Primeiros Passos da Imprensa Catarinense



Primeiros Passos da Imprensa Catarinense

Autor: Mario Luiz Fernandes

Professor do curso de Jornalismo da Universidade do Vale do Itajaí

Doutorando em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Grupo de Trabalho: História da Mídia Impressa.

Resumo: O artigo traça a trajetória dos primeiros passos da imprensa em Santa Catarina, destacando seu avanço por todos os quadrantes do estado através dos seus principais municípios, quais sejam: Vale do Itajaí (Blumenau e Itajaí), região Oeste (Chapecó), Sul (Laguna) e Norte (Joinville), além de Desterro, a capital. Evidencia o fator político como o principal agente para esta expansão.

Palavras-chave: Imprensa Catarinense; História da Imprensa Catarinense; História da Imprensa.

Primeiros Passos da Imprensa Catarinense

1. Introdução

É com atraso de três séculos, sob a tutela da Coroa Portuguesa e num conturbado período político, que a imprensa aporta no Brasil em 1808. Do prelo real[1] saiu, a 10 de setembro, a Gazeta do Rio de Janeiro, o primeiro jornal impresso no país[2]. No entanto, desde junho daquele ano, com o objetivo de combater a exploração portuguesa, Hipólito José da Costa, de seu exílio em Londres, já editava o Correio Brasiliense[3], o primeiro jornal a circular em território brasileiro.

Em Santa Catarina o desenvolvimento da imprensa também ocorreu a passos lentos. Do primeiro jornal lançado em Desterro, a capital, se passaram 31 anos para que a imprensa chegasse à região Norte da província (Joinville), 33 na Sul (Laguna), 53 no Vale do Itajaí (Blumenau) e Planalto Serrano (Lages), 61 na Oeste (Chapecó). Ou seja, foram necessários sessenta anos para que a imprensa alcançasse as seis meso-regiões do estado, a partir dos principais municípios de cada uma delas.

Essa trajetória inicia com o capitão de engenheiros Jerônimo Francisco Coelho ao fundar em Desterro, em 1831, O Catharinense, o primeiro jornal da então província. De acordo com a historiadora Maria Joana Pedro (1995), de seu início até o final dos anos 40 do século XIX, o jornalismo desterrense não passou de ensaios. Neste período, circularam na ilha apenas oito jornais, que já anunciavam as principais características que marcariam o jornalismo catarinense até os anos 80 do século XX: “vinculação partidária direta ou indiretamente com o poder público; vida curta; instrumento de política partidária” (idem : 15). É principalmente sob este viés político, que abordaremos essa trajetória.

O nascimento da imprensa na província se dá 227 anos depois de iniciada, oficialmente, sua primeira povoação: Nossa Senhora da Graça do Rio São Francisco, em 1658, atual São Francisco do Sul. A colonização de Desterro só seria deflagrada em 1673 tornando-se município, desmembrado de Laguna, só em 1726.

O Brasil vivia um verdadeiro estado de ebulição política quando do surgimento da imprensa em Santa Catarina. O ciclo da independência, que vai da chegada da Família Real, em 1808, à abdicação de Dom Pedro I, em 7 de abril de 1831, é marcado por muitas revoltas e insurreições, através das quais o povo e grupos organizados (principalmente militares) manifestam-se contra a exploração portuguesa e a tirania do governo imperial brasileiro.

Com a abdicação de Dom Pedro, os movimentos revoltosos se intensificam. Na década de 1830, a imprensa brasileira ainda engatinhava. Balanço de 1827 apresenta aquela como uma “(...) época de revigoramento intelectual, de reavaliação política e econômica, aponta nove jornais no Rio e 22 nas províncias” (Bahia, 1990, vol. I : 42).

Um ano antes da Independência, em 1821, caíra a censura prévia que amordaçava a imprensa brasileira e entre 1822 e 1831 há um surto de pequenos jornais radicais e de panfletos. É neste período que nascem A Malagueta (1821 a 1832)[4], de Luís Augusto May, A Aurora Fluminense (1827 a 1839)[5], de Evaristo da Veiga, e as Sentinelas da Liberdade (1823 a 1835)[6], de Cipriano Barata, jornais que marcaram época na história da imprensa brasileira, combatendo o governo imperial. Nesta fase de contestações e de reexame da nação, também surge O Catharinense.

2. Uma província em configuração

Santa Catarina era reflexo do conturbado momento pelo qual passava o Brasil e era apenas “uma porção de terra que se estendia do litoral ao Planalto Serrano, formada por 19 colônias que abrigavam um total de 51.458 habitantes, dos quais 39.470 (76,7%) eram brancos e libertos, e 11.988 (23,3%) escravos” (Piazza, 1994 : 101). Tinha Francisco Luís do Livramento como seu quarto presidente. Só em 1834 seria instituída a Assembléia Legislativa Provincial[7] com a primeira legislatura (1835 a 1837) formada por vinte deputados, e tendo como presidente Manoel Paranhos da Silva Veloso e como primeiro secretário Jerônimo Francisco Coelho.

Os números do sistema de ensino fornecem algumas pistas sobre o potencial contingente de leitores da época. Dados de 1836 apontam a existência de apenas 18 escolas públicas primárias, com 533 alunos matriculados em toda província. Na rede particular, eram 448 alunos. Os primeiros ensaios do ensino secundário ocorreram em 1837, com a criação de duas cadeiras: Filosofia e Retórica.

A economia era centrada nas atividades agrícolas, nos engenhos de farinha e no porto da capital. Só a partir da chegada dos imigrantes europeus, em 1850, a economia começa a se desenvolver. A ligação marítima era o principal meio de comunicação entre as povoações litorâneas e o porto de Desterro tinha papel estratégico nesta conexão. A primeira agência de correio na capital surge em 1829, e em 1830 foram abertas as primeiras agências em Laguna e São Francisco do Sul. Só em 5 de janeiro de 1852 é estabelecido o serviço de correio interestadual terrestre entre Desterro(SC)/Porto Alegre(RS)/Paranaguá(PR).

Desterro, em 1823, se estendia do rio Camboriú (norte), a Garopaba (sul) e a Bom Retiro (planalto), abrigando 15 mil habitantes. Desta área, entre 1832 e o início do século XX foram desmembrados 29 municípios. Em 24 de fevereiro de 1824, Desterro era elevada à categoria de cidade.

3. A imprensa de Desterro

Lagunense nascido em 30 de setembro de 1806, filho de militar e educado na Escola Militar da Corte, aos 18 anos de idade Jerônimo Francisco Coelho já era capitão do Exército. Atraído pela política, aos 25 anos desembarcou em Desterro com muitos ideais e trazendo um prelo na bagagem. Lançou O Catharinense em 28 de julho de 1831, fundou a Loja Maçônica Concórdia e a Associação Patriótica Santa Catarina[8]. Esta, por sua vez, editou O Expositor, seu órgão oficial.

O militar jornalista foi deputado provincial quatro vezes (1835, 1837, 1842 e 1845)[9] e geral três vezes (1838, 1842 e 1857). Ocupou o Ministério da Marinha (em 1844 e de 1857 a 1858). Ainda em 1844 recebeu o título de Conselheiro da Coroa e também foi nomeado ministro interino da Guerra. Foi vice-presidente da província de Santa Catarina (1839), presidente da província do Pará (1848 a 1850) e do Rio Grande do Sul (1856). Morreu em Friburgo, no Rio de Janeiro, em 16 de janeiro de 1860, aos 54 anos, como brigadeiro e vogal do Supremo Tribunal Militar.

No editorial de capa da edição inaugural, Jerônimo Coelho apresenta O Catharinense como um sentinela da liberdade movido “pelo amor pátrio” e não “pelo sórdido interesse”. A partir de então, a inocência da província “não terá que gemer em silêncio, e aqueles que a oprimirem, terão de ser dados como opressores da humanidade”. O jornal coloca-se como redentor do povo contra os opressores. As palavras mais agressivas são dirigidas a Dom Pedro, a quem Jerônimo Coelho classifica de “estúpido, avarento e doido, que há pouco, espavorido, abandonou as praias do solo americano”. E continua seu ataque mordaz, convidando os provincianos a combater “esses orgulhosos mandões que, comumente, nas povoações pequenas, costumam ser o flagelo dos fracos”.

Sob o logotipo do jornal, vinha a relação dos locais onde o mesmo poderia ser subscrito (assinado), seguido da epígrafe: “Si o crítico mordaz censura a imprensa. Quem não escreve, então, que fas? que pensa? (sic)”. Abaixo da epígrafe, a inscrição em caixa-alta: “União e Liberdade, Independência ou Morte”.

O Catharinense era um semanário no pequeno formato de 15,3 x 21,5 centímetros e com seis páginas. Como não havia pessoas na província que conhecessem a técnica de impressão, Jerônimo Coelho foi o redator, editor, compositor e impressor do jornal. Também não havia vendedores ambulantes. O exemplar era vendido a sessenta réis, na casa do próprio editor, onde estava instalada a gráfica na rua do Livramento (atual Trajano), e em algumas casas comerciais. A assinatura custava mil réis, pelo período de três meses. Os primeiros anúncios, entre eles os da venda de escravos, apareceram somente na edição de número 22, publicada em 5 de janeiro de 1832, ano que também marca o fim do jornal.

A historiadora Joana Pedro (1995 : 20) faz a seguinte observação sobre os estreitos laços entre os primeiros jornais e o poder público:

O primeiro periódico, além de depender da iniciativa de pessoas ligadas e interessadas no poder público, tinha, nos funcionários públicos, o principal público leitor. (...) até a década de 30 do século XIX, e ainda por muito tempo, o poder público, ou seja, os inúmeros funcionários civis e militares da administração, eram os principais elementos da elite local. Formavam, possivelmente, o único público capaz de ler os periódicos locais, ou aqueles trazidos pelas embarcações, de outras cidades.

Este perfil de leitor só mudaria a partir de 1850, quando os comerciantes começavam a formar uma nova classe em ascensão social na ilha de Santa Catarina.

Após O Catharinense, vários jornais se sucederam na ilha: O Brazil (algumas edições entre o final de 1831 e início de 1832); O Expositor (12/1832 a 12/1834); O Benfazejo (1836); O Mercantil (1843); O Relator Catarinense (apenas 10 edições para registrar a vista de Dom Pedro II e da Imperatriz, Dona Teresa Cristina, à ilha de Santa Catarina, em outubro de 1845).

Só em 1849 o segundo prelo chega a Desterro e pertencia ao relojoeiro francês Emile Grain, que pretendia montar um jornal. O liberal Antônio Pereira Pinto presidia a província. Grain procurou os governistas - simpatizantes dos jeromistas - propondo parceria no empreendimento, mas estes já dispunham de uma tipografia e rejeitaram a proposta. Foi assim que, com o apoio da oposição conservadora, o francês fez circular em 1º de abril de 1849 o bissemanário Progresso Catarinense, que versava sobre política, literatura e comércio.

Prevendo o risco de um jornal nas mãos da oposição, de imediato o governo entrou em negociações com o francês e um mês depois o jornal adotava o nome de Conciliador Catarinense, defendendo abertamente a ideologia liberal. O poder público passa então a concentrar as duas tipografias sob sua tutela: a de Emile Grain, instalada no largo do Palácio, e a Provincial, no edifício da Assembléia Legislativa. Em janeiro de 1850, o novo presidente da província, João José Coutinho, rescindiu o contrato com Grain. Estes oito jornais, incluindo O Catharinense, fecham o primeiro ciclo da imprensa catarinense, de 1831 a 1849.

A partir da década de 1850, ocorrem sucessivas fases de proliferação de jornais, intensificadas principalmente em períodos eleitorais, reformas políticas que implicavam na mudança de gabinetes do Governo Imperial, surgimento de novos grupos políticos, e outras questões de ordem política. De acordo com Pedro, entre 1831 e 1894, circularam 103 jornais na capital da província, mas a imensa maioria deles não durou mais que algumas edições[10]. Estes periódicos eram das mais variadas tendências: dos monarquistas aos republicanos, dos literários aos políticos, dos conservadores aos liberais, dos abolicionistas aos religiosos, dos trabalhistas aos recreativos; e eram mantidos por instituições como igrejas, partidos políticos, colégios, grêmios literários e recreativos e, obviamente, empresas jornalísticas.

O primeiro surto de jornais foi motivado pelas eleições à Assembléia Geral, em 1852. Neste ano, nasceram A Revelação e O Conservador que, aliados ao Novo Íris (1850), defendiam as matizes do Partido Conservador. O Correio Catarinense, também de 1852, era o porta-voz do Partido Liberal e durou até 1854, sendo substituído pelo Mensageiro, em 1855. O Futuro (01/1852 a 11/1854) inicia a fase da imprensa imparcial, noticiosa, literária e comercial.

Durante muito tempo, a publicação de atos oficiais do governo garantiu a sobrevivência de inúmeros jornais. Com as mudanças no comando político, os periódicos se revezavam também nesta fonte de recursos. Os conservadores venceram as eleições de 1852 e O Conservador substituiu O Novo Íris nas publicações oficiais do estado. Em 1855, O Conservador encerrou suas atividades e foi substituído no ano seguinte por O Argos.

Ainda em 1852, a 28 de agosto, nascia a primeira revista catarinense: Revelação. Com edição semanal, era voltada a assuntos religiosos e literários.

O segundo surto de jornais ocorreu em 1858, quando passaram a circular O Cruzeiro do Sul, que substituía O Mensageiro, do lado liberal. Alinhado aos conservadores, surgiram o Bota-fogo e o Santelmo. O primeiro durou apenas dois meses e o segundo seis. O Argos, Bota-fogo e Santelmo eram de propriedade de José Joaquim Lopes que, em 1852, comprou o prelo da Tipografia Provincial. Durante muito tempo, Lopes imprimiu diversos jornais, a maioria de tendência conservadora. O Argos, fundado como semanário em 1856, em 1861 viria a ser o primeiro diário catarinense.

De acordo com Callado Jr., entre 1860 e 1870 surgiram 30 jornais em Desterro, sendo dez deles entre 1860 e 1861. Esta fertilidade pode ser atribuída à mudança no cenário político catarinense, com o surgimento de novos grupos políticos e a descaracterização dos antigos, motivada pela lei eleitoral de 1856, que criou o voto distrital; à possibilidade de a província passar a eleger dois deputados gerais, ao invés de um; à morte do liberal Jerônimo Coelho, em 16 de janeiro de 1860.

Foi nesse cenário de mudanças que surgiu o Partido Progressista, unindo os antigos conservadores, liderados por João Pinto da Luz, e alguns liberais, comandados por Jesuíno Lamego Costa, suplente de Jerônimo Coelho. Para levar seu ideário ao público, em 1860, a agremiação cria o jornal O Progressista. O partido tinha também apoio de O Argos. Uma dissidência no Partido Progressista fez surgir o Partido Liberal-Moderado, que tinha ao seu lado os jornais O Cruzeiro do Sul (que circulava desde 1858), O Catarinense e O Cruzeiro (ambos de 1860), além de O Chaveco, O Mercantil e A Estrela (estes de 1861). Os progressistas saíram consagrados destas eleições, vencendo não apenas na Assembléia Provincial, mas na Imperial.

A maioria dos jornais da década de 60 do século XIX teve vida efêmera. Os destaques foram O Despertador (1863 a 1885); e a Regeneração (1868 a 1874; 1877 e 1878; 1880 a 1889). O Pirilampo (1864) e o Comercial (1868) eram impressos em Desterro, porém, circulavam em Laguna.

4. A imprensa republicana

A partir da década de 80, no florescer do período republicano, a imprensa partidária se intensificou e também “houve um evidente florescimento jornalístico literário” (Callado, 1970 : 135), bem como em favor do movimento abolicionista. É nesse período que surgem os jornais Colombo (1881 - quatro meses) e a abolicionista Tribuna Popular (de 1885 a 1892), ambos editados com a participação do poeta Cruz e Souza. Na capital, como no interior, os jornais dividiam-se entre os partidos Conservador e Liberal. Entre os periódicos mais destacados estavam o Jornal do Comércio (1880 a 1894) e a Regeneração.

A imprensa ilhéu abraçou a causa republicana quase que tardiamente. Somente em 31 de maio de 1885 estreou em Desterro, A Voz do Povo, o primeiro jornal republicano da província, fundado por José de Araújo Coutinho. Em 29 de novembro, após 27 edições, o jornal encerrava suas atividades em razão do fracasso político, antes mesmo das eleições, da candidatura de seu proprietário à Assembléia Provincial.

O ideário republicano chega ao interior e em 1886 nascem em Tijucas O Independente; em Joinville, Folha Livre, que publica 23 números até 26 de julho de 1887 e, em 11 de agosto, é sucedida pelo O Sul. Neste ano, também são criados clubes republicanos em Camboriú, Joinville, São Francisco do Sul, São Bento do Sul, Porto Belo e São João Batista. Ainda em agosto de 1887, o republicanismo desterrense ganha mais um jornal, A Evolução, órgão do Clube Republicano do Desterro.

Novos periódicos republicanistas só apareceriam em solo catarinense após o 15 de novembro. A República surgiu já no dia 19 daquele mês, como órgão oficial do novo regime. Foi suspenso em janeiro de 1892, com a deposição do governador Lauro Muller, e voltou a circular em março, como propriedade de um sindicato (empresa). Em 1896 foi transformado em órgão do Partido Republicano Federal.

No início da República, os jornais que resistiram eram ligados a partidos políticos. A Regeneração era o órgão oficial do Partido Liberal, enquanto O Conservador representava o partido homônimo. Estas duas forças políticas tinham ainda uma série de jornais menores. Com a Proclamação da República, A Regeneração virou O Democrata. Com o material gráfico de O Conservador, o Partido Republicano Catarinense (PRC) montou A República.

A mudança mais significativa foi a ramificação da imprensa representando duas alas republicanistas. Em 1900 ocorre uma forte cisão no PRC. A causa é a lista de 22 candidatos a deputado estadual elaborada pelo então governador Felipe Schmidt, que privilegiava funcionários públicos sem expressão eleitoral. O clímax da rusga ocorre quando o governador usa a força e depõe do cargo o superintendente municipal de Florianópolis e líder republicano histórico, ex-senador Raulino Horn. Hercílio Luz, republicano, parte em luta pela tomada do poder e pela cassação de Felipe Schmidt. Há acusações mútuas através da imprensa. A República defende a ala hercilista. Em 1901, Felipe Schmidt lança O Dia, o porta-voz de seu governo. Em 1918 o jornal passa a ser órgão oficial do partido, após a derrota dos hercilistas.

Com a Proclamação da República, ocorre a truculência contra os jornais de oposição. O Estado, fundado em 04/11/1892, porta-voz do Partido Republicano Federalista, foi a primeira vítima. Com a derrota dos federalistas, em 1894, o jornal suspendeu a circulação por alguns dias, retornando, timidamente, em 21 de abril. Faz novas denúncias contras os florianistas e na madrugada de 9 para 10 de abril de 1894, sua sede é invadida e o maquinário é empastelado pelos partidários do governo. No episódio, relatado por O Estado, o alferes Isaías, um dos governistas que destruíram os equipamentos, foi ferido por uma das rodas das máquinas e veio a falecer dias depois. Após as denúncias, o jornal era empastelado mais uma vez, só reaparecendo em 15 de novembro de 1897, com o equipamento renovado. Em 1901, O Estado deixa de circular.

A prática violenta do empastelamento se registrou até 1930, fazendo vítimas jornais do interior e da capital. Em Desterro, foram alvejados o diário Correio da Manhã (fundado em 11/1895 e teve apenas duas edições); A Gazeta Catarinense (01/1908); Jornal do Povo (1928 a 1929); Folha Nova (1926 a 1930). Esta última pertencia a Crispim Mira, assassinado a tiros na redação do jornal, num dos mais bárbaros crimes contra a imprensa e a liberdade de expressão em Santa Catarina. Jornalista conceituado, Crispim Mira fazia um jornalismo apartidário. No interior, foi empastelado a Gazeta do Povo (Tubarão - 1912/1913).

Entre muitos outros jornais de vida efêmera que circularam na capital e no interior no período republicano, destacam-se O Dia (01/1901 a 09/1918), porta-voz republicano, e A República (09/1918 a 12/1934). Ambos passaram por diferentes fases ao longo de suas histórias. A trajetória mais curiosa foi a de A República, que nasceu e viveu como folha republicana até outubro de 1930 e depois, dirigida por Nereu Ramos, tornou-se órgão da Aliança Liberal até o seu fechamento, em 1934.

5. A imprensa de imigração na região Norte e no Vale do Itajaí

Fora de Desterro, a partir da década de 1850, a imprensa iniciava seus primeiros passos pelo interior. Nas colônias Dona Francisca (atual Joinville), norte do estado, e no Vale do Itajaí (Blumenau e Itajaí) surgiram os chamados jornais de imigração que apresentavam uma forte característica: eram voltados à orientação dos imigrantes sobre seus direitos como colonizadores e à difusão de técnicas agrícolas, mas também não deixaram de fazer política nos momentos decisivos de suas colônias.

5.1. Joinville

A Colônia Dona Francisca era uma porção de terra de oito léguas quadradas que o Príncipe de Joinville recebeu como dote por desposar a Princesa Dona Francisca, irmã de Dom Pedro II. As terras foram demarcadas pelo engenheiro Jerônimo Coelho em 1846. No início de março de 1851 chegavam os primeiros colonos alemães, suíços e noruegueses, quase todos trabalhadores braçais. Ainda em setembro chegaria a terceira leva, com 75 imigrantes alemães, a maioria intelectuais, universitários e políticos, participantes ou simpatizantes dos movimentos de 1848[11]. Iniciam-se, assim, as bases para o movimento cultural e intelectual da colônia. Três meses depois, chegava o barco Neptun com mais imigrantes, entre eles o lavrador prussiano Karl Knüppel, que a 2 de novembro de 1852 fundaria o Der Beobachter am Mathiasstrom (O Observador às Margens do Rio Mathias), o primeiro jornal fora da capital, o primeiro do interior.

O semanário era manuscrito em papel de carta duplo e vendido a 120 réis o exemplar, aos leitores que “literalmente chegavam a disputar a posse de tal preciosidade (...)” (Herkenhoff, 1998 : 16). Eram 50 exemplares transcritos por colaboradores que recebiam 80 réis por cópia. A maior parte das cópias era feita pelo próprio redator num “trabalho bastante cansativo e enjoativo”, segundo o próprio Knüppel, em carta-depoimento que remeteu ao redator do jornal Reform, de Joinville, em 9 de fevereiro de 1888, e reproduzida no livro de Herkennhoff (1998 : 22). Foi o segundo jornal em língua alemã no Brasil, apenas precedido por Der Kolonist (O Colono), fundado em Porto Alegre a 2 de agosto de 1852 e atuante até 31 de julho de 1853.

Knüppel foi escrivão da colônia e possivelmente ali, no exercício de registrar os atos oficiais do pequeno lugarejo, “foi-se informando, aos poucos, dos fatos que aconteciam na direção e em outros setores, fatos que mereciam ser publicamente expostos, debatidos e criticados - exatamente no estilo humorístico, inimitável do nosso jornalista pioneiro (...)” (idem : 14). Na apresentação da primeira edição, assinalava: “Esta folha pretende ser um amigo de todos, um amigo estimado, ao qual se confia o que há de melhor e que se recebe e saúda alegremente no limiar de sua casa” (ibidem).

O primeiro prelo da colônia Dona Francisca só chegaria em 1862, adquirido em Leipzig, Alemanha, pelo imigrante Ottokar Döerffel, 36 anos. Ele aportou na colônia em 20 de novembro de 1854. Um ano depois, já pensava em instalar uma tipografia. Após algumas tentativas, sua encomenda chegaria em 21 de setembro de 1858, e lançaria o primeiro jornal impresso da colônia ainda naquele ano. Porém, um imprevisto: a barca Franziska, que trazia o prelo, naufragou na entrada da barra em São Francisco do Sul e não foi possível resgatar a preciosa encomenda. O novo prelo só chegou em 9 de novembro de 1862, e já em 20 de dezembro saía a edição de apresentação[12] do Kolonie-Zeitung und Anzeiger fuer Dona Francisca und Blumenau (Jornal da Colônia e Órgão Publicitário para Dona Francisca e Blumenau).

No extenso artigo de fundo da edição-programa, Döerffel, apresentava as linhas gerais que norteavam o periódico e desabafava:

Esta nova terra ainda não se tornou Pátria para nós. Ela parece ainda não querer nos aceitar como seus filhos e quanto mais profunda a afetividade com que a ela nos tentamos ligar, mais nos sentimos estranhamente repelidos, não raras vezes - e tanto mais impetuosa se reacende a saudade da velha e inesquecível Pátria - a Pátria que, na verdade, também já nos perdeu de vista e nos esqueceu. Realmente, embaraçosa e desalentadora situação a nossa, quando - feito apátridas - não mais sabemos, por assim dizer, a quem pertencemos.

A edição número um circulou em 3 de janeiro de 1863, já com o suplemento Die Lesehalle (O Salão de Leitura) que trazia contos, poesias, anedotas e ensinamentos diversos aos colonos. Vários foram os suplementos especiais publicados ao longo da história do jornal, alguns deles impressos na Alemanha. A partir de 1888, passou a bissemanal. Circulou durante 80 anos, até 1943. Foi o primeiro jornal catarinense com tamanha longevidade. Entre novembro de 1918 e junho de 1919, adotou o nome de Actualidade, devido à perseguição contra os alemães durante a I Guerra Mundial.

Até o final do século XIX, circularam 17 jornais em Joinville, sendo oito deles em alemão. Mesmo os editados em português, traziam uma ou duas páginas no idioma germânico. O semanário A Gazeta de Joinville, a primeira em português e produzida por imigrantes liderados por Carlos Lange, só surgiu em 25 de setembro de 1877, ano em que a colônia foi elevada à categoria de cidade. Circulou por seis anos.

O Globo (09/03/1884), o terceiro jornal impresso da cidade e inicialmente apartidário, em 18 de julho daquele ano mudava de nome para O Democrata e assumia postura política. Passou a ser impresso em São Francisco do Sul, e sobreviveu até final de 1886, após as disputadas eleições naquele ano, vencidas pelo Partido Conservador.

As eleições de 15 de janeiro de 1886, agora para deputado provincial, fizeram nascer o Constitucional (28/10/1885) e o Neue Kolonie-Zeitung (Novo Jornal da Colônia – 25/12/1885). O primeiro, defendia a candidatura do conservador Visconde de Taunay, e o segundo, a do advogado liberal Francisco Antunes Maciel. O Constitucional fechou já em 26 de março de 1886 após cumprir a meta para a qual foi criado: a eleição de Taunay. O Neue Kolonie-Zeitung encerrou suas atividades no final do mesmo ano, ressurgindo como bissemanário político em janeiro de 1887, sob o título de Reform. Também redigido em alemão, este circulou até 15 de novembro de 1889.

O Kolonie-Zeitung não se isentou. Apoiou o Visconde de Taunay e foi criticado pelo Neue Kolonie-Zeitung. Justificou sua postura na edição de 1º de janeiro de 1886: “A nossa independência é intocável (...)”, porém, “conservar imparcialidade em uma época de tão profundas transformações políticas, é exigir demais”.

Outro exemplo foi a disputa eleitoral para superintendente (prefeito) em 13 de dezembro de 1898. A cidade contava então com 19 mil habitantes. Cerca de 25% deles eram luso-brasileiros. O Kolonie-Zeitung, “republicano intransigente”, defendia a candidatura do comerciante Gustavo Adolfo Richlin, enquanto o bissemanário Joinvillenser Zeitung - fundado em 1º de julho de 1895 - “federalista convicto” apoiava Abdon Batista. Richlin era o candidato da maioria dos imigrantes alemães e suíços; Baptista tinha o apoio dos luso-brasileiros.

Jamais se havia visto tamanha agitação em campanha eleitoral na cidade - uma campanha travada não apenas pelas páginas dos jornais, mas também pelos boletins de propaganda, distribuídos de porta em porta, e pelos debates nos lugares públicos, nos salões de festas, nas mesas de bares, nos círculos familiares, na portas das igrejas, durante semanas inteiras (Herkenhoff, 1998: 97).

Richlin venceu por 711 a 619 votos. Uma das conseqüências, segundo Herkenhoff, foi o lançamento do jornal Commercio de Joinville (19/08/1900) - o primeiro redigido em português, dez anos após o fechamento do semanário republicano Sul, que circulou de agosto de 1889 a junho de 1890, também editado em português e com uma página em alemão. O Commercio, que durou apenas alguns meses, era antialemão, assim como boa parte da imprensa nacional.

A imprensa, voltada aos imigrantes europeus, principalmente àqueles fixados em Santa Catarina, nasceu desterrada do solo catarinense. Antes mesmo do hilariante Observador, de Karl Knüppel, de acordo com José Ferreira da Silva (1977), tanto na Suíça quanto na Alemanha foram editados jornais que, de certo modo, mantinham os emigrantes que aqui chegavam, ligados à pátria, informados e orientados. Porém, o principal objetivo destas publicações era fazer propaganda das sociedades colonizadoras e incentivar os imigrantes à aventura em terras desconhecidas.

O primeiro deles, conforme Silva, foi o Allgemeine Auswanderungszeitung (Jornal para a Emigração em Geral), semanário que circulou em Rudolstadt, Alemanha, de 1846 a 1871. O Hamburger-Zeitung (Jornal Hamburguês) também faz parte deste ciclo. A Sociedade Hamburguesa de Colonização, responsável pela criação da Colônia Dona Francisca lançou, em agosto de 1852, o Mittheilungen Betreffend Die Deutsche Kolonie Dona Francisca in Süd-Brasilien Provinz Santa Catarina. Mensal, com pequeno formato e 16 páginas, circulou em Blumenau e Joinville.

Em Berna, Suíça, em 1851, Der Colonist (O Colono) surgiu intitulando-se “órgão para a proteção, assistência e esclarecimentos aos emigrados suíços”. Circulou durante anos e trazia amplo noticiário sobre as colônias catarinenses, principalmente de Dona Francisca, que, por volta de 1853, segundo o jornal, era formada por dois terços de imigrantes suíços.

5.2. Blumenau

Blumenau só teria sua imprensa mais tarde. O Kolonie Zeitung, de Joinville, foi, por vinte anos, o porta-voz dos blumenauenses e é considerado o primeiro jornal da colônia fundada por Hermann Blumenau. O primeiro periódico local, de fato, só surgiu em 1º de janeiro de 1881. O Blumenauer Zeitung (Gazeta Blumenauense) foi resultado de uma ação cooperativada da qual 71 colonos eram cotistas.

A iniciativa partiu de Hermann Bauggarten, então com 25 anos. Nascido em Blumenau, mas ilustrado em Porto Alegre e Rio de Janeiro, o descendente de alemães voltou à sua terra natal com o objetivo de montar um jornal. A falta de recursos financeiros o levou à constituição da Sociedade Tipográfica Blumenauer Zeitung, em 1879. Conforme o estabelecido em contrato, o valor das ações foi devolvido gradativamente aos cotistas, e Baugartem tornou-se o único dono.

Mesmo contrário à criação do jornal, Hermann Blumenau comprou duas ações e sob sua assinatura colocou a observação bedingt (condicionalmente). Uma semana depois da primeira edição, recebia a devolução de sua cota.

Com uma impressora importada de Leipzig (Alemanha), o semanário surgia no formado 30 por 39,5 centímetros, quatro páginas, redigido em alemão e com circulação nas principais cidades catarinenses, onde mantinha agentes (Itajaí, Brusque, Joinville, Desterro), além do Rio de Janeiro e Alemanha. Antônio Härte era o redator e Hermann Baumgarten o editor. Circulou até 2 de dezembro de 1938.

O Immigrant, segundo jornal da colônia, segundo Silva (1977:10), nasceu do embate contra o Blumenauer Zeitung e entre as duas folhas “nasceram discórdias, lutas sérias, ataques à moral e à dignidade dos contendores e dos seus adeptos”. Lançado por Bernardo Scheimantel, o Immigrant circulou de abril de 1883 a abril de 1891. O ponto da discórdia entre os dois jornais foi a comissão de engenheiros chefiada pelo Dr. Nunes que chegou à colônia para recuperar a mesma após a grande enchente de 1880 - que atrasou em dois anos a instalação do município.

A comissão praticou desmandos, favorecimentos e atos de corrupção que geraram pronta reação do Blumenauer-Zeitung, e em muitos casos bastante contundentes. Foi então que simpatizantes e beneficiados por Antunes criaram o Immigrant. O confronto chegou a ser debatido na Câmara de Vereadores, criada em 1882. Os desafetos só amenizaram quando a comissão Antunes deixou Blumenau.

Após a Proclamação da República, os dois jornais travaram novo embate. O Immigrant, de matiz liberal, comemorou o novo regime em vários editoriais e perdeu muitos aliados, os opositores à política florianista. O Blumenauer, ligado ao Partido Conservador, revidou. Sem apoio, o Immigrant fechou as portas em 1891.

Em 18 de julho de 1892, surge O Município, editado em português e alemão. O objetivo era veicular os comunicados oficiais da Intendência, já que o Blumenauer fazia oposição ao intendente. O jornal teve apenas 32 edições e saiu de circulação em março de 1893. No mesmo mês, foi substituído pela segunda versão de o Immigrant, agora sob a direção de Paulo Stelzer, que defendia a causa federalista. A maioria da população era republicana e tinha como porta-voz o Blumenauer. Os confrontos entre os dois jornais não tardaram. Em 16 de julho, após 16 edições, Immigrant desaparecia pela segunda vez. Foi comprado pelo pastor Faulhaber, em nome da Conferência Pastoral Evangélica, que passou a editar o semanário religioso Der Urwaldsbote (O Mensageiro da Floresta), que circulou até 29 de agosto de 1941.

O Der Urwaldsbote teve diferentes proprietários e assumiu também colorações políticas. O pastor Faulhaber comandou a redação até 1898 e, após as eleições daquele ano, foi substituído por Eugênio Fouquet queOO com o dirigiu por quase trinta anos. Com a Primeira Guerra, o jornal deixou de circular por dois anos, retornando em 23 de agosto de 1919. Por muitos anos, variados e ricos suplementos impressos na Alemanha, foram encartados no jornal que em 1928 chegava cinco mil exemplares.

A partir da década de 30, nada menos que 32 municípios foram desmembrados de Blumenau, com novos veículos de comunicação emergindo como porta-vozes destas novas comunidades. Seguindo a vocação industrial do município, os jornais tornaram-se cada vez menos voltados às questões da imigração e à agricultura, e mais ao cotidiano urbano e industrial. Até início dos anos 70, de acordo com Silva (1977), foram 137 publicações entre jornais-empresa, órgãos sindicais, classistas, colegiais, agremiativos, house organs, revistas, anuários e outros.

5.3. Itajaí

Em uma época em que, às portas da Proclamação da República, expressiva parcela dos jornais catarinenses não escondia suas cores partidárias, ocorre a primeira e breve experiência da imprensa de Itajaí. Em 10 de maio de 1884, João da Cruz, o mestre Janja, lança o semanário Itajahy, que circulou pouco mais de um mês. “As precárias condições econômicas e tecnológicas aliadas aos obstáculos políticos oferecidos à circulação de idéias em uma sociedade nitidamente autoritária” são elencadas por Santos (2002: 259) como as principais causas que condicionaram o atraso do nascimento da imprensa itajaiense.

Com uma postura editorial de isenção ante às refregas políticas locais, em 18 de fevereiro de 1886, Tranqüilo Antônio da Silva e Eduardo Dias de Miranda lançam o moderado bissemanário A Idéia. Na mesma linha editorial, em 20 de fevereiro de 1887, Galdino de Pereira Lima coloca em circulação A Liberdade. Porém, esta aparente neutralidade da imprensa local muda radicalmente em setembro de 1890 quando o médico Pedro Ferreira e Silva, um dos líderes locais do republicanismo, funda a Gazeta de Itajahy “para divulgar as idéias republicanas e defender as ações político-administrativas do interventor Lauro Muller” (Ibidem : 260).

Este foi o mote inicial para que a imprensa da foz do Itajaí estivesse cada vez mais atrelada ao poder político, cenário que só começaria a mudar gradativamente a partir do final do século XX. O exemplo seguinte foi um outro semanário intitulado Gazeta de Itajahy criado em 13 de outubro de 1892, também republicanista, e o primeiro com circulação em todo o Vale. Inovou ainda na distribuição gratuita e no conteúdo bilíngüe (português e alemão). Encerrando a primeira fase da imprensa itajaiense do final do século XIX, circularam na cidade O Immigrant (1890), A Flexa e A Semana Ilustrada (1894), Jornal do Brasil (1896) e o Progresso (1899).

Do início ao final do século XX, de acordo com levantamento de Santos (2002), 83 jornais foram lançados. Em meio a tantas publicações efêmeras, algumas se tornaram marcos na imprensa local por sua longevidade e postura editorial: Novidades (1904/1919), fundado por Tibúrcio de Freitas, teve a colaboração dos irmãos Konder (Victor, Marcos e Adolpho) e desempenhou importante papel na Campanha Civilista, de Rui Barbosa em 1910; O Pharol (1904/1936), criado por João Honório de Miranda, de oposição e postura crítica, foi fechado pela censura de Getúlio Vargas; Diário de Itajaí (1914 – quatro meses), de Manoel Ferreira de Miranda, foi o primeiro diário da cidade; Jornal do Povo (1935/1989), fundado por Abdon Fóes, passou por várias fases com diferentes proprietários, dominando o cenário jornalístico itajaiense até o início dos anos 60, quando do surgimento do jornal A Nação; O Correio (1963/1976), de Elias Adaime, o único jornal local de oposição ao regime militar e inclusive era revisado por censores do Serviço Nacional de Informação (SNI); Diário do Litoral (1979), de Dalmo Viveira; Diário da Cidade (1992), de Valdemir Corrêa das Chagas.

6. No Sul, os partidários de Laguna

Durante o Império, Laguna era um importante centro político de Santa Catarina. Logo, seria inevitável que sua imprensa refletisse as disputas partidárias e assumisse forte coloração partidária. Arilton Teixeira (1991 : 81), que pesquisou os 28 jornais lagunenses editados entre 1864 e 1900, destaca que, quase sempre, a inspiração política era o fator predominante para o surgimento daqueles periódicos, “apesar de muitos deles afirmarem ser independentes de qualquer tipo de vínculo político-partidário, acabavam filiando-se aos mesmos para sobreviverem”. Ou seja, a imprensa de Laguna não era diferente da imprensa política de Desterro.

O quinzenário O Pirilampo (1864), literário, comercial e noticioso, foi o primeiro do sul do estado. O semanário A Verdade era conservadora, literária, noticiosa e comercial. Pelo seu espírito combativo, foi um dos mais importantes e circulou entre 1869 e 1871. O Albor (1901) durou 60 anos e foi um dos mais atuantes no interior no início da República. Nasceu como jornal literário por iniciativa do estudante Adalberto Bessa, que mais tarde foi funcionário dos Telégrafos. Com novo formato e colaboração de José Johanny, Álvaro Carneiro e Heráclito Ribeiro, o jornal tornou-se noticioso, tendo sua pauta voltada para questões do estado e da comarca de Laguna.

Os partidos políticos (Conservador e Liberal) foram os responsáveis pelo lançamento de alguns títulos como órgãos oficiais de divulgação de suas matizes ideológicas. Outros eram editados por agremiações sociais. Analisando algumas características de 22 dos 28 jornais, Teixeira chegou ao seguinte perfil: a) periodicidade - 15 semanários, quatro quinzenários, um mensal, um anual e um sem periodicidade definida; b) formato - todos eram tablóides, sendo 12 compostos em quatro colunas, cinco em duas e outros cinco em três colunas; c) todos tinham quatro páginas.

Na busca da identificação da linha editorial dos jornais a partir de seus títulos, o historiador estabeleceu seis categorias: a) critério geográfico - Laguna, O Município, e Pátria; b) políticos - União, Gazeta Lagunense, Echo Lagunense e Democracia; c) cronológicos - Primeiro de Abril, Futuro e Liberdade, este último com uma “intenção desiderativa de suscitar tempos melhores”; d) classista - Comercial, O Trabalho e Caixeiro; e) literário - Colibri, A Voz e Passa-Tempo; f) educativos - O Blandonista e o Collegio Duarte.

7. Planalto Serrano e região Oeste

Ainda faltam pesquisas sobre a origem e desenvolvimento da imprensa no Oeste e Planalto Serrano catarinense, áreas que, juntamente com o Vale do Iguaçu, foram as mais afetadas pela violenta Guerra do Contestado ocorrida entre 1912 e 1916 e deixou mais de dez mil mortos.

Nossa Senhora dos Prazeres dos Campos das Lajes, cujo povoamento iniciou em 1766 por determinação do presidente da província de São Paulo, para evitar que os castelhanos e invadissem aquelas terras e para dar proteção aos tropeiros gaúchos que atravessavam a região para comercializar o gado em São Paulo, foi elevada à vila em maio de 1771. Só em 1820 foi desanexada de São Paulo e passou a pertencer a Santa Catarina e em 1960 recebeu o nome de Lages. Na cidade mais importante do Planalto Serrano, Matinho Callado Jr. (1970) aponta O Lageano (1884) como o primeiro periódico do município. Era redatoriado por Henrique José de Siqueira. O historiador coloca ainda entre os mais antigos jornais daquele município, Ramalhete (1885), O Serrano (1885), O Porvir (1885), Gazeta Serrana (1885), O Escudo (1886) e Região Serrana (1887), este último dirigido por Manuel Tiago de Castro, Sebastião Furtado Fernando Athayde e Caetano Vieira da Costa.

O Oeste catarinense inicia seu povoamento em 1838, com tropeiros paulistas e imigrantes italianos e alemães vindos do Rio Grande do Sul que cruzavam a região, rumo a São Paulo, para comercializar gado. Durante décadas a região foi pleiteada também por paranaenses e argentinos e só no início do século XX foi oficialmente integrada ao território catarinense. Chapecó, seu principal município, só foi instalado em 25 de agosto de 1917, mas já em 1892, de acordo com Martinho Callado, circulava o primeiro jornal fundado por José Bernardino Bormann e intitulado Chapecó.

8. Considerações Finais

No início do século XIX e por muito tempo ainda, o Brasil era um estado em formação a lutar pela sua independência, delimitar seu território, definir seu regime político e seu sistema de governo, formar sua identidade, despertar sua nacionalidade, promover e assegurar a liberdade e os direitos de seus cidadãos. Como poderoso instrumento formador e mobilizador da opinião pública, era natural que a imprensa se insurgisse neste cenário engajada em defender essas e outras causas essenciais para a constituição e autonomia do estado-nação. Afinal, como afirmou Habermas (1984), a imprensa é, por excelência, uma instituição da esfera pública.

Nas províncias o clima não poderia ser diferente e em Santa Catarina não foi. Do Império às décadas mais recentes, salvo poucas exceções, os jornais catarinenses sempre estiveram ligados à causa política fosse ela monarquista ou republicana, liberal ou conservadora, antiescravagista, partidária. Mesmos os lançados como independentes ou imparciais, no calor de uma disputa política, acabavam tomando posição.

Como ficou sucintamente demonstrado nos itens 2 e 3, o fator tecnológico – o primeiro prelo só foi trazido por Jerônimo Coelho porque tinha a intenção deliberada de montar o jornal para defender os ideais iluministas assimilados durante o período em que foi educado Rio de Janeiro – e as bases econômicas da província ainda eram insipientes para o desenvolvimento de sua imprensa, porém, a questão política se fez imperiosa. Até mesmo o público leitor era ínfimo.

O percurso traçado aqui evidencia que estas densas refregas políticas foram responsáveis pelo surgimento de inúmeros jornais, bem como pelo fechamento de muitos deles. Exceto as exceções, eles eram criados com o objetivo maior de projetar o homem privado na esfera pública, bem como o ideário de grupos em disputa pelo poder. No Império e na República Velha, Pereira (1992) aponta três fatores responsáveis pela expansão da imprensa catarinense: a vinculação partidária, a regionalização e a presença da Maçonaria, esta última principalmente durante o ciclo monárquico. Jerônimo Coelho, o pioneiro da imprensa catarinense, era maçom.

O historiador Oswaldo Rodrigues Cabral, que em 1975 vinha elaborando uma profunda pesquisa sobre a história política de Santa Catarina, em depoimento ao jornalista Moacir Pereira (1980 : 51), asseverou sobre esta dependência da imprensa que se dá desde Jerônimo Coelho:

A História da Imprensa de Santa Catarina não pode ser desvinculada da História da política, porque a imprensa foi fundada com objetivos políticos-partidários. Jerônimo Coelho veio para cá justamente durante a crise da abdicação do Imperador, com aquela política agitada. A 28 de julho de 1831 o Imperador já tinha ido embora, mas o primeiro jornal da Província queria combater a política restauradora, aqueles que queriam restaurar o trono de D. Pedro I, com propósito político, nacionalista, jacobinista mesmo. E nunca a imprensa de Santa Catarina, no século passado, se desvinculou da política. Todo o jornal que aqui apareceu, fosse com intuitos literários, ou órgão de caixeiros-viajantes, ou de tipógrafos, nunca passou do quarto número. A política sempre foi o nosso esporte, de maneira que os jornais sempre viveram em função da política e dos partidos.

Somente a partir da década de 1980, pode-se dizer que a imprensa catarinense começou a perder seu vínculo com o poder político, embora este ainda tenha seu peso sobre os meios de comunicação como em qualquer lugar do mundo. Porém, o que se pode considerar é que a partir deste período a imprensa começou a se perceber mais como negócio, como empreendimento gerador de lucro, do que como canal propagador de ideologias partidárias sustentado exclusivamente pelos patrocinadores desses ideários.

Concorreram para o início desse processo de mudança a profissionalização da própria imprensa e do mercado publicitário embalados por novos fatores estruturais experimentados por Santa Catarina desde o início dos anos 70 como o fortalecimento e diversificação de sua economia, aumento da renda per capita de sua população, as novas tecnologias da informação, o surgimento dos cursos de comunicação social no estado e a elevação do índice de alfabetizados.

9. Referências Bibliográficas

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[1] A Coroa Portuguesa trouxe, a bordo da nau Medusa, dois prelos e 26 volumes do material tipográfico do Arco do Cego, comprado na Inglaterra. O material era usado na impressão de livros, papéis diplomáticos, leis e cartas de jogar, além da Gazeta (Bahia, 1990, vol. I : 9).

[2] Inicialmente, o jornal é semanário, com circulação aos sábados. Depois, passa a bi-semanário: às quartas e sábados; e, posteriormente, tri-semanário: às terças, quintas e sábados. Teve inúmeras edições extraordinárias. Somente entre setembro e dezembro de 1808, das 32 edições, 19 eram extraordinárias. A Gazeta do Rio de Janeiro deixou de circular em 31 de dezembro 1821, quando é criado o Diário do Governo. Bahia (op. cit).

[3] O jornal circulou até dezembro de 1822, num total de 175 edições e 29 volumes. Ocorrida a Independência do Brasil, Hipólito da Costa considerou cumprida sua missão. O Correio Brasiliense ou Armazém Literário - um título que busca associar no seu tempo o jornal, a revista e o livro, num contexto de informação geral, cultura, ciência e história - é uma brochura mensal de 140 páginas in-8º grande, capa azul escuro. Política, Comércio e Artes, Literatura e Ciências, Miscelânea, Reflexões sobre as atividades do mês, e Correspondência, são as principais seções” (Bahia, 1990, vol.I : 26).

[4] A Malagueta teve dois períodos de circulação: primeira fase de 1821 a 1822, totalizando 31 números; a segunda, de 1828 a 1829 como o nome de A Malagueta Extraordinária; sua última edição sai em 1832, na Regência Trina (Bahia, 1990, vol I : 49).

[5] Entre 1831 e 1833, A Aurora Fluminense é o jornal de maior tiragem do Rio de Janeiro. Até 1928, o jornal é bi-semanário, com quatro páginas, passando então a tri-semanário. (op. cit.).

[6] De acordo com Bahia (op. cit.), Cipriano Barata é, possivelmente, o mais notável panfletário do Primeiro Reinado e das Regências Trinas e também o jornalista brasileiro que conheceu o maior número de prisões militares. A primeira Sentinela da Liberdade na Guarita de Pernambuco foi editada em 9 de abril de 1823, com circulação as quartas e sábados. Em 1831 passa por prisões da Bahia e do Rio de Janeiro, de onde também publica as suas Sentinelas. Suas atividades cessaram em 1835, apesar de jornalistas de várias regiões do país publicarem Sentinelas da Liberdade até 1889, homenageando Barata. O ativista político baiano morreu pobre em Natal, a 11 de junho de 1838.

[7] A Assembléia Legislativa substituía o Conselho Geral da Província criado pela Constituição Imperial de 1824.

[8] A Sociedade foi criada em 4 de outubro de 1831, apoiada pelo presidente da província, Feliciano Pires. Calcada nos moldes dos clubes políticos do final do século XVIII que fomentaram a Revolução Francesa, tinha como objetivos “sustentar a liberdade e a independência nacional e usar o direito de petição e de representações populares, sempre que o exigisse o bem da pátria”.

[9] Foi presidente da Assembléia Provincial em 1841.

[10] Em seu livro Nas tramas entre o público e o privado (1995), a autora publicada listagens, elaboradas a partir de diversas fontes de pesquisa, de todos os jornais catarinenses editados neste período.

[11] Elly Herkenhoff em História da Imprensa de Joinville (1998 : 10) assinala que assim eram chamados os ‘Achtundvierziger’ (Os de 48) - oficiais dos então já dissolvidos batalhões da Guerra Teuto-Dinamarquesa, a guerra pela posse dos antigos ducados alemães de Schleswig e Holstein, limítrofes do Reino da Dinamarca.

[12] Nesta época, era freqüente a impressão de uma edição-programa ou edição de apresentação, antes da tiragem do primeiro número do jornal.

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