Jornal Norte de Goyaz: o legado da família Ayres à ...



Jornal Norte de Goyaz: o legado da família Ayres à imprensa tocantina

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2 Aurielly Painkow

Bacharel em Comunicação Social, Jornalista da Unidade de Comunicação

e Marketing do Sebrae e da Vivo (TO). E-mail: aurielly@.br

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4 Irenides Teixeira

Mestre em Comunicação e Mercado pela Cásper Líbero.

Professora do curso de Fotografia da Ulbra em Palmas(TO). E-mail: irenides@ulbra-to.br

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6 Lailton Costa

Jornalista com especialização em Organização de Arquivos (USP).

Professor do curso de Jornalismo da Ulbra em Palmas(TO). E-mail: lailton@ulbra-to.br

RESUMO

Integrante de uma pesquisa para a construção da memória do jornalismo norte goiano (atual estado do Tocantins) esta comunicação analisa a trajetória do jornal Norte de Goyaz. Fundado pelo médico Francisco Ayres da Silva em 1905, na cidade de Porto Nacional, este jornal compõe, ao lado de Folha do Norte (1891-1894) e O Incentivo (1901-1902), a trilogia dos periódicos fundadores da imprensa tocantina, região que corresponde ao atual estado do Tocantins, criado em 1988. Neste trabalho narramos a história do jornal por meio da análise de sua cobertura de fatos regionais, seu posicionamento na questão separatista do Tocantins e traçamos o perfil dos principais jornalistas da Família Ayres que fundaram e dirigiram o Norte de Goyaz até sua extinção na década de 1980, especialmente o médico Francisco Ayres, tocantinense formado em medicina no Rio de Janeiro e seu filho, o advogado Milton Ayres, que dirige o jornal por mais de 30 anos.

Palvras-chave: Imprensa Tocantina; Jornal Norte de Goyaz; Família Ayres.

Introdução

Integrante de uma pesquisa, em desenvolvimento, que visa dar um contributo à construção da memória do jornalismo norte goiano (atual estado do Tocantins) este trabalho descreve a trajetória de um dos jornais instituidores da imprensa tocantina que mais tempo ficou em circulação antes da criação do Tocantins e complementa o trabalho apresentado no encontro anterior da Rede Alcar, no qual descrevemos a fundação do primeiro jornal na região do Estado do Tocantins, a Folha do Norte, editada pelos comerciantes Frederico Lemos e Luís Leite Ribeiro entre 1891 e 1894 em Porto Nacional (a 60 quilômetros de Palmas). Naquele trabalho apontamos que a mesma dupla fundara também o segundo periódico da região, O Incentivo, que circulou apenas um ano, entre novembro de 1901 e novembro de 1902[?].

Para esta comunicação procuramos seguir os itens do roteiro metodológico sugerido por BARBOSA e MOREL (2004) para recuperar a história do jornal que, ao lado de Folha do Norte e O Incentivo, compõe a trilogia fundadora da imprensa tocantina. Trata-se de o Norte de Goyaz, periódico fundado em 22 de setembro de 1905 por Francisco Ayres da Silva e dirigido por descendentes do fundador até sua extinção, no final da década de 1980. Se ainda estivesse em circulação completaria 100 anos em setembro deste ano.

Todos os exemplares analisados pertencem ao acervo Francisco Ayres, localizado em um casarão antigo na rua de mesmo nome, na praça da matriz em Porto Nacional, guardião de um dos acervos históricos pessoais mais ricos do Tocantins. Como a pesquisa encontra-se em andamento, não foram analisados todos os exemplares da coleção depositada, em sua forma original, no acervo da família. Já os exemplares publicados entre 1908 e 1912 encontram-se microfilmados e depositados na Biblioteca Nacional.

Resultado das atividades do médico, deputado federal e jornalista Francisco Ayres que reuniu no então norte de Goiás, obras nacionais e estrangeiras, além de fotografias e periódicos, o acervo ficou aos cuidados do filho, o advogado e jornalista Milton Ayres, após a morte do médico em 24 de maio de 1957. Ao falecer em 25 de dezembro de 2001, Milton Ayres legou aos filhos o arquivo constituído por fundos documentais impressos (panfletos, jornais e livros), manuscritos (correspondências, certidões, atas e cadernetas) e iconográficos (fotografias e postais). [?]

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3 A fundação do jornal Norte de Goyaz

A mesma Porto Nacional do século XIX que presenciou Frederico Lemos e Leite Ribeiro importarem de Nova Iorque um prelo da fábrica Joseph Watson e montarem a “Tipographia Tocantina”, testemunhou também a implantação da “Tipographia Nortense” da poderosa família Ayres. Sob a direção de Francisco Ayres da Silva a tipografia fez circular em 22 de setembro de 1905 o jornal Norte de Goyaz.

Nasce bimensal medindo 30cm de altura por 21cm de largura, no mesmo formato de seus antecessores. Tinha como redator-chefe Francisco Ayres e como gerentes o juiz Municipal do Termo Joca Ayres da Silva e o deputado estadual tenente-coronel João Ayres Joca. Os primeiros tipógrafos foram Benedicto Guedes, que era secretário da intendência municipal, Raymundo Pereira e Jorge Lopes. Um dos primeiros colaboradores foi o frei Rosário Melizan.

Ainda não são conhecidos os detalhes da compra da tipografia adquirida para o jornal, mas o cabeçalho do primeiro número ostentava a propriedade: “viúva Ayres e filhos” (NG, 22 set. 1905, p.1) e o local de publicação: Porto Nacional, Estado de Goyaz.

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Figura 1 – Reprodução do primeiro cabeçalho do Norte de Goyaz

Aspectos editoriais e gráficos

A mancha gráfica possuía quatro colunas nas quatro páginas de cada edição dividas por fios. Nos primeiros anos, não apresentava manchetes e nem publicidade. As vendas de espaços ocorriam para publicação de textos de terceiros. Publicar na seção “A pedidos” custava 80 reis por linha, mas variava conforme a centimetragem. Até 10 centímetros, 400 reis, de 10 a 90 cm, 300 reis e acima disso, 250 reis. Para os artigos de interesse coletivo, como anunciava o jornal, a publicação era gratuita.

Uma assinatura anual do jornal, com direito a 24 números, valia 6 mil réis, a semestral, de 12 números, custava 3.500 réis e na venda avulsa cada exemplar saía por 300 réis. Nesse aspecto, era comum o envio de exemplares a cidadãos acompanhado de um recado “A remessa do nosso jornal é um pedido de assignatura. A quem não nos quizer fazer o obséquio de assigna-lo pedimos devolvel-o a redação” (NG, 30 abr. 1908, p.4).

Em seu primeiro número uma “carta de princípios” dá a tônica da linha editorial do veículo:

O Norte de Goyaz sahe hoje a lume graças a esforços que vêm sendo concentrados de tempo a esta parte. Ao iniciar-se sua publicação traz desejos ardentissimos de pugnar pelos múltiplos interesses d’esta vasta região do Estado, indo esmerilhal-os onde quer que se façam sentir.

Problemas de ordem diversa no tocante à lavoura, commercio, creação, hygiene, instrução & [sic] terão de merecer especial attenção do Norte de Goyaz que procurará ventilal-os de acordo com nossas condições e sempre no terreno mais pratico e de solução immediata.

Embora num centro onde as vias de comunicação rápida são completamente nullas, ainda assim o Norte de Goyaz procurará deixar seus leitores ao par do movimento de todo Paiz e mesmo mundial em tudo quanto se fizer sentir interessante seja por que circunstancia.

Terá, por vez, de resvalar pelo terreno escabroso da política, mesmo ahi collimará exclusivamente os interesses colectivos, único eixo em torno do qual fará gyrar toda sua actividade.

É ingentissima a tarefa a que se propõe o Norte de Goyaz, mormente quando difficuldade de todos os matises se lhe atolham; traz, todavia, desejos de marchar com animo resoluto e firme levando-os de vencida uma a uma máxime se os valimentos de seus patrícios e coestadanos lhe não forem regateados. (NG, 22 set. 1905, p. 1).

Para cumprir esses compromissos editoriais, o jornal trazia seções sobre os diversos aspectos do cotidiano, acompanhava o noticiário político local, estadual e nacional, como previa sua carta de princípios.

Pela formação médica do redator-chefe, Francisco Ayres, duas seções eram voltadas ao tema. A coluna “A medicina de Souza Soares”, que trazia conselhos sobre medicamentos, higiene e sanitarismo e a coluna variedades, que trazia notas sobre saúde. Havia ainda a seção Palestra scientifica, voltada para os relatos de invenções e novidades da ciência, além de matérias nas quais o dr. Chiquinho alertava sobre os causadores de doenças e ensinava os procedimentos para o combate a contaminações. Sua atuação pode ser considerada uma espécie de medicina preventiva (OLIVEIRA, 2002).

Além de saúde, da política, e do cotidiano sertanejo, uma das pautas prediletas de Norte de Goyaz era a comunicação com outros centros – caso dos serviços de correios – além das campanhas, artigos e matérias sobre a navegação e transportes.

A existência do Norte de Goyaz foi apenas mais uma das ações empreendidas pelos auspiciosos filhos do comerciante Joaquim Ayres da Silva, que ao migrar da vila de Monte do Carmo para Porto Nacional talvez já tivesse em mente a importância que sua família teria na construção do Tocantins.

Os jornalistas de O Norte de Goyaz

Joaquim Ayres da Silva nasceu em 11 de maio de 1835 na então freguesia de Nossa Senhora do Carmo (uma das minas garimpeiras que deram origem a Porto Nacional). Descendia de Caetana de Oliveira Negry e João Ayres da Silva, que fora prefeito e dirigente dos Correios em Carmo. Em 1808 João Ayres recebeu uma incumbência de Dom João VI para abrir uma estrada que ligasse vilas do interior (como Carmo, Natividade e Pontal) à via fluvial do Rio Tocantins de modo a estabelecer comunicação até Belém (COSTA, 1996).

Em 7 de novembro de 1869 Joaquim Ayres casa-se com Rachel Pinto de Cerqueira Ayres e obtém numerosa prole entre eles, os filhos João Ayres Joca e Francisco Ayres da Silva.

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Figura 2 – Joaquim Ayres da Silva (1835-1902), pai de Francisco Ayres

Francisco Ayres da Silva nasceu em 11 de setembro de 1872 quando Porto Nacional ainda era chamada Porto Imperial[?]. Vive a infância em Porto e segue para Goiás Velho onde estuda o curso preparatório no Seminário Santa Cruz. De lá segue para o Rio de Janeiro e conclui medicina em 1898, doutorando-se em 2 de janeiro de 1899 com a tese “Da electrolyse medicamentosa nas arthirtes” pela então Faculdade de Medicina e Farmácia do Rio de Janeiro. Ao que tudo indica teria sido o primeiro filho da região a formar-se médico.

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Figura 3 – O jovem médico Francisco Ayres (1872-1957)

Ao retornar a cidade natal é nomeado por decreto, em 20 de julho de 1900, do presidente de Goiás, Urbano Coelho de Gouveia, professor de Português e Francês. É quando ingressa também na carreira política ao ser eleito Conselheiro Municipal em 1902. Nesse ano perde o pai no dia 7 de janeiro e cogita abandonar a medicina, revoltado por não ter conseguido salvá-lo. Convencido por amigos segue a carreira médica sem afastar-se da política e funda, três anos depois, com a ajuda do irmão João Joca Ayres, o jornal Norte de Goyaz.

Como médico dedica-se ao combate do paludismo, bócio e outras doenças que perseguiam os sertanejos. Essa dedicação levou o governo estadual a nomeá-lo, ao lado do médico Antônio Borges dos Santos, como um dos responsáveis pela profilaxia da varíola no norte de Goiás. Francisco Ayres cuidou de Porto Nacional, Natividade e Pedro Afonso enquanto Borges dedicou-se aos municípios ao sul do Estado, fronteiriços à Bahia.

A atuação de Ayres redeu-lhe participação, como sócio honorário com medalha de primeira classe por mérito científico universitário da academia italiana de Palermo, na Sicília, em 1910.

Dono da principal biblioteca de Porto naquele período, recebe, em 1912 a nomeação de delegado literário do município. Dois anos depois é eleito deputado federal conseguindo reeleger-se em 1918, 1922 e 1926, deixando o cargo após o movimento civil armado que levou Getúlio Vargas a assumir a presidência do país, fechar o congresso e depor o presidente Washington Luis, de quem Francisco Ayres teria sido médico além de ser amigo e desfrutar, junto ao presidente, de “conceito e confiança” a ponto de assumir a liderança da bancada goiana “durante os exaltados debates da oposição ao governo Washington Luis” (PACHECO, 1972).

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Figura 4 – O deputado Francisco Ayres ao lado de amigos em sua fase política[?]

Durante o exercício de suas atividades parlamentares monta a primeira estação rádio-telegráfica da região, em Porto Nacional. Através dela, foi comunicado, em 20 de outubro de 1925 que a Coluna Prestes encontrava-se em Porto Nacional e imprimira, nas oficinas do seu jornal, a edição goiana de O Libertador, jornal escrito por dirigentes da coluna. COSTA (2002) afirma que a Coluna imprimiu a folha e empastelou as oficinas do jornal, num ataque motivado pela ligação de Francisco Ayres ao presidente Artur Bernardes, considerado anti-democrático pelos integrantes da Coluna Prestes. AUDRIN (1946) ao escrever as memórias do primeiro bispo de Porto Nacional descreve a passagem da Coluna à cidade e não cita o empastelamento. A única referência ao episódio, diz o autor, é que por “infelicidade e imprudência” a folha local imprimira as “mais tristes e medonhas notícias” sobre a Coluna, trazidas por fugitivos que passavam pela cidade provocando intensa fuga local.

Quando deixa o parlamento, Francisco Ayres produz um dos seus feitos mais memoráveis. Contrata trabalhadores em Porto Nacional e os conduz a Minas Gerais e dali até o Rio de Janeiro durante quatro meses, abrindo picadas por onde queria fazer trafegar um automóvel Chevrolet e um caminhão Ford comprados na capital federal pelo preço de 4.500$000 e 6.800$000 respectivamente.

A epopéia da viagem com os carros iniciou–se a 16 de outubro de 1928, cortou cidades e sertões de Minas Gerais, atravessou o sertão baiano até a então vila da Barra, na margem do São Francisco, passando pela região conhecida como Pedra de Amolar, na divisa com o norte goiano, e chegou ao destino em 16 de fevereiro de 1929, com um dos caminhões puxados por uma junta de boi desde Carmo, pois acabara o combustível.

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Figura 4 – A chegada dos automóveis em Porto Nacional, em 1929

Esse não era seu primeiro empreendimento nos setores de transporte e comunicação. Quase uma década antes, em 1920, seguindo a vocação portuária da cidade, empreende uma viagem de barco (então chamados de botes) pelo Rio Tocantins até Belém para a compra de víveres. A viagem foi registrada em um diário, depois foi publicado em edição póstuma com o título “Viagens de Outrora”, em 1972 sob os auspícios do departamento estadual de Cultura de Goiás. O livro, dividido em duas partes, conta a viagem fluvial à capital paraense e o transporte dos veículos do Rio de Janeiro a Porto Nacional.

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Figura 5 – Capa da 1ª edição do livro de Francisco Ayres

Além dos automóveis, Francisco Ayres foi o pioneiro também em outros aspectos e avanços em Porto Nacional. Além de ter sido o primeiro médico, trouxe para a cidade uma estação climatológica, a primeira usina e a primeira geladeira – que funcionava a querosene, exclusivamente para a conservação das vacinas, no período em que a tuberculose e a varíola infestavam a região.

Já o irmão de Francisco Ayres e gerente do Norte de Goyaz, João Ayres Joca também tem sua marca de pioneirismo, só que no campo da fotografia. Nasceu em 27 de maio de 1880 e refez o trajeto do irmão Francisco nas primeiras fases de estudo. Cursou o primário em Porto Nacional, seguiu para Goiás Velho, onde também freqüentou o Seminário Santa Cruz e de lá seguiu para o Rio de Janeiro. Ali, a princípio com professores particulares, e depois no Colégio São José, fez os estudos preparatórios. Por problemas de saúde muda-se para Porto Alegre, onde residia seu irmão o tenente Pio Ayres da Silva, oficial do exército. Ao recuperar-se, ingressa na Escola Militar da capital gaúcha e conclui seu curso, quando prefere regressar a Porto Nacional, em 1901, a seguir a carreira militar.

Casa-se com Deolinda Borges em 11 de janeiro de 1905, antes de fundar o jornal e de ser nomeado Juiz Municipal de Porto Nacional. Foi ainda conselheiro municipal por muitos anos e deputado estadual.

Mas é em agosto de 1908 que João Ayres Joca torna-se, provavelmente, o primeiro fotógrafo da região ao montar um estúdio com “um apparelho completo e mais acessórios de photographia” adquiridos no Rio de Janeiro na “casa Bastos Dias, conhecido importador de material photographico” (NG, 31 ago. 1908., p.4). A primeira foto publicada no jornal - do próprio Joca Ayres - só seria impressa em setembro de 1912 (NG, 30 set.1912, p.1). Joca faleceu na madrugada de 23 de dezembro de 1931, às três horas da madrugada, em conseqüência de uma infecção. Parte do que ficou de sua produção fotográfica também se encontra depositada no acervo da família em Porto Nacional.

O Norte de Goyaz e os movimentos políticos

Com uma pauta que cobria a cultura, a sociedade e a política o jornal fez circular edições bimensais até o número 481, de 30 de setembro de 1925 – data próxima àquela em que se deu a passagem da Coluna Prestes pela região – quando

nossa voz foi sufocada pela primeira vez. As nossas oficinas foram destruídas. Uma das poucas bibliotecas que demorava na região, à guisa de proporcionar cultura aos naturais, foi jogada fora, pelas veredas por onde andaram os muares conduzindo cavalheiros que liam as poucas obras para amenizar, com a leitura, o ambiente agressivo da região. Foi o primeiro “adeus às armas”, sem lágrimas ou desalentos. (ÀS ARMAS. 1967, p. 3).

Retornaria a circular em 15 de dezembro de 1936, após o retorno de Francisco Ayres ao cenário estadual e circularia até a década de 1950, quando interrompe a circulação até 21 de abril de 1960. Nesta data é publicado o número 882 e prossegue até a edição 902, de 30 de junho, data da terceira interrupção.

Durante a década de 40, segundo Silva (2003), o jornal teria sido contra o projeto de Lysias Rodrigues - aviador carioca que sugeriu a criação do Território Federal do Tocantins - e também na década seguinte, quando o movimento político para criar o novo estado ganha força. Não foram analisados, ainda, exemplares desse período que retratem essa posição, mas uma carta aberta aos dirigentes do Norte de Goyaz assinada por Ibanez Tavares, então presidente do Comitê Pró–criação do Tocantins e José Lopez Moreno, secretário do comitê, publicada no jornal A Palavra, de Pedro Afonso (cidade em que sediava-se o movimento), sugere que o periódico dos Ayres publicara material contrário ao movimento:

[...] E é falsa a sua afirmação de que, com exceção de ‘empregados públicos e até oficial de polícia que o governo estipendia para cavar a ruína do próprio estado’, ainda não conquistou a nossa propaganda meia dúzia de adeptos. O ‘virus’ inoculado pela inverdade de seu PASQUIM não arrefecerá o ânimo dos que compreendem a alta finalidade da criação do Território. Já nos dirigimos aos poderes competentes e a coisa vai marchando a contento. Cada dia nos chega mais uma vitória no andamento dos processos que envolvem não só as nossas necessidades mas sobretudo os nossos direitos, esquecidos por circunstâncias diversas, as quais julgamos desnecessário apontar. Podemos não ver o Território do Tocantins se os ESPÍRITOS DE PORCO vencerem os de LUZ, se os ‘anjos maus’ superarem os BONS. Mas estamos convictos de que, breve, outra será a nossa situação e outros serão os jornais que circularão por esta zona, por aqui, civilizando o povo em vez de revoltar o povo. (CARTA ABERTA, 31 ago. 1948, p. 1).

Na página 4 dessa mesma edição, encerra–se a carta com um conselho:

Faça o NORTE DE GOYAZ na sua grande tarefa de jornal, bem ao povo. Colabore com esse povo nos grandes empreendimentos. Construa a felicidade do povo e não arruíne esse povo que, por suas maléficas teorias e perniciosos conceitos, o detesta. É melhor ser querido do que ser odiado. Faremos, pela imprensa, melhor do que nesta carta a nossa legítima defesa e de nossos companheiros. (CARTA ABERTA, 31 ago. 1948, p. 4).

Sem as edições do período, não foi possível acompanhar o desenrolar desse embate ou descrever as posições dos jornalistas de Norte de Goiás, especialmente o fundador Francisco Ayres, que viria a falecer em 1957, quando o jornal encontrava-se com circulação interrompida.

As fontes secundárias, no entanto, afirmam que Francisco Ayres se posicionou contrário à separação do Tocantins. Sem citar a fonte em que se baseou para sua conclusão, Cavalcante (2003, p. 62) afirma que o médico

Argumentava que a separação naquele momento era inviável, posto que a região não dispunha de infra–estrutura que viabilizasse sua auto–sustentação. Em contrapartida, levantava a proposta de integração regional com o centro–sul goiano, mediante a abertura de estradas, por não haver, de concreto, registro de qualquer iniciativa nesse sentido durante toda a República Velha.

O fato é que após a terceira paralisação ocorrida, como vimos, em 30 de junho de 1960, sob a direção do advogado Milton Ayres, um dos filhos de Francisco Ayres, o jornal volta a circular em 1º de setembro de 1967.

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Figura 6 – Capa da edição de 1967 no terceiro retorno do jornal

Nesse retorno, trazia novo visual gráfico e estampava a manchete “Americanos compraram P. Alta do Norte” cujos desdobramentos ocupariam suas páginas no decorrer daquele ano, revelando as tramas de negociações realizadas para a venda de terras de Ponte Alta a grupos de empresários americanos. A notícia repercutiu em veículos nacionais, como a Folha de São Paulo, que escalou enviados especiais à região para apurar a denúncia. As investigações do diário paulista renderam duas capas. A edição 14.037 de 21 de novembro trouxe como manchete “Venda de terras está mais clara” e a edição do dia seguinte “Venderam 92% de municípios em Goiás”.

Um dos responsáveis pelo retorno e por esses furos foi o diretor do jornal Milton Aires, que herdara o tino jornalístico do pai. Além de Milton respondia pelo jornal, como redator chefe, Joaquim José de Oliveira e pela gerência a dupla Deasil Aires da Silva e Olegário José de Oliveira. O movimento emancipacionista que atingira relativa organização nas décadas de 1950 e 1960 havia arrefecido, mas o jornal traz em um editorial uma posição que pode ser entendida como contrária ao separativismo:

Propugnaremos, assim, pela imediata integração do Norte à outra parte do Estado, em tudo dessemelhante uma da outra, e pelo igual equacionamento dos problemas de Goiás, sem preferências que só maltratam os mais humildes. A integração como remédio eficaz, antes que, por fôrça do abandono, os nortenses, descrentes dos políticos e dos governantes, optem pela separação como tábua de salvação, o que não desejamos, senão na medida em que se tornar uma exigência coletiva. (ÀS ARMAS. 1967, p. 3).

Nota-se porém, que essa posição, a julgar pela última linha, estava condicionada a alteração, caso tornasse “exigência coletiva”, o que viria a acontecer na década de 1980.

Durante o regime militar, quando a questão separatista esfria-se, o jornal Norte de Goiás pouco dedica ao tema ou mesmo à situação do País. A exceção foram alguns artigos e matérias que ironizavam o dia “da revolução” coincidente ao dia da mentira, denunciando a invasão da Universidade de Brasília, acompanhando a dissidência de Carlos Lacerda, a atuação da Frente Ampla e a posição de parte do clero brasileiro em buscar o diálogo com o governo militar sem hostilizá-lo.

Nessa época a situação sócio-econômica regional alterava-se. A rodovia Belém-Brasília seria concluída pelo governo Juscelino Kubtischek [?]. Com isso, a principal via de transporte – e de comunicação – deixaria de ser o Rio Tocantins. As cidades que ficavam à margem do rio sentiriam a migração da população para as edificadas à margem da rodovia. Houve um aumento populacional dessas cidades. Outra mudança se daria no campo da comunicação.

A década de 1970 seria um “período morno” para a imprensa escrita da região, que assistiria ao aparecimento de outros veículos comunicacionais: a televisão e o rádio. Ao contrário de outras regiões do país, no Tocantins, depois dos jornais impressos veio a televisão e por último a instalação das emissoras de rádio, o que se daria no final da década de 1970 e no durante os anos 1980. É um período pouco revelado da imprensa regional. O que se sabe é que ao passo que uns jornais são extintos, outros interrompem a circulação e poucos se mantiveram em atividade. A televisão impõe a força da imagem pelo sertão.

Acompanhando a expansão estimulada pelo regime militar, a TV chega ao norte de Goiás no período do governo Geisel (1974 a 1979), amplia-se no governo de Figueiredo (1979 a 1985), e fixa-se como principal meio de comunicação na instalação do Estado durante o exercício de José Sarney (1985 a 1990).

Impulsionada, talvez, pelo crescimento populacional e da urbanização decorrentes da rodovia, a organização Jaime Câmara, de Goiânia, instala a TV Anhangüera em 1976, cuja primeira transmissão, com programação gravada na capital goiana, ocorre no dia 10 de dezembro. No ano seguinte a empresa instala uma estação geradora em Gurupi (280 km de Palmas). Em 1989, a empresa instalaria a redação em Miracema (70 km de Palmas) - capital provisória do Tocantins- depois transferida para Palmas a partir de 1992.

Quanto ao Rádio, surgiram experimentações amadoras em Araguaína, norte do Estado (a 377 km de Palmas), em meados da década de 1970, sem no entanto, firmarem-se como veículos de comunicação. A implantação se daria no final dessa década e firmaria-se no decorrer dos anos 1980 com a autorização de funcionamento a organizações ligadas ao grupo Jaime Câmara e outras a grupos políticos.

A cidade de Araguaína edificada às margens da BR-153, a Belém-Brasília, maior cidade do então norte de Goiás, posição que manteve até a construção de Palmas foi o berço da televisão e das primeiras rádios. Nela surgem ainda os jornais a Tribuna da Amazônia (1972), O Estado do Tocantins (1975) e o Jornal do Tocantins (1979), os dois últimos, os periódicos mais antigos em circulação no Tocantins.

Nesse contexto, sob a direção de Milton Ayres, o jornal Norte de Goiás, acabaria posicionando-se em defesa do progresso da região através do desmembramento da parte norte de Goiás.

O jornal renovara seu planejamento gráfico, deixara de ser rodado na velha tipografia – que fora aposentada – para vir a deixar de circular em 1985, ano em que o então presidente José Sarney vetaria o projeto de criação do Tocantins por duas vezes.

Ao saber das articulações no Congresso para a aprovação do projeto, Milton Ayres reuniu os filhos que colaboravam na edição do jornal e disse que, uma vez bem encaminhado o projeto, mesmo antevendo que seria vetado pelo presidente José Sarney, estava anunciando a extinção do Norte de Goiás, pois não fazia mais sentido o próprio título do jornal. A decisão levaria a família a participar da reedição do jornal O Libertador – mesmo título do jornal da Coluna Prestes. Foi a última ação jornalística de Milton Ayres. Nascido em Porto Nacional no dia 7 de abril (Dia do Jornalista) de 1914, muito jovem passou a acompanhar a vida política e jornalística da família, além de dedicar-se aos negócios que a família herdara e ingressar na área do Direito atuando como advogado provisionado. Sua inteligência e retórica em ações causídicas levou o jornalista Costa a chamá-lo - por ocasião da morte de Milton Aires em 25 de dezembro de 2001 – de um sertanejo Kant numa referência à erudição de Milton e que sintetiza a postura reflexiva e o apego à terra natal com que o redator exibia-se (COSTA, 2001, p.1).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ÀS ARMAS. Norte de Goiás, Porto Nacional, 1 set. 1967. Sem Fronteiras, p.3.

AUDRIN, Frei José M. Entre sertanejos e índios do norte: o bispo missionário Dom Domingos Carrérot. Rio de Janeiro: Edições Púgil/Livraria Agir, 1946.

BARBOSA, Marialva. MOREL, Marcos. Inventário histórico da Imprensa no Brasil: Roteiro Metodológico. Jornal da Rede Alcar. 26. out. 2001. Disponível em Acesso em 20 out. 2004.

CARTA ABERTA. A Palavra, Pedro Afonso, 31 ago. 1948, p. 1.

CAVALCANTE, Maria do Espírito Santo Rosa. O discurso Autonomista do Tocantins. São Paulo: Edusp. Goiânia: UFG, 2003.

CONCEIÇÃO, João Fernandes da. Norte de Goiás. Norte de Goiás, Porto Nacional, 30 nov. 1967, p.2.

COSTA, Luis Armando. Encontro com a história. Jornal do Tocantins, Palmas, 26 e 27 jul. 1996. Caderno 2. p. 1.

______. Um sertanejo Kant. Jornal do Tocantins, Palmas, 26 dez. 2001. Caderno 2. p. 1.

______. Doutor Chiquinho, primavera em 11 de setembro. Jornal do Tocantins, Palmas, 11 set. 2002. Caderno Arte & Vida. p. 1.

OLIVEIRA, Maria de Fátima.Um porto no sertão: Cultura e cotidiano em Porto Nacional 1880 a 1910. in: GIRALDIN, Odair (org). A (trans)formação histórica do Tocantins. Goiânia: UFG, Palmas: Unitins, 2002. p. 237-286.

PACHECO, Altamiro de Moura. Prefácio. in: SILVA, Francisco Ayres da. Caminhos de Outrora: diário de viagens. Goiânia: Oriente/Departamento Estadual de Cultura, 1972.

SILVA, Otávio Barros. História da Imprensa do Tocantins. Palmas: edição do autor, 2003.

[1] Da esquerda para direita: (em pé) Francisco Ayres da Silva, Antônio Ramos Caiado e Túlio Jaime. (Sentados) Luiz Gonzaga Jaime (senador), Coronel Eugênio Rodrigues Jardim (Presidente de Goiás), Hermengildo Lopes de Morais (senador) e Olegário Herculano da Silveira Pinto (Senador)

[i] FOLHA DO NORTE (1891-1894), o jornal pioneiro da Imprensa Tocantina. Disponível em .

[ii] Entre as obras do acervo, destaca-se a coleção de obras raras contém livros da biblioteca particular de Francisco Ayres com cerca de 900 obras literárias e históricas, notadamente do idioma francês, no qual o médico era fluente, caso do livro clássico Le Bresil. Há também mais de 60 exemplares da revista do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro (fundada em 1839 por Cunha Matos) e o exemplar mais antigo do acervo o livro Memórias para História da Capitania de São Vicente, hoje chamada de S. Paulo, do frei Gaspar da Madre de Deos, datado de 1797. Destaca-se também a coleção de periódicos que reúne títulos valiosos, como O Lyrio, jornal manuscrito lançado em Porto Nacional em 1909 pelo Club Tocantins Portuense (5 exemplares), 51 exemplares do Folha do Norte; 22 edições de O Incentivo (1901-1902) além dos exemplares do Norte de Goyaz, dentre outros títulos como a Norma, Goyaz Central, Ecos do Tocantins, O Libertador e O Estado do Tocantins.

[iii] O nome foi trocado após a proclamação da República em 1889.

[iv] Apesar de ter sido iniciada na década de 1950, com a construção de trechos isolados entre cidades goianas, somente na década de 1960 a estrada cortaria Goiás e Pará rumo a Belém e seria pavimentada na década seguinte

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