Curso de Formação de Soldados PMPB 3⁰BPM



|''A guerra às drogas fracassou'', constata Luiz Eduardo Soares » |

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|23/07/2012 |

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|Com quase 60 anos de idade e com sete livros sobre segurança pública, o antropólogo Luiz Eduardo Soares se deparou com a |

|história que lhe traria lições pessoais não esperadas. Um amigo psicanalista o aproximou de Ronald Soares, agora conhecido como |

|o ‘economista do tráfico’. De mesmo sobrenome e com quase a mesma idade que o escritor, Ronald cumpriu pena de 24 anos de |

|reclusão por coordenar a logística e as finanças de umas das principais redes de tráfico na rota Colômbia-Caribe-Inglaterra. Foi|

|o maior julgamento da história da justiça inglesa e anos de inteligência policial para combater o que é impossível de combater. |

|“Até pegar esta rede do Ronald, outras redes já se constituíram. E, quando desmontam esta, abre espaço para mais outras. É |

|impossível controlar”, diz Luiz Eduardo Soares em entrevista ao Sul21. |

|O autor de Elite da Tropa, que deu origem ao filme Tropa de Elite, conversou por mais de uma hora com o Sul21 em hotel de Porto |

|Alegre nesta semana, quando lançou o livro Tudo ou Nada, que conta a história de Ronald Soares. Rico em detalhes e curiosidades |

|sobre o esquema do tráfico internacional, inéditas até para especialistas, o livro propõe uma viagem em busca da trajetória de |

|vida de um homem bem sucedido que larga tudo, mergulha no vício e se rende à ambição. “Este ambiente está bem próximo de nós. |

|Não é um universo que deriva de pessoas com doenças psicológicas. Temos um ambiente que propicia a valorização unilateral do |

|lucro sacrificando-se valores, de respeito a terceiros. No caso do Ronald ele se iludiu com a ideia de que não causaria danos a |

|ninguém, que era apenas um negócio”, conta. |

|O romance não tem nada de ficção. Aborda uma história real de uma pessoa que encarou o cárcere na Inglaterra e no Brasil, |

|expondo os problemas de métodos usuais para lidar com a transgressão, além do preconceito com a regulamentação das drogas e a |

|pressão política que impede a legalização, defendida por Luiz Eduardo Soares como única medida capaz de reduzir os danos e frear|

|a violência relacionada ao tráfico de drogas. “Eu parto de uma constatação, não se trata de uma opinião. Qualquer pessoa que se |

|dedica a esta área, tanto profissionais como pesquisadores, sabe que a guerra às drogas fracassou. Temos que definir o melhor |

|contexto constitucional para enfrentar o problema”, propõe. |

|Sul21 – Porque esta história te interessou como obra literária? |

|Luiz Eduardo Soares – É uma história muito interessante do ponto de vista humano e do ponto de vista das transformações |

|culturais das últimas décadas. Também para conhecimento dos bastidores do tráfico internacional de drogas. A riqueza existencial|

|do personagem envolveu todos estes aspectos. E surpreendentemente é uma história não conhecida no Brasil, sendo que foi o |

|julgamento mais longo da história da Inglaterra. Foram 14 meses de tribunal, condenação a 24 anos e com o condenado classificado|

|durante seis anos como o preso mais perigoso da Inglaterra. Isto levou a Justiça inglesa a deixá-lo preso em uma cadeia de |

|segurança máxima. Ele ficou cinco anos na solitária, o que mobilizou entidades de direitos humanos da Europa a fazer algumas |

|campanhas, porque a solitária é uma prática inaceitável. As autoridades inglesas alegavam que ele não estava na solitária, ele |

|estava solitário, o que seria diferente porque ele só não estava na companhia de outros presos desta ‘envergadura’. A |

|classificação dada a ele não foi por envolver violência. Em que pese não haver tráfico de drogas sem violência em alguma ponta |

|do processo, ele nunca pegou em armas ou matou alguém. Ele nunca foi violento, mas ele tentou fugir. Isto é considerado |

|gravíssimo pelo sistema inglês. Por isso ele recebeu este ‘upgrade’ para cadeia máxima. Ele já representava o Cartel de Cali e |

|foi preso em uma operação que envolvia três toneladas de cocaína. Ele fazia a logística e as finanças que traziam a cocaína da |

|selva colombiana, pelo mar do Caribe até Londres. Conhecer estes bastidores foi interessante. Mas, além disso, como trajeto de |

|vida humana e existencial foi uma história muito rica. |

|Sul21 – Como ele veio para a prisão de Bangu, no Brasil? Qual a diferença entre o sistema prisional brasileiro e o inglês? |

|Luiz Eduardo Soares - Ele foi preso em 1999 e cumpriu 12 anos em penitenciária de segurança máxima na Inglaterra. Ao final do |

|cumprimento da pena ele conseguiu a transferência para o Brasil. Há um convênio internacional entre Brasil e Inglaterra que |

|permite isso. Ele experimentou as duas realidades, que são muito diferentes. Um é muito asséptico e absolutamente legalista, com|

|cumprimento rigoroso das normas inglesas. Nunca o tocaram. Sempre teve assistência médica, higiene absoluta e boa alimentação. |

|Mas ele quase enlouqueceu lá. A clausura claustrofóbica. Sem possibilidade de visitas. Os guardas são proibidos de falar com os |

|prisioneiros. Sempre que houver troca de palavras deve haver um terceiro guarda presente. Então o silêncio e a clausura foi |

|violentos para quem buscava a liberdade do mar. |

|Sul21 – Como ele não sucumbiu? |

|Luiz Eduardo Soares – Ele sucumbiu. Ele chegou a ter uma queda forte durante determinado período. Foi um sofrimento psicológico |

|terrível. Existiam práticas completamente estranhas e difíceis de compreender. A cela tinha uma escotilha que era aberta |

|rigorosamente a cada 40 minutos. Dia e noite, todos os dias. Eles anotavam a posição física do preso. Haviam dois guardas |

|dedicados exclusivamente a esta tarefa. Eles olhavam e anotavam o horário e escreviam em um livro de registro: “Ele está |

|sentado, com as mãos no joelho e olhando a parede”. “14h40 – Ele está deitado e olhando para o teto”. “03h30 – ele está lendo um|

|livro”. Isso acabou sendo tão condicionado que ele se preparava como um relógio. Ele fazia contagem regressiva para saber o |

|tempo que sobraria de privacidade. |

|Sul21 – Quem era o Ronald antes de entrar no mundo do tráfico? |

|Luiz Eduardo Soares - Nos anos 70 ele saiu da faculdade de economia. Era um aluno inteligente e muito capaz. Era o momento de |

|emergência do mercado de capitais, do boom econômico da ditadura, ‘o milagre econômico’ e expansão do capital financeiro. Ele |

|era jovem, com os dotes da inteligência e agressividade para os negócios e muito ousado. Fez uma fortuna em pouquíssimos anos. |

|Casou-se com a menina mais cobiçada entre os colegas de faculdade. Vivia um sonho de fadas. Tinha tudo. Em seis meses de |

|casamento a mulher o traiu com o melhor amigo e ele entrou em um processo de depressão. Passou a ter uma crise existencial, |

|porque tinha riqueza e havia se tornado uma pessoa que ele mesmo não se identificava mais. E sempre teve sonho desde a |

|adolescência, herdada do hipismo e do mundo da contemplação, de velejar. Ele largou tudo e comprou um veleiro. Casou-se de novo |

|e junto com um casal de amigos passou a viver no mar, cruzando oceanos. O que de início me fez pensar que significava apenas |

|saciar aquele sonho de contemplar a natureza. Mas, aprendendo o que é o dia a dia em alto mar, vi que não era só isso. Havia |

|também a disciplina, espartana, quase estóica, com rigor de cumprimento de turnos para controlar o barco. Ele acordava de |

|madrugada para isso. Por 10 anos, ele passou por todos os riscos e momentos de aventuras mais difíceis. O que eu não consigo |

|imaginar para mim, que não consigo nem meia hora em alto mar sem passar mal. (risos). E esta foi a vida dele neste período. Isto|

|já mostra o tipo de personalidade dele. E por isso o livro se chama Tudo ou nada. Porque foi sempre assim a vida dele. |

|Sul21 – Como ele conseguia se manter financeiramente para viver apenas em alto mar? |

|Luiz Eduardo Soares – Ele se mantinha com pequenos consertos para outros barcos, organizava mergulhos e fazia pequenos serviços |

|nos portos para apenas ganhar o suficiente para comprar mais combustível e alimentos. Durante este período a única droga deles |

|era a maconha ou haxixe, que são drogas contemplativas. Por isso disse que se trata de um recorte cultural. Era final da década |

|de 60, a maconha era usada para contemplação… No final do período de dez anos, há uma passagem para a cocaína, droga ligada ao |

|trabalho competitivo e ao mercado agressivo. Esta transição da maconha para a cocaína também está relacionada à mudança cultural|

|de uma geração jovem, que pregava a paz e o amor, respeito à natureza, convívio comunitário, para o mundo individualista |

|competitivo, em que a necessidade de energia competitiva no trabalho se encontra com a cocaína. |

|Sul21 – Onde ele adquiriu cocaína pela primeira vez? Como ele saiu de usuário para fazer o negócio com a droga? |

|Luiz Eduardo Soares – Foi no Caribe. Mas, primeiro teve a passagem de usuário da maconha para cocaína - que não foi algo só |

|dele, foi do mundo ocidental que fez esta passagem. Depois houve experiências pequenas no varejo. De ter pequenas quantias de |

|dinheiro da venda da droga que consumia. Fazia o transporte de pequenos lotes, já que conhecia bem o mar, mas rendia pequenas |

|quantias apenas para esticar mais a viagem. Aos poucos isto se tornou um vício e ele descobriu a heroína, que quase o matou. Já |

|de volta ao Brasil, encontrou um velho amigo que conhecera no Caribe, que era envolvido com o tráfico internacional de drogas. |

|Foi um encontro ao acaso. Esta cena está na parte central do livro e é muito interessante. Ele viciado, rouba o amigo para |

|comprar heroína. O amigo ficou perplexo e viu que ele estava vivendo a dependência. O amigo tinha malas com milhões de dólares |

|dos negócios do tráfico e ele roubou algo como mil dólares. Diante da revelação da dependência, o amigo ofereceu U$ 5 mil para |

|ele fazer uma das duas coisas: comprar tudo em droga e morrer de overdose ou comprar uma passagem para África do Sul, onde o |

|irmão do amigo venceu a dependência. Ele sabia onde tratar e prometeu curá-lo. Ronald, como bom brasileiro, pensou e acabou |

|fazendo as duas coisas: comprou droga e a passagem. (risos) Na chegada ao aeroporto na África, jogou fora o restante da droga e |

|encarou o doloroso tratamento. A síndrome de abstinência de heroína é uma das dores mais terríveis. O corpo dói inteiro. Ele |

|venceu isso em três meses. Quando está voltando para o Brasil com o mesmo amigo, ele recebe uma proposta para trabalhar com a |

|droga. Já que ele não era mais dependente, poderia ser um profissional. |

|Sul21 – Como tu chegaste à história de Ronald, que era inédita ao Brasil? |

|Luiz Eduardo Soares – Ele me procurou quando ainda estava preso em Bangu. O primo dele, psicanalista que mora em Recife e me |

|conhecia, prestigiava minhas palestras e desenvolve uma ONG de Direitos Humanos depois da morte do irmão em um assalto. Depois |

|de uma palestra em 2006 ele me contou do primo que estava voltando ao Brasil para cumprir o restante da pena, que queria contar |

|a sua história e que talvez me interessasse. Eu disse que não tinha possibilidade de assumir novos projetos, estava contratado |

|para outros naquela época. Mas disse que seria um prazer mesmo assim. Eu encontrei o Ronald e nos demos muito bem. Como rolou |

|uma empatia, ele sentiu confiança em mim, optou por esperar até eu me liberar para me dedicar a isso. Fomos acumulando |

|informações e conversas. Desde 2007 passamos a nos encontrar regularmente. Levou cinco anos até eu lançar o livro. Ronald |

|terminou a pena e ganhou a liberdade em 2011. |

|Sul21 – Qual a carga de ficção da história? Houve adaptações ou mudanças? |

|Luiz Eduardo Soares – Não. O tom é literário. Mistura romance e suspense. Mas não há ficção. Tudo é história real. Mudei apenas |

|os nomes para preservar a privacidade dos envolvidos. Ronald Soares, por exemplo, virou Lukas Mello. |

|Sul21 – Como funcionam os bastidores do tráfico internacional de drogas? |

|Luiz Eduardo Soares – A cocaína sai da selva colombiana por um avião pequeno que decola de um campo de pouso com propina de U$ |

|100 mil paga aos militares que controlam a área. Eles usam o campo uma vez por semana para decolagem. As condições climáticas |

|têm que estar favoráveis pela pouca autonomia de vôo da aeronave. As caixas de Marlboro, com capacidade de 25 quilos, são |

|largadas em mar aberto, na fronteira entre a Colômbia e Caribe. É uma manobra bem arriscada, com risco de vida, e se perdem |

|algumas caixas. De lá são levadas pelos barcos ao porto do Caribe. Lá existem barcos cenográficos, que eu descrevo bem no livro.|

|Dão ideia, vistos de cima, que tem mulheres de biquíni, tomando drinques, mas na verdade estão carregados de cocaína. São barcos|

|planos, feitos no chão, mas pelo desenho dão a mesma ilusão dos anúncios tridimensionais em campos de futebol. Quando chegam ao |

|barco setorial, a 200 milhas da Inglaterra, jogam ao mar todo o equipamento tecnológico de direção e navegação. Um barco que |

|saiu de algum porto inglês, com dois casais namorando, vai em direção a eles e leva a droga para a Inglaterra. Não há nada de |

|suspeito porque são dois casais que saem do porto e voltam como se fossem apenas passear. E o barco que fez o transporte de |

|fato, com os homens a bordo, chega sem nenhum equipamento a bordo ou vestígio da droga, porque jogou tudo no mar na entrada do |

|oceano inglês. Não há nem como comprovar a navegação. A droga sai quimicamente processada. Uma tonelada saiu com 85% de pureza |

|mas, por causa das questões de temperatura para suportar a viagem, é alterada, chegando ao varejo na Inglaterra com 15% de |

|pureza. Há uma modificação por seis do peso. Uma tonelada se converte em seis toneladas. Isto significa que no varejo, na época,|

|1999 – 2000 equivalia a 30 milhões de libras. Algo como U$ 43 milhões de dólares por tonelada. |

|Sul21 – Como o senhor explica alguém com uma carreira promissora, bem sucedida se envolver com o tráfico depois de toda a |

|dolorida recuperação? |

|Luiz Eduardo Soares – Ele chegou a ficar em dúvida. Perguntou quais seriam as condições. Como ele conhecia bem o mar e tinha a |

|experiência de economista, ele ficaria supervisionando a operação financeira e a logística da droga. Para isso ele ficaria com |

|algo em torno de U$ 5 milhões de dólares por cada operação. Isso resolveria a vida dele. Ele que já tinha filhos e não tinha |

|mais nada para recomeçar. Ele não pensava em viver fazendo isso. Pensou em superar as dificuldades e se aposentar rápido. Ficou |

|fazendo durante alguns anos e, quando foi fazer a grande operação que lhe renderia o suficiente para a aposentadoria, foi para a|

|prisão. |

|Sul21 – Vendo uma pequena noção do tamanho da rede de tráfico internacional e entendendo como ele se organiza, fica difícil |

|imaginar como combatê-lo. Como enfrentar o problema? |

|Luiz Eduardo Soares – O tráfico vai muito bem, obrigado. Justamente por toda essa complexidade. A investigação para desvendar |

|esta rede do Ronald levou muitos anos. Foi juntando partes da história, encontrando alguns agentes, depois chegando a outros. |

|Até pegar esta, outras redes já se constituíram e quando desmontam esta, abre espaço para mais outras. É impossível controlar. O|

|percurso de Londres que Ronald fazia, e que eu descrevo no livro, é o percurso típico de quem vive na clandestinidade. O melhor |

|caminho entre dois pontos é o mais longo e labiríntico, é o traço mais barroco. Ao contrário da física usual. Eles iam de metrô,|

|depois táxi, depois ônibus para fazer um trajeto curto, mas para poder driblar a segurança. O surpreendente até para o Ronald é |

|que tudo foi filmado pela inteligência policial e ele assistiu a tudo no julgamento. O julgamento é visual e tudo pode ser |

|descrito facilmente. Eu tive acesso e facilitou esta descrição no livro. Havia policiais de um grupo especial da polícia |

|inglesa, composta por egressos do M-16 e outros setores de espionagem reduzidos depois da Guerra Fria. Eles tinham seis agentes |

|acompanhando o Ronald todos os dias, a cada quatro horas. Eram 24 agentes que revezavam para ele não identificá-lo. São cenas |

|completamente cinematográficas. Uma velhinha comprando amendoim, uma mulher abrindo uma janela, outro agente passa em um táxi e |

|controlam todo o trânsito do Ronald e os principais agentes da rede de tráfico dele por longos anos. Eles acabam não tendo |

|saída. |

|Sul21 – De que forma a regulamentação das drogas refletiria no tráfico? |

|Luiz Eduardo Soares - Eu parto de uma constatação para falar sobre isso. Não se trata de opinião. Qualquer pessoa que se dedica |

|a esta área, tanto profissionais como pesquisadores, sabem que a guerra às drogas fracassou. Nos últimos 30 ou 40 anos, os EUA |

|têm liderado o que eles mesmos chamam de guerra às drogas e controle do tráfico. O resultado disso foi o aumento do consumo, a |

|manutenção da qualidade do preço, o avanço da corrupção policial e o gasto de bilhões de dólares. É uma constatação fácil para |

|qualquer agente do departamento de narcóticos dos EUA, admite-se isso nos bastidores. Claro que não dirão isso publicamente, mas|

|sabem que isso que foi feito não funcionou. Não foi falta de recursos e ou ineficiência das forças policiais americanas, |

|inglesas ou japonesas. A razão é muito simples: é impossível controlar o tráfico a não ser no totalitarismo. Podemos |

|regulamentar e orientar os mercados, mas não aboli-los completamente. Principalmente quando se trata do varejo individualizado. |

|Quando são produtos que não são diretamente úteis ao consumo é diferente. Mas comércio individualizado é impossível controlar. A|

|demanda e a oferta se encontrarão. O país que venceu a Guerra Fria demonstrando a capacidade de supressão total do mercado |

|inventa a Guerra às Drogas. Todos sabem disso. Pessoas inteligentíssimas como o Obama evidentemente sabem disso. |

|O resto é política. Política no sentido da demagogia, populismo, da opinião pública conservadora, ignorante e preconceituosa. |

|Sendo impossível controlar, a pergunta não é devemos ou não permitir o acesso às drogas. É o mesmo que perguntar se devemos ou |

|não permitir a lei da gravidade… As pessoas que querem restrição ao acesso às drogas se horrorizam com o pensar em legalizar as |

|drogas, como se hoje elas já não tivessem acesso. Não se trata de permissão, se trata de definir em que contexto este acesso vai|

|se dar. Esta é a pergunta verdadeira e que muda o ângulo de observação. Temos que definir o melhor contexto constitucional para |

|enfrentar o problema. Por exemplo, temos 18 milhões de alcoólatras no Brasil. O tabaco é outro problema. E o Brasil conseguiu |

|reduzir o consumo do cigarro com campanhas educativas, com restrições ao consumo e aos danos. A sociedade passou a repelir o |

|uso. Quem quiser morrer de câncer no pulmão fuma, mas fuma longe de mim. Existe o sal e o açúcar que também são drogas. A regra |

|deve valer para todas as drogas. Não podemos permitir que inocentes morram para um cidadão ter algum tipo de droga. A cocaína |

|causa menos de 100 mortes por ano. A média varia até 65 pessoas por ano. Homicídios dolosos 50 mil, sendo que quase metade está |

|relacionada ao tráfico. Milhares de pessoas estão morrendo por causa da clandestinidade do comércio de drogas, compra de armas e|

|outras dinâmicas terríveis. As mortes de cocaína tem relação com as substâncias combinadas à cocaína. Não há qualidade, a droga |

|não é bem processada, é contaminada. O crack é um derivado da cocaína que surgiu a partir desta clandestinidade. Há todas estas |

|corruptelas. O controle de qualidade da droga tem impacto na redução de danos. Mesmo que não consigamos conter o consumo, com a |

|legalização fazemos com que os problemas estejam restritos a quem decide usar estas drogas. Para prevenir o uso vamos investir |

|em educação, em saúde. Mas os outros fatores como a compra de armas, corrupção, a violência, as prisões… |

|Sul21 – O senhor imagina qual solução para o problema do cárcere no Brasil? |

|Luiz Eduardo Soares – No Brasil temos uma realidade trágica de 50 mil homicídios dolosos por ano. Somos o segundo país em número|

|absoluto, atrás apenas da Rússia. Destes casos apenas 8% são investigados, ou seja, temos 92% de impunidade. Em contrapartida |

|temos a terceira maior população carcerária do mundo e a taxa mais elevada de aumento desta população nos últimos cinco anos no |

|mundo. Em meados dos anos 90 tínhamos cerca de 160 mil presos, hoje temos 540 mil fora os mandados de prisão expedidos e que não|

|foram cumpridos e multiplicariam por quatro o tamanho da população carcerária brasileira. Quem está sendo preso? Segundo a |

|pesquisa da professora da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Luciana Boiteux, a grande expansão da |

|população carcerária nestes últimos anos está concentrada em uma determinada faixa de transgressores. São jovens, com baixa |

|escolaridade, em geral negros, que negociavam substancias ilícitas sem armas, sem vínculos com organizações criminosas e que |

|foram para a cadeia. Este responde ao fluxo mais veloz de cárcere do Brasil. |

|Sul21 – A Lei Antidrogas, na forma com que foi criada, foi à responsável por aumentar a população carcerária de pessoas com |

|pequenas quantidades de droga, deixando os grandes responsáveis pelo tráfico impunes. O senhor acredita que o Brasil conseguirá |

|avançar nessa legislação, assim como fez o Uruguai? |

|Luiz Eduardo Soares – É preciso tirar o chapéu para o (presidente do Uruguai, José) Mujica. Olhando para o futuro do Brasil, eu |

|não vejo nenhuma hipótese de que este avanço não aconteça. É algo tão absurdo e tão assentado no cinismo, hipocrisia, ignorância|

|e preconceito das pessoas. Autorizam a legalização do álcool e não a maconha. É algo tão irracional na produção de efeitos que |

|eu acredito que os historiadores olhem para isso com a mesma perplexidade que olhamos para alguns fatos do passado. Evidente que|

|estas coisas absurdas têm que ser enfrentadas. Mas pode levar muito tempo porque a resistência de preconceitos é muito grande. |

|Eu acredito que eu não verei isso na minha útil. Eu estou com 58 anos. Comecei a escrever sobre isso muito jovem. Logo depois da|

|ditadura militar, no início dos anos 80, no meu primeiro livro, eu já defendia a legalização das drogas e já éramos vistos como |

|românticos, utópicos ou mesmo pessoas perigosas por ‘defender as drogas’. Hoje há uma Comissão Global de Políticas sobre Drogas,|

|com pessoas respeitadas como Nelson Mandela, Fernando Henrique Cardoso e que tem se reunido para discutir novas políticas e |

|deixar de lado a Guerra às Drogas. A mídia trata do tema cotidianamente, a Marcha da Maconha deixou de ser criminalizada. Agora |

|corre um abaixo-assinado no Brasil a favor da legalização para produção da maconha em casa e permitindo a criminalização do |

|tráfico. Eu não assinei. Parece-me absurdo que um jovem pobre e negro venda uma substância para outro branco de classe média da |

|mesma idade e um seja o criminoso e o outro o ‘coitado dependente’. Não faz sentido nenhum. Eu defendo a legalização onde não |

|haja proibição, com regulamentação do negócio, informação, tributação. Sem hipocrisia e com mudança efetiva. |

|Sul21 – O senhor se mantém do lado da crítica radical hoje, mas já esteve do outro lado. Foi secretário nacional de Segurança do|

|governo Lula e esteve ao lado do ex-secretário nacional de Políticas sobre Drogas, Pedro Abramovay, quando ele foi demitido por |

|declarar as mesmas posições que o senhor. Do ponto de vista do estado, é possível ter confiança de que vamos avançar? |

|Luiz Eduardo Soares – Pela minha experiência de vida, eu digo que já vivemos em outro momento na história. As evoluções são |

|lentas. Antigamente até falar em drogas já era proibido. Hoje eu falo isso onde eu vou. Eu me lembro de quando eu trabalhei com |

|o Tarso Genro, quando ele foi prefeito de Porto Alegre, em 2001. Não existia Secretaria de Segurança e a ideia era constituí-la.|

|Fui consultor. O trabalho foi bem sucedido. Definimos o foco do trabalho na Restinga, que era o bairro mais violento à época. Lá|

|focamos os investimentos e zeramos os homicídios. Isto é relatado como um ‘case’ nacional. Naquela época eu estava em uma |

|palestra e respondi sobre legalização de drogas a um repórter da Zero Hora. Foi manchete do jornal e virou debates no rádio do |

|grupo RBS na época. As críticas eram que o carioca veio para o Rio Grande do Sul legalizar as drogas. As enquetes feitas eram se|

|as pessoas queriam preservar suas famílias ou concordar comigo. Mas depois de duas semanas de debates intensos na imprensa |

|daqui, uma última avaliação feita no programa do Lasier Martins as opiniões estavam quase empatadas. Foi 52% contra mim e 48% a |

|favor. O assunto inclusive saiu da pauta. Imagino que em mais uma semana eu teria virado… (risos). Hoje falar sobre legalização |

|das drogas já não causa o mesmo efeito na sociedade. E olha que a sociedade gaúcha é bem politizada, portanto, se trata de um |

|bom laboratório para nos balizarmos. É uma prova de que as coisas mudaram. O Pedro (Abramovay) foi expelido do governo quando |

|deu uma excelente entrevista sobre o tema. Mas foi lamentável da parte do governo. As posições do governo federal têm sido mesmo|

|lamentáveis neste tema, assim como a dos políticos de maneira geral, que ficam obedientes à opinião pública conservadora para |

|não perder votos. Mas algumas coisas já mudaram. Se estas mudanças terão força de levar para algum sentido não sabemos. Imagino |

|que ainda falaríamos sobre isso com ironia no futuro. |

|Fonte: Sul 21 |

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