1- Você encontra semelhanças entre a narração de Adilson e a da Rafaela?

2- Para você, a Rafaela está mais próxima da variedade prestigiada da língua?

3- Que construções estão em desacordo com a norma de prestígio?

4- Para você, a Rafaela teria mais êxito do que Adilson no desenvolvimento de estratégias adequadas para a resolução de problemas que envolvessem conteúdos de Matemática relativos aos anos finais do Ensino Fundamental?

5- Haveria algum problema de compreensão nas estratégias desenvolvidas por Rafaela?

Atividade 4

Compare o trecho escrito de Rafaela com o seu trecho oral.

Essa história que me aconteceu não teve um final exatamente feliz. No entanto, foi muito alegre para mim e me trouxe um grande bem estar.

Num desses fins de semana em que fiquei no Rio, fui ao Sindicato do Leblon, num sábado, com o pessoal da faculdade. Já era bem tarde, talvez uma hora da manhã, quando chegou um conhecido meu. Ele é um designer conhecido e eu o conhecia através de eventos que o seu escritório havia organizado e nos quais eu havia colaborado. Ele não é exatamente meu amigo, e eu fiquei surpresa quando ele disse que precisava conversar comigo. Foi aí então que ele me fez uma oferta de estágio, me dizendo que o seu escritório estava precisando de uma pessoa e que eles haviam pensado em mim.

Eu fui lá, fiz a entrevista, mas meu horário foi incompatível por causa da faculdade. Eu não fiquei triste porque era um momento da minha vida em que realmente eu não poderia estagiar. Depois também fiquei feliz por terem lembrado de mim pelo próprio mérito do meu trabalho.

1- Você sabe caracterizar o trecho escrito em relação ao falado?

2- Destaque um emprego que foi usado na escrita e não foi utilizado na fala

3- Pode-se afirmar que Rafaela domina mais as variantes de prestígio que Adilson?

4- Você diria que o trecho escrito está completamente em consonância com o código ortográfico?

5- É possível afirmar que Rafaela é mais inteligente?

6- Entre Adilson e Rafaela, há diferença na aprendizagem entre Português e Matemática? Haveria uma vocação marcante entre um em relação ao outro, se consideramos as duas disciplinas?

Atividade 5

Observe a descrição oral do que Viviane de 15 anos gosta de fazer em casa.

E: Viviane... o que é que você sabe fazer... em casa?

I: em casa... o que... o que eu gosto de fazer é comida... mas eu não faço muito bem não... o que eu me amarro legal em fazer é biscoito... que é o mais fácil... ele::... ele leva... ( ) leva::/ só aí também... a:: receita dele é prática... só leva manteiga... eh... maisena... açúcar... é... só isso... é... também é mais prático... não sai errado... vo/ coloca lá no forno rapidinho... e... quando... pô... quando sai é uma delícia... quando eu faço todo mundo gosta de comer... só isso... porque o resto ninguém... ninguém se amarra não... quando eu.../

E: mas você não disse como é a receita mesmo...

I: é o quê? eh... farinha... eh... farinha de/ não... é maisena... assim duas xícaras de maisena... leva::... um pote de... manteiga... dependendo da quantidade que você fizer... se você fizer assim meio quilo de farinha de/ de maisena... você coloca um pote de manteiga... aqueles pequeno... ou então se for de um quilo leva mais um pouco de manteiga que... esse biscoito é amanteigado... leva manteiga à beça... se a pessoa colocar também mui::ta manteiga... não pode porque ele::... fica igual um bolo... aí... se espalha todo pelo tabuleiro... e açúcar... o... açúcar é a gosto... coloca uma quantidade assim umas... uma xícara de açúcar... aí dá... fica legal... não... não...

E: e como é que mistura isso?

I: a pessoa aí coloca... a... fa/ a maisena... a manteiga... aí vai mexendo assim com a mão... e depois coloca o açúcar... e aí vai enrolando assim tipo bo/ eh... umas bolinha... e coloca num tabuleiro e depois amassa com o garfo... só isso... e coloca no forno... fica o quê? uns quinze minutos no forno... só isso...

1. Você encontra semelhanças entre a narração falada de Adilson, da Rafaela e da Viviane?

2. Qual dos três está mais próxima da variedade prestigiada da língua?

3. Que construções estão em desacordo com a norma de prestígio?

4. Na fala, Viviane não utilizou unidades de medida padrão. Ela usaria tais unidades na escrita? Por quê?

5. Veja abaixo o registro da receita de biscoitos feita por Viviane

“Receita de biscoito”

250g de maizena

1 pote pequeno de manteiga

3 colheres de açúcar

Modo de preparar

Junte tudo em uma vasilha e vai misturando Faça bolinha, unte o tabuleiro, deixe no forno uns 15 min.

Atividade 6

Texto 1: Descrição do local

A parte da minha casa em que mais gosto é a sala-de-estar, pois é nela que se tem um cantinho e uma luminária que é ideal para se ler um livro, assistir um filme etc. É neste cantinho do qual faz parte a poltrona que é toda em alvenaria, que compõe também a sala; um bar em alvenaria, uma estante embutida feita de madeira, uma cristaleira clássica para contrastar o rústico, um ventilador de pá com luminária que é a salvação no verão, uma televisão e um vídeo que nos distrai com notícias vindas do mundo inteiro, e também, na sala-de-estar é que se recebe as visitas, que confraterniza em épocas de festas etc.”.

Texto 2: Descrição de local

Bem... A minha sala eu falo porque::... como os meus dois irmãos casaram... todos os dois irmãos quiseram copiar... um pouco assim eh::... o desenho do móvel da s/ da onde fica/ a localização... da/ que nós fizemos na minha casa... em alvenaria... então tem um cantinho... que tem uma luminária... que já foi feita pra/ aquele cantinho pra inverno... pra frio... então ele é gostoso... então pra você ler um livro... você:: ouvir um walkman... passar uma revista... ou então até você ( ) assim... você está num cantinho tão gostoso... que todo mundo chega... vai e procura o cantinho... e meus dois irmãos quando casaram tentaram copiar esse cantinho ((riso)) mas não conseguiram... agora descrevendo os móveis... da::... da sala... eu/ contém um bar... na minha alvenaria... eh::... uma poltrona... em alvenaria... uma:: estante... embutida na parede... não se tem tapete por causa da minha alergia ((riso)) não tem... eh:: cortina... porque usa persiana por causa da minha alergia... porque meu irmão mais velho é/ tem sinusite... o outro tem bronquite... e eu tenho rinite alérgica... e meu pai e minha mãe não têm alergia nenhuma ((riso)) é até uma coisa estranha... e:: tem a televisão... que tem a televisão... o vídeo-cassete... entendeu? uns vasos só decoração... uma cristaleira antiga pra dar o rústico e o clássico... e mais nada... bem::... ah... um ventilador de pá... bem decorativo... bem espalhafatoso... com três luminárias ASSIM... mas o mais gostoso da sala é o meu canto... aquele canti::nho... aquela poltrona gostosa... aquele travesseiro... aquela luminária... onde eu estudo... onde eu me divirto... é onde a sa/... eu considero a sala também porque é onde você recebe as pessoas... é onde você tem o prazer de conviver com as pessoas... por uma:: visita... ou um... ou um::... não sei... até um aniversário... né? ( ) é:: como diz... é onde que você faz tu/ questão de estar sempre aquilo bem arrumado pra... aparentar pras pessoas que a casa está ((riso)) toda arrumadinha... o quarto é onde se esconde... fecha a porta... onde guarda as coisas... mal organizada... então:: onde eu gosto é a minha sala...”

o Depois de ler os dois textos, quais as diferenças que você encontra entre eles? Em qual deles o autor se preocupou mais com as regras gramaticais de prestígio? Por quê?

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[1] Participaram desta pesquisa os seguintes alunos de Graduação da UFRJ: alunos do curso de Letras; Alan Seabra da Costa Reis, Amanda Garcia Rendeiro, Daisy de Oliveira Ferrina, Fernanda Estevão Lourenço, Isabela da Silva Braz, Juliana da Costa Teodolino (CNPq), Luís Augusto S. Santos, Maria Clara Fonseca Pereira (CNPq) e Nathalia Lira Nóbrega e os alunos do curso de Matemática Marcela dos Santos Nunes e Alexandre Thiago Braga de Freitas

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